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terça-feira, 29 de junho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 4

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... SALTO NO ESPAÇO
.
Embarco ao entardecer…
em busca da ventura pressentida
montado no corcel do pensamento
e no ar… com a vida reflectida
na encruzilhada do vento.

O espaço nublado me repele
para o avião que voa longe
e fica num contínuo vaivém!
Recordo o tempo de alguém
que ficou na minha terra
a quem chamo mãe…
e eu, em forma de pássaro
encharcado… na guerra!

Embarco audaciosamente
com a satisfação de vencer
a sensação de medo…
airosamente, salto no espaço
sem qualquer segredo…
alguém me estende o braço
na madrugada do meu querer,
é a ventura…
nas terras de Angola
começo a reviver
uma longa amargura!

Luanda, Dezembro de 1961
Joaquim Coelho
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.. MANHÃ CHOROSA
.
A manhã acordou chorosa!
Já o sol se afirma no horizonte
e eu busco a sombra majestosa
do embondeiro amigo da gente.

A dolorosa notícia agrava as dores
e interrompe o merecido descanso:
sete soldados dos briosos caçadores
foram pelos ares, despedaçados...
com o jeep que accionou uma mina,
logo na hora que o diabo determina!

Fomos em socorro dos desgraçados
que antes uns dias vimos felizes
em camaradagem, juntos no Bembe,
com a prontidão evitámos deslizes;
encontrámos fumegantes destroços
bocados de corpos espetados no chão
fugindo do fogo, os soldados moços
estavam aturdidos pela confusão.

Uma tarde triste, fim de dia choroso
e o traumatizante esmorecimento
contaminou todos os corações;
ninguém foge ao sentir doloroso
mesmo disfarçando as emoções...
escapam-se as lágrimas silenciosas
nos rostos de semblantes marcados
e as opiniões cortantes como lâminas
acirram a raiva contra os culpados!

Sentimos a dor e o grave aviso
- a guerra já galgou mais um friso.

Toto, Abril de 1962
Joaquim Coelho


.. LONGÍNQUO HORIZONTE
.
Confirma-se o encontro dos corpos
em desejos convergentes
gestos profundos, longos prazeres
tão intensos que os nossos olhos
se perdem na lascívia das bocas;

um gozo louco que nos atrai
nesta escuridão amansada...
uma intensa infusão de amores
envolvendo a paixão extasiada.

Com afecto ofereço a gratidão
no momento do merecido devaneio,
esse enredo tecido no coração
é como a esperança do meu rodeio.

A tua imagem emerge na saudade
e o meu rosto escreve solidão…
sei que é grande a tua bondade
e não deixarás de me dar razão.

No meu silêncio... exposto ao sol
que ofusca o longínquo horizonte
lá no mar cor do arrebol
ainda não vejo azimute que aponte
o caminho à caravela arfando
mas o suspiro com voz dolente
escuto-o de vez em quando
no bater deste coração que sente...

E ao som do mais lindo poema
que os meus lábios cantassem
no sonho que tenho presente
da tua boca pequena
límpidos os teus me beijassem.

Negage, Novembro de 1962
Joaquim Coelho
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.. MÍSTICOS ANSEIOS
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A alegria de viver sem desalento
alimenta os corpos sedentos de amor
que nesta selva, em cada momento,
se batem pela vida com fervor.

Vós, que buscais místicos anseios
derrotando os dias de mais tristeza,
bem mereceis as carícias dos seios
que vos oferecem na alva beleza.

Mas este destino que nos abraça
na gratidão fantástica do querer,
faz parte da vontade que nos enlaça
na patriótica condição de combater.

A vida é dura… com lamentos,
muita esperança e com bondade
venceremos os inóspitos ventos
que tolhem a almejada felicidade.

Luanda, Dezembro de 1961
Joaquim Coelho
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sábado, 26 de junho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 14

.. CONTRASTES DA GUERRA
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Caminhamos nas matas agrestes
com as fardas esfarrapadas
o corpo empastado nas poeiras
que absorvem as gotas de suor
os pés com bolhas profundas
sem pão e sem nutrientes
bebendo nas poças imundas
restos das águas apodrecidas
que deixam marcas nos dentes.

