TERMINUS
Foi numa noite infernal
quando procurávamos o norte
após o sol de raios ardentes,
um ataque certeiro e fatal
marcou encontro com a morte.
Reagimos e cerramos os dentes
contra a desdita da metralha
vinda dos males do mundo,
lutamos firmes e persistentes
até à derradeira mortalha.
Com o desastre veio a peste…
os corpos já decompostos
e um cheiro nauseabundo
atirou-nos às picadas de leste
com um desgosto profundo.
Em movimentos apressados
tento arrancá-los à desventura,
mas a carne apodrece na terra
dentro duma austera sepultura
cavada no meio da guerra.
Mutamba dos Macondes, Março de 1966
Joaquim Coelho
CLANDESTINO
Nenhum sonho apaga a memória
na lucidez dos dias tristes
as minhas dores atravessam a noite
à procura da pátria-mãe...
esquecida dos corpos despedaçados
que queremos resgatados.
Mas hei-de vencer a distância
embalado nas ondas do progresso
neste mundo cheio de traços
onde me empenho no regresso
com um navio cheio de abraços.
Mesmo que as rotas se percam
hei-de encontrar outros caminhos
para levar os que ficam sozinhos;
nem que o percurso
incerto, longínquo,
seja clandestino, nesta terra
não deixarei esquecidos
os que morreram na guerra.
Sem os sonhos do desatino
até vou mostrar ao mundo
as razões da má sorte…
muita terra ensanguentada
e os encontros com a morte!
Jamais se apagarão
as causas da nobre missão
de lembrar o que se esquece
neste cruzamento do destino…
eu só quero acreditar no sonho
e recuperar o corpo que apodrece
na solidão do sertão medonho
onde chorei como um menino.
Nangololo, Setembro de 1967
Joaquim Coelho
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SONHOS FLUTUANTES
Hoje acordei perdido no sonho
em que respiravas ofegante,
com uma sensação deliciosa
a excitar-me para flutuar
por cima da púbis airosa.
Inundavas o enlevado sonho
com um arrebatamento tal
que me sentia perdido
e nas entranhas naufragado,
sufocavas-me quando perdi
o fio desse delicioso frémito
que me deixa desconcertado...
À minha frente a lua renasce
nos olhos tenho o labirinto
onde mergulho a emoção
do entusiasmo que sinto
ao perceber que tens no olhar
o fascínio mais forte que o luar!
Beira, Moçambique, Abril de 1967
Joaquim Coelho
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