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domingo, 25 de setembro de 2011

Poemas dos Tempos - Portugal 72

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      CAMINHOS POLUÍDOS

Não tentes acelerar o movimento
quando a força dinâmica da energia
está na eminência grata do vento,
transitando na noite de nostalgia
que te faz conservar a mocidade
e atirar bem longe o pensamento
sem a manipulação crua da verdade.

A natureza clama com sua voz de bruma
e mostra a dramática paisagem poluída,
as ondas do mar desfazem-se em espuma
incerteza afinal, assaz prometida,
quando se devassa a natural reconversão
das fontes genético-biológicas da vida
e esquecemos que estamos em transição.

Se deixarmos de escutar a natureza
e nos embrenhamos no escuro labirinto
dos gestos lascivos e sem beleza
que fazem de nós loucos… bem o sinto,
já acedemos ao chamamento do mal
na transgressão irónica que vos afinco
estar eminente uma tragédia infernal
da qual não escapam mais de cinco.

             Maia, Março de 1990

Joaquim Coelho
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    DESEMPREGADOS

Amigo que estás desempregado
e nem caldo tens na malga
para mitigar a fome áspera,
lança fora todos os lamentos
que incendeiam os descrentes
não cruzes a praça forte
onde se crucificam os dementes
que acreditam na pouca sorte;

Bem pior do que vida de cão
é estar teso e desocupado
sem sinais de melhor futuro;
não fiques de olhar magoado
salta o muro da indecisão
rasga os sinais da vergonha
e foge da ingrata solidão.

Contra a afronta reclama e grita
enquanto o mundo se agita
com murmúrios decadentes…
entorna o caldo que não fumega
lança mão às novas sementes
em cada dia uma nova refrega
nem que tenhas de usar os dentes.

 Joaquim Coelho






    POEMA PERFUMADO

Tens a formosura da criação
e és moça aprimorada
já sinto o rosto ao rubro...  
por ti menina prendada,
de rosto lindo, onde descubro
nos olhos a tua beleza
e sinto já marcada afeição
como se fosses a princesa
cheia de mantos dourados
envolvida nas coloridas flores
a quem peço beijos perfumados
para atenuar minhas dores...

e nos caminhos cruzados
que o tempo sempre dispõe
o sol da nossa harmonia
há-de entrelaçar as afeições
no recolhimento de cada dia
em que possas beber poesia.
              
Joaquim Coelho
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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Poemas dos Tempos - Portugal 71

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       INCENDIÁRIOS

Nesta límpida manhã solarenga
procuro a frescura da folhagem
para me aconchegar do desassossego
e fugir da sensação do vazio
que sinto no meio do deserto
onde me resguardo das investidas
dos governantes sem escrúpulos
causadores de tanta tragédia
a consumir a esperança de gerações
condenadas ao futuro de miséria.

No horizonte, os incêndios engolem
o que resta das ecológicas florestas,
ardendo numa euforia angustiante
enquanto crepitam as labaredas,
os semeadores de fogos repetidos
escarnecem da justiça a jusante
escondidos nos meandros dos negócios
que a lentidão dos processos estimula.

São tantas as desgraças ardidas
e tão fracos os sinais dos juízes
que os tratantes libertam sem juízo
ficando as terras nuas e perdidas
até que os loucos paguem o prejuízo.

    Agosto de 2011

Joaquim Coelho




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          A EUROPA DELES…

Neste país de vaidosos deputados
que a Europa pariu ao anoitecer
sentimos o cabo das tormentas
que eles enfeudaram com palmas
e promessas que nos fazem padecer.

Temos os trabalhos mais esforçados
para melhorar a vida com mérito
e vemos penhoradas as nossas almas
com políticos caídos em descrédito.

Deixam-nos no caminho desalentados
envolvidos nas crises, desesperados…
comem o melhor da nossa riqueza
e são agora os reis do desperdício
fazendo da acomodação um vício
que nos atrofia e traz mais incerteza.

       Joaquim Coelho

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   MALDIÇÃO DOS TEMPOS

Maldita televisão do mundo
que me alerta para o caos
e para os famintos sem esperança
atirados para a sarjeta do progresso.

Malditas comunicações avançadas
sempre atentas às desgraças
que atingem os desprotegidos…

Malditas tecnologias diabólicas
que servem para adormecer os povos
e destruir os seus sonhos simples
ignorados na encruzilhada da convulsão
onde se movem poderosos interesses
que ameaçam a sobrevivência
nas competições da globalização.

Há gente abandonada na valeta
desta estrada para a miséria
causada pela ganância dos políticos
que nos tratam como indigentes
e como uns estupores críticos.

Maldita imposição de vida
com os preconceitos da estupidez
que nos decretam sem ouvirem
a razão porque somos infelizes
se até nos cortam os direitos
que marcam as nossas raízes.

  Março de 2001
Joaquim Coelho
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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 70

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          LONGA  ESPERA

Aqui sitiado no inferno de Miteda
rodeado de medonhas incertezas,
olho para o céu claro... infinito
desejo visionar o avião salvador
que sobrevoe pelas redondezas...
e nas ondas da sorte, o bendito
possa embarcar a minha dor!

Sob os olhares dos abandonados,
as mãos trémulas apontam o horizonte
para Mueda, azimute ao norte...
tarda a resposta nos rádios ligados,
agravam-se as feridas dos soldados
que agonizam com a dor forte!
  