Nas esplanadas mais vistosas
deliciam-se os senhores da guerra
nos bem servidos banquetes
a transbordar de bebidas
em brindes com gestos formais
aperitivos de corpos enfeitados
nas danças de contorções sensuais.

Entre as brenhas e os trilhos
há homens a sofrer os reveses
na lutar contra o aniquilamento
onde os feridos ficam cadáveres
estendidos no chão de Nangade
em espera de lugares recatados
na lonjura do planalto de Mueda
no lugar onde são enterrados.

Mas, nas savanas mais a sul
o lazer dos mandantes da guerra,
tem os helicópteros desviados
das suas missões rotineiras,
não socorrem os caídos por terra
por causa das brincadeiras
em campanha de caça e veraneio
e o gozo com férias pelo meio!

Os combatentes já deprimidos
sentem-se abandonados e tristes
mas ficam com a dor e o luar
e ouvem os pássaros em surdina…
animam-se com a força de lutar
para mudar o rumo da sina!

Nangade, Maio de 1966
Joaquim Coelho
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.. RASGAR O TEMPO

Eu não consigo rasgar o tempo
que marca o meu consciente.

Sinto o fogo da paixão à liberdade
e o rumo da razão desta gente;
mas não posso mudar as ideias
nem remover esta ansiedade
ainda atada às velhas peias...

Não posso recusar o sol refulgente
nem as estrelas que alumiam o sonho
nos olhos de cada criança inocente,
onde a fome, pesadelo medonho,
sem esperança na piedade adormecida
para alimentar as migalhas de vida.

Resguardo a memória nos versos
que o voo rotineiro fermenta...

Os ecos do protesto dispersos
nas ordens que a vida enfrenta
jamais me obrigarão à cobardia
de abandonar a razão em fantasia.

Aqui no planalto, centro da guerra,
sinto os pés a resvalar p’ra terra!

Miteda, 28-07-66
Joaquim Coelho
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.. ESTILHAÇOS BRUTOS

Hoje ficaste limitado no tempo da tua vida,
amigo trespassado pelos estilhaços brutos.
Só te resta descer à terra silenciosa;
pois o teu corpo em contratempo,
já se despediu desta terra misteriosa.

Tudo o que se procura está no tempo,
na sua consequente naturalidade.
Nada se modifica nas casernas,
e mesmo o sentimento fica siderado
como se fossem homens das cavernas.

Alguns fazem um esforço abnegado,
para combater o velho bigotismo
e acabar com a consentida cegueira
dos louvores ao mais aprumado...
perdida a recta intenção do cinismo
só falta acabar a cósmica pasmaceira.

Os ritos castrenses causam inquietação:
a continuidade das cerimónias dengosas
e as lamechas impúdicas e chorosas,
por quem a morte não teve compaixão.

Mutamba, Abril de 1966
Joaquim Coelho
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... DEVANEIOS NO ÍNDICO

Hoje olhei o Índico transparente
apeteceu-me
procurar as coordenadas do teu coração
apontar no mapa, indiferente,
pareceu-me
vislumbrar o caminho na tua direcção.

Já Mocímboa fica no horizonte
distante
e a tua formosa imagem se reflecte
no céu que fica de fronte
equidistante
do caminho de Mueda, que se repete.

Divagando, vou pintando a alma
multicolor
para que o tempo me seja breve
com suaves tons de calma
amor
a condizer com o que se escreve.

