ÀS PORTAS DO INFERNO
O cacimbo ácido das noites de Nacala
já me rói os alvéolos pulmonares
e os silêncios que povoam as sombras
misturam os assassinos dos pobres
com as madrugadas das bebedeiras
onde se dependuram os sorrisos
que corrompem a pátria lusa.
A minha esperança mais difusa
neste mundo sem remédio
ainda acredita nas coisas simples
dos que trabalham as machambas
para colherem os frutos...
as armas acordam a madrugada
e as sombras corrompem a dignidade
misturando as mulheres nuas
com os polícias que nos sorriem...
Misturo-me no bar com as cervejas
para reanimar os últimos sonhos
enquanto os pulmões respiram
e o sangue se não espalha nas matas
onde se perdem muitas vidas
sem se despedirem do mundo...
eu só quero ir por onde não vou
porque o senhor antónio me silenciou.
Enquanto o mundo escorrega
para os confins do Inferno
e os meus despojos com ossos
que os donos da pátria desprezam
se não esmagam na solidão,
quero sonhar com mulheres doces
que me acolhem nos braços
e deixar que os acordes da noite
me adormeçam com uma certeza:
os ventos hão-de enfunar as velas
e o barco encontrará águas mansas
para navegar no Índico azul
como um barco de crianças
até contornar a África pelo sul.
Nacala, Janeiro de 1967
Joaquim Coelho
«««««««««««««««««««««««
.
PÁTRIA MURIBUNDA
A morte marcou encontro na emboscada
e logo a metralha no vale entoa,
vejo uma cabeça caída, desmaiada,
confio em deus que é boa pessoa...
só o cajueiro serve de parapeito
para amparar aquele corpo já desfeito.
Sinto o salpicar fresco do sangue
saindo das tuas veias perfuradas;
e o meu corpo meio exangue
defende-se com as armas enlutadas,
enquanto outros mais destemidos
apressam o socorro aos feridos.
Assim, nesta terra dilacerados,
com a vida presa nos rudes fios,
caminham estes bravos soldados
e os seus silenciosos calafrios;
nas savanas caem os mortos
e os feridos cambaleando, tortos!
Mães, sofridas e enlutadas, chorai
à sombra da sagrada bandeira;
meu povo, homens de génio despertai
antes que a pátria arda nesta fogueira.
Vale de Miteda, Julho de 1966
Joaquim Coelho
.
FRUTO SENSUAL
O teu corpo fechado à chave
masturba o pensamento deslizante
que faz de mim faminta ave
voando até ao ninho reconfortante.
Mas tem cuidado redobrado
quando te vestes de amor
porque um homem enganado
pode ofender o teu pudor
atirando a tua boca
de encontro ao seu ventre
e logo o realejo toca
para aumentar o desejo ardente…
avançando na sensual viagem
que o gostoso movimento recomenda
com os olhos nesta miragem
a língua passeia-se até à fenda
e repousa com terna brandura
na estrada silenciosa que desfruto
num repasto de louca candura
saboreio o delicioso fruto.
Poisado no silêncio dos teus braços
e embrulhado no frio da madrugada,
o corpo preso nos espasmódicos laços
desta noite lasciva e endiabrada.
Beira, Março de 1967
Joaquim Coelho
.
.
Caro Camarada Joaquim Coelho
ResponderEliminarVou escrevendo o Amor (desde os tempos de Guerra) sem misturar a violência que vivemos com o outro lado da sensibilidade.
Aqui, mostras uma narrativa poética das diversas fases do teu percurso. Tu o apelidas de Diário e eu acredito.
É meu entendimento que conseguiste esse objectivo.
Parabéns a este teu trabalho.Pela Obra no seu todo.
Não tenho nada que se assemelhe. Apenas o Relato do que passei (mas com o nome próprio).
Abraço Solidário
SOL da Esteva