Passa-me pela fronte o calafrio
na espera angustiante da morte…
as febres mais nos fazem definhar
e as forças já esmorecem o querer,
com a esperança na onda a captar
um avião a caminho do norte…
não tarda e volta para nos socorrer
e quebrar o enguiço da má sorte.

Serão as derradeiras horas de agonia?
Nasce a esperança e um novo dia…
às três da tarde, aterragem tremida,
a Dornier parou por alguns instantes:
embarcam três com a alma ferida...
nos dias seguintes vão os restantes.  

Miteda, 27 de Julho de 1966 
Joaquim Coelho    

NOTA:
Depois da emboscada no Vale de Miteda,
caminhamos pela mata até ao
Aquartelamento de Miteda.
Ali ficaram 6 Pára-quedistas,
entre feridos e doentes com paludismo,
sem saberem o dia de evacuação para Mueda…    





       SOLOS FUNÉREOS

Vinde, ó músicos das catedrais,
chicotear os nossos pesadelos
com solos de caveiras desfiguradas;
enquanto tremulam as sensações
das crenças apagadas
repudiamos os cobardes animais
desta selva de ladrões...

Festejai a derradeira missão
que os soldados querem cumprir!
Porque é tudo a bem da nação
dum poder que vos põe a fugir.   

Aquecei a manta que nos serve
para cobrir estes cadáveres...
deixai a música confundir
os gritos desesperados
desta caneta que se atreve
a descrever choros subterrâneos
dos combatentes desfigurados...

             Mueda, Setembro de 1967  
Joaquim Coelho       

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       DEVANEIOS NO ÍNDICO

Hoje olhei o Índico transparente
        apeteceu-me
procurar as coordenadas do teu coração
apontar no mapa, indiferente,
        pareceu-me
vislumbrar o caminho na tua direcção.

Já Mocímboa fica no horizonte
        distante
e a tua formosa imagem se reflecte
no céu  que fica de fronte
        equidistante
do caminho de Mueda, que se repete.

Divagando,  vou pintando a alma
        multicolor
para que o tempo me seja breve
com suaves tons de calma
        amor
a condizer com o que se escreve.

       Diaca, Outubro  de 1966
Joaquim Coelho

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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 69

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   ÀS PORTAS DO INFERNO


O cacimbo ácido das noites de Nacala
já me rói os alvéolos pulmonares
e os silêncios que povoam as sombras
misturam os assassinos dos pobres
com as madrugadas das bebedeiras
onde se dependuram os sorrisos
    que corrompem a pátria lusa.

A minha esperança mais difusa
    neste mundo sem remédio
ainda acredita nas coisas simples
dos que trabalham as machambas
    para colherem os frutos...
as armas acordam a madrugada
e as sombras corrompem a dignidade
misturando as mulheres nuas
com  os polícias que nos sorriem...

Misturo-me no bar com as cervejas
    para reanimar os últimos sonhos
enquanto os pulmões respiram
e o sangue se não espalha nas matas
    onde se perdem muitas vidas
sem se despedirem do mundo...
eu só quero ir por onde não vou
porque o senhor antónio me silenciou.

Enquanto o mundo escorrega
    para os confins do Inferno
e os meus despojos com ossos
    que os donos da pátria desprezam
se não esmagam na solidão,
quero sonhar com mulheres doces
    que me acolhem nos braços
e deixar que os acordes da noite
me adormeçam com uma certeza:
os ventos hão-de enfunar as velas
e o barco encontrará águas mansas
para navegar no Índico azul
    como um barco de crianças
até contornar a África pelo sul.
     
               Nacala, Janeiro de 1967
Joaquim Coelho
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        PÁTRIA MURIBUNDA

A morte marcou encontro na emboscada
e logo a metralha no vale entoa,
vejo uma cabeça caída, desmaiada,
confio em deus que é boa pessoa...
só o cajueiro serve de parapeito
para amparar aquele corpo já desfeito.

Sinto o salpicar fresco do sangue
saindo das tuas veias perfuradas;
e o meu corpo meio exangue
defende-se com as armas enlutadas,
enquanto outros mais destemidos
apressam o socorro aos feridos.

Assim, nesta terra dilacerados,
com a vida presa nos rudes fios,
caminham estes bravos soldados
e os seus silenciosos calafrios;
nas savanas caem os mortos
e os feridos cambaleando, tortos!  

Mães, sofridas e enlutadas, chorai
à sombra da sagrada bandeira;
meu povo, homens de génio despertai
antes que a pátria arda nesta fogueira.  


Vale de Miteda, Julho de 1966
Joaquim Coelho





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       FRUTO SENSUAL

O teu corpo fechado à chave
masturba o pensamento deslizante
que faz de mim faminta ave
voando até ao ninho reconfortante.

Mas tem cuidado redobrado
quando te vestes de amor
porque um homem enganado
pode ofender o teu pudor
atirando a tua boca
de encontro ao seu ventre
e logo o realejo toca
para aumentar o desejo ardente…

avançando na sensual viagem
que o gostoso movimento recomenda
com os olhos nesta miragem
a língua passeia-se até à fenda
e repousa com terna brandura
na estrada silenciosa que desfruto
num repasto de louca candura
saboreio o delicioso fruto.

Poisado no silêncio dos teus braços
e embrulhado no frio da madrugada,
o corpo preso nos espasmódicos laços
desta noite lasciva e endiabrada.

                  Beira, Março de 1967
Joaquim Coelho
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