Diaca, Outubro de 1966
Joaquim Coelho

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terça-feira, 22 de junho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 13

Vamos intercalar Poemas de Angola e de Moçambique
.
Entre os Poemas escritos em Angola e os de Moçambique vai o tempo de 5 a 7 anos. A diferença no modo de abordar a guerra, estará nos seguintes dilemas do combatente:
1 - Ao embarcar para Angola fui com a convicção de que a população branca e negra precisavam da nossa ajuda porque estavam a ser massacrados e esquartejados no Norte de Angola (foram barbaramente assassinados cerca de dois mil brancos e seis mil negros, em 1961).
2 - Mas, quando fui obrigado a deixar o curso de Engenharia Electrotécnica, que frequentava na Academia, e seguir para a guerra em Moçambique, por ter recusado mudar para um curso de âmbito militar, já não havia convicção mas a certeza de que o problema da guerra era político e não militar; conhecia bem a pressão internacional e a ganância dos países mais poderosos em se apoderarem das riquezas dos territórios administrados por Portugal.
O descontentamento e o mal-estar marcaram os meus 29 meses em Moçambique. Daí ter passado para o papel os estados de alma nos momentos de maior lucidez e azedume.

... DISSABORES AMARGOS
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Má sorte ter embarcado em Lisboa
e ter caído nesta selva onde a leoa
me embarga a voz temente ao perigo.
Não sou eu que o digo...
os companheiros desanimados
que se manifestam ameaçados!

O Figueira avança na palhota
ao encontro da solidão;
o Armindo patrulha a mata
em busca do grande leão;
o Mota, bom jagador, faz batota
com o batuque a preceito;
o Coelho... triste, sem jeito
tangendo a viola dolente
para desanuviar a dor que sente.

Sente-se a tristeza do comandante
que se esforça em filosofar a vida,
mas a vida é cada instante
em que o sonho nos dá guarida.
Tento lançar os prantos ao mar
enquanto a esperança me afoita
nas quentes noites de luar,
é um desafio dormir em Nacala.

Contra as ameaças indigestas
a razão da minha voz não se cala...
frente a este movimento feminino,
porta-voz dos ditadores malditos
que dilaceram os corpos benquistos
e afundam a pátria já naufragada
na imensa pobreza acorrentada.

Porque hei-de sofrer os dissabores
e o feito dos males de tanta gente?
Vou afugentar as minhas dores
sem medo de ser diferente...
despertar os corações amuados
do Portugal longínquo, adiado...
bramir o grito dos amordaçados
e despertar o calor do mundo aliado!

Nacala, Agosto de 1966
Joaquim Coelho


... TORMENTOS
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A noite de sono atormentado
em que dormimos acorrentados
à desgraça da pátria incapaz
de saber se ainda existimos…

abandonados nas terras recuadas
dos milheirais das machambas
onde mergulhámos o desalento
no lodo das incompetências
dos poderes soterrados em S. Bento.

A sorte que nos cabe no momento
já se esboçava no desenlace
que a tragédia adiava aos ousados
entre os combatentes cansados.

O pesadelo é uma eternidade
que a manhã acordou
quando a morte amarfanhou
mais um soldado valente;

o socorro é a ínfima esperança
para nos livrar do tormento
que nos devora os sentidos
para reinventar-mos a vida
que nos foge com o tempo
no prelúdio da sepultura…

O silêncio dos olhares
deu alento à decisão
levar os feridos aos ombros
e caminhar pelo sertão
fugir do ambiente hostil
que nos mordia a vida
alancar até Napota
nossa terra prometida
acertar contas com os sacanas
que nos atiram p’ro inferno
por abandonarem nas savanas
os mortos no sono eterno.

Mutamba dos Macondes, Março de 1966
Joaquim Coelho
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... CORJA DE LADRÕES
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A força que nos anima na certeza
vibrante dum peito sem emoção
também vence a insídia dos escolhos
que combatemos com firmeza
mesmo que a angustiante comoção
nos deixe as lágrimas nos olhos.

Os lamentos dos feridos silenciosos
são o rancor contra o inimigo astuto
que nos fustiga as doridas faces…
na rectaguarda, colonos asquerosos
transferem os seus bens para o puto,
debandada de ladrões sem disfarces.

Amigo descarnado que padeceste
trespassado pelas balas sem apreço…
corpo jovial, vibrante e moço,
sem vida no rosto, emudeceste…
aos deuses que cortaram a voz eu peço
que te recebam em paz, sem alvoroço!

