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LONGA ESPERA
Aqui sitiado no inferno de Miteda
rodeado de medonhas incertezas,
olho para o céu claro... infinito
desejo visionar o avião salvador
que sobrevoe pelas redondezas...
e nas ondas da sorte, o bendito
possa embarcar a minha dor!
Sob os olhares dos abandonados,
as mãos trémulas apontam o horizonte
para Mueda, azimute ao norte...
tarda a resposta nos rádios ligados,
agravam-se as feridas dos soldados
que agonizam com a dor forte!
Passa-me pela fronte o calafrio
na espera angustiante da morte…
as febres mais nos fazem definhar
e as forças já esmorecem o querer,
com a esperança na onda a captar
um avião a caminho do norte…
não tarda e volta para nos socorrer
e quebrar o enguiço da má sorte.
Serão as derradeiras horas de agonia?
Nasce a esperança e um novo dia…
às três da tarde, aterragem tremida,
a Dornier parou por alguns instantes:
embarcam três com a alma ferida...
nos dias seguintes vão os restantes.
Miteda, 27 de Julho de 1966
Joaquim Coelho
NOTA:
Depois da emboscada no Vale de Miteda,
caminhamos pela mata até ao
Aquartelamento de Miteda.
Ali ficaram 6 Pára-quedistas,
entre feridos e doentes com paludismo,
sem saberem o dia de evacuação para Mueda…
Depois da emboscada no Vale de Miteda,
caminhamos pela mata até ao
Aquartelamento de Miteda.
Ali ficaram 6 Pára-quedistas,
entre feridos e doentes com paludismo,
sem saberem o dia de evacuação para Mueda…
SOLOS FUNÉREOS
Vinde, ó músicos das catedrais,
chicotear os nossos pesadelos
com solos de caveiras desfiguradas;
enquanto tremulam as sensações
das crenças apagadas
repudiamos os cobardes animais
desta selva de ladrões...
Festejai a derradeira missão
que os soldados querem cumprir!
Porque é tudo a bem da nação
dum poder que vos põe a fugir.
Aquecei a manta que nos serve
para cobrir estes cadáveres...
deixai a música confundir
os gritos desesperados
desta caneta que se atreve
a descrever choros subterrâneos
dos combatentes desfigurados...
Mueda, Setembro de 1967
Joaquim Coelho
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DEVANEIOS NO ÍNDICO
Hoje olhei o Índico transparente
apeteceu-me
procurar as coordenadas do teu coração
apontar no mapa, indiferente,
pareceu-me
vislumbrar o caminho na tua direcção.
Já Mocímboa fica no horizonte
distante
e a tua formosa imagem se reflecte
no céu que fica de fronte
equidistante
do caminho de Mueda, que se repete.
Divagando, vou pintando a alma
multicolor
para que o tempo me seja breve
com suaves tons de calma
amor
a condizer com o que se escreve.
Diaca, Outubro de 1966
Joaquim Coelho
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