Mueda, 16 de Março de 1966
Joaquim Coelho
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sábado, 19 de junho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 3

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... NOVOS PADRÕES
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Ah solo pátrio tão desigual
ao descrito nas letras de Camões;
tamanha ingratidão afunda Portugal
na eterna luta dos canhões!

Os soldados valentes vão lutando
sem a galhardia dos brasões...
ninguém esquece as mães gritando
lá longe... extremosos corações.

Já não se levantam mais padrões
nas selvas que rasgamos, dolentes,
porque os novos filhos barões
têm vontades mais convincentes.

E quando olhamos à retaguarda
sentimos um aperto nos pulmões;
continua a desfilar na parada
um bando de ignóbeis tubarões.

Quitexe, Agosto de 1962
Joaquim Coelho
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... TORMENTO DA VIDA
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A inquietação
no meu destino
atormenta a certeza do porvir,
procuro fugir ao desatino
que a guerra provocou
e perco a visão do caminho
que outrora sonhei
quando peregrino
na cidade deambulei.

O tormento da vida
afigura-se além…
no meio das matas
percalços sem medida
e os milhafres
circulam nos céus
à procura de alguém
que caminha espavorido
e debicam os sonhos meus…

já lhes perdi o sentido…
e a vida neste desdém
traça-me o rumo
que percorro desprevenido.

Damba, Março de 1962
Joaquim Coelho
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... SEM TRÉGUAS
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Absorvo a mensagem da natureza
que promete um dia de sol…
os primeiros passos na mata
em trânsito entre o silêncio
que me arrasta o olhar castigado
pela angústia dos ausentes.

Como um solitário esquecido
nos dias vivo descontente
- porque até as asas esmorecem
e não perdem o jeito de voar…
sinto os companheiros absortos
nos pensamentos das noites de Luanda.

Por isso recusei sorrir à súplica
do olhar das crianças famintas
que ficaram abandonadas em Tabi
- uma dor tresmalhada que senti!
Era um olhar tão frágil e vazio
que até o calor ficava frio
e a fome secava as lágrimas
nos rostos sufocados em sofrimento.

Nem sequer me deixaram parar
para desprender o meu olhar
nos infelizes desprezados pelo vento
que atiçam a minha vontade
de acabar com esta ansiedade
e derrotar os que fomentam a guerra
que os bandidos semeiam nesta terra.

E não vou perder a dignidade
nem dar tréguas aos impostores
porque a gesta desta mocidade
dá lições a muitos doutores.
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Quibaxe, Dezembro de 1961
Joaquim Coelho
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... DESLUMBRAMENTO
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Resguardo no silêncio da memória
o sorriso que resplende a luz
dentro dos teus olhos…
Como um canto de tons lunares
é uma música doce da ventura
que me percorre o pensamento
e deixa deslumbrar o inígma
que incendeia as palavras de manhã,

anoitece e o fulgor da imagem
reflecte-se na vertigem do desejo
o coração esconde-se envergonhado
antes que o trigo desencante a fome
e o corpo dance com as sombras
nas noites calmas dos amantes;

respiro a luz dos teus olhos
tão audazes e penetrantes
que me despertam a vontade
de proteger-te dos abrolhos
que podem causar infelicidade.

Luanda, Janeiro de 1962
Joaquim Coelho
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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 2

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.. O DESFILE

Os maçaricos na avenida, garbosos,
Batem com as botas no chão
Mostram que são os mais corajosos
Para cumprirem a comissão.

As moçoilas ladeiam as avenidas
Conjecturando os coitados
Que vão gozar as mais queridas
Antes que sejam deslocados.

Passam pela Baía os olhares
Sem respeito pelos veteranos
Que esperam dias melhores
Longe destes tempos insanos.

Garotas lindas e endiabradas,
Sempre a trocar de amores
Enquanto dais as gargalhadas,
Nós desfolhamos as flores…

Luanda, Outubro de 1961
Joaquim Coelho
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.. EXORTAÇÃO

Sem temer as longas jornadas
embrenhados na exótica vastidão,
com o esforço nas faces suadas
e a beleza que nos prende o coração...

Em saltos rasantes, prazenteiros,
parecem aves em voos certeiros
caindo do azul do céu...
espíritos refulgentes e audaciosos
não temem rastejar em noites de breu,
depois de lançados em voos perigosos
onde desenham os leves perfis
no desafio às condições hostis!

São macabras as bestialidades
nas florestas de suaves tonalidades,
corpos decepados e retalhados
deixam marcas tristes na memória,
dias de amargura e de saudades
da aldeia de caminhos orvalhados.

As poeiras esquisitas e molhadas
encobrem a dor dentro dos olhos;
uma imensidão de finos escolhos
limita o percurso nas “picadas”...

Senhores, deixai viver os soldados
forçados à condição de batalhar
com os corpos tensos e cansados
e a alma desejosa de voltar...

Toto, Janeiro de 1962
Joaquim Coelho
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... ESPAÇOS

É infinito o espaço para o sonho da vida
quando o coração bate docemente
perdura a amizade sem medida
e o corpo sofre porque és ausente.

Os instantes em que aferi a imagem
que desenham as palavras de apreço
foram breves nos meus olhos em viagem
como a simpatia que te serve de adereço.

A tua voz doce prolonga-se no espaço
e deixou eco nos meus ouvidos
deu o timbre ao poema que faço
quando a imagem desliza nos sentidos.

Habitas no aconchego da memória
onde se renovam momentos de ventura,
o melhor desta benevolente história
é o sorriso calmo da minha ternura.

Não sei se entendes a brisa suave
que difundes dos olhos fascinantes,
mas não consideres pertinência grave
quando os sentidos estão distantes.

Não me esquivo às lufadas de vida
que encontro nas noites de aventura,
porque o feitiço é saborosa bebida
que me enche o coração de ternura.

Luanda, Agosto de 1962
Joaquim Coelho
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.. GESTO SECRETO

São longos os dias
quando o suave amanhecer
me diz que és ausente
deste meu ingrato viver,
em direcção às estrelas
e começo a decifrar o firmamento
mas nada me dizem de momento...

mas as rosas com espinhos
não deixam de exalar perfume.
com este gesto secreto
uma nova esperança renasce
na transparência das palavras
que atiro para o papel
e a luz dá vida ao sonho
desvendando o amor que reparto
no aconchego do nobre gesto.

Contigo, rosa florida,
posso repartir a alegria
onde cabe todo o nosso amor,
posso enlaçar os braços
e abraçar com ternura
deixar no teu corpo os traços
como um rei majestoso
que mostra a sua bravura.

À Minha primeira namorada
Angola – 1961
Joaquim Coelho
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segunda-feira, 14 de junho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra

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.. A DESPEDIDA
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Embarco para além-mar
Com um amor na bagagem
Deixo uma carta a lembrar
Que será longa a viagem.

Sem ofensa à minha amada,
Rejeito encargos do coração
Que me deixem a vida atada
Sempre à espera do caixão.

Na partida não dei esperança
Num beijo de simpatia,
Até parecia uma criança
Com paparicos à porfia.

As lágrimas vieram depois
Com a saudade a remoer
Os momentos de nós dois
Que não mais podemos ter.

O coração suspira no peito
Com vontade de te ver
O teu retrato tem defeito:
Não ouço o coração bater.

Nesta ausência forçada
Que a guerra me obrigou
Tenho uma relíquia guardada
Que a minha amada ofertou.

Inebriado no sonho belo
De voltar a ter teus beijos
Olho a madeixa do cabelo
Onde afogo os meus desejos.

Maquela do Zombo, Outubro de 1961
Joaquim Coelho
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... APRESENTAÇÃO

Parti às seis da tarde do aeroporto,
sem ninguém a dizer adeus.
Com os anjos voei no azul do céu,
muita vontade de continuar vivo
- ao destino nunca me esquivo...
desembarquei nas pistas de Luanda,
onde encontrei a ausência do sabor
e a pobreza das vidas sem amor.

Caminhei embrulhado no destino
e fui condenado ao silêncio...
A importância de nascer menino
esvai-se em cada hora de combate
e logo no primeiro embate...

Tilintam os sinos nas igrejas
e os olhos contemplam os mortos
que tropeçaram na mina obscura,
mas morreram hirtos, sem invejas
e eu já sinto a grave amargura
de viver no meio da guerra!

Ainda espero uma carta da terra,
dos ausentes que nunca saberão
porque se morre a bem da Nação.

Luanda, Outubro de 1961
Joaquim Coelho
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... TOCAM OS CLARINS

O céu não tem fronteiras
para as asas do partir!
Os clarins tocaram às bandeiras
quando nós, gente do povo,
embarcámos sem vontade de sorrir...
crentes em regressar de novo.

Não importa aos heróis vencer metralha!
Nos horizontes da nossa memória
temos as pestilentas cubatas de palha
e outras gentes com história...

Sentimos a liberdade de julgar
com perfeito sentido de rectidão,
mesmo na guerra não há lugar
para vacilar... à vontade do coração.

Só quebrando as lanças da agressão
teremos mais livre o destino
para eternizar a vida em harmonia.
Os povos andam em desatino
por força do sangue que os desafia
nos caminhos da liberdade...

Se temos honra e dignidade,
vamos procurar a paz... sem guerra
nos mares, no ar, em terra!

Bembe, Março de 1962
Joaquim Coelho
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.. BOCAS DE FOGO

Nesta fúria á hora do fogo
na terrível recusa de cair no chão
- ninguém sabe qual é o seguinte –
fugir à morte também é um jogo:
estar onde não há explosão…
ou aceitar a morte com requinte.

Mergulhar na mata sem protecção
ouvir o estrondo dos rebentamentos
dos canhões em vómitos de cólera
é mergulhar os sentidos na solidão
e ficar sem réstia de pensamentos
mais os sons da metralha mortífera.

Tantos sons de alerta alvoraçada
deixam um rasto de aço penetrante
que perturba o sangue dilatado
e deixa os sinais da sina trocada
em cada bala de fogo fulminante
se furar as veias de algum soldado.

Quicabo, Fevereiro de 1962
Joaquim Coelho
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.. VENTO MENSAGEIRO

Este vento que sopra agreste
e traz até mim os teus odores,
envolve meu coração na veste
que faz de mim tição de amores.

Sem temer o agravo das jornadas
avanço ao teu encontro, sedento
dos beijos nas faces rosadas
para aliviar o meu tormento.

Porque estás longe e tranquila
dou longas asas ao pensamento
para voares até às terras da Huila
no rumo das lufadas de vento.

Assim poderás atender o pedido
na sublime mensagem do coração
reanimar um amor quase perdido
nos espaços longínquos do sertão.

Poderei afagar teu doce rosto
com a ternura bem guardada
dois depósitos cheios de mosto
que fazem de ti mulher prendada.

Temos imensa terra adormecida
que faz de nós gente de aventura
a vida na savana está prometida
aos que a desbravem com doçura.

Não te esforces pelas sementes,
enquanto tens manga e papaia
para satisfazeres o gosto que sentes
quando abres o vestido de cambraia.

Então, junto ao peito aquecido,
despertas o fogo do casto amor
e devoras o fruto apetecido
até atestares todo o seu sabor.

Quitexe, Junho de 1962
Joaquim Coelho
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.. DESENGANOS

Embarcámos na noite escura,
como de costume...
em busca do amor que escasseia
já pressentia
a noite que se refugia
no negrume dos sonhos em mistura
dos gestos secos, inconfundíveis,
e a coisa fica dura...
na curta história dos corpos fechados
com emoções invisíveis;

desejos vadios e fingidores
entrelaçados nas nossas dores,
passam o tempo em volta de nós
bocas serenas, quase sem voz;
danças feliz, quase louca…
se queres servir-te de coisa pouca
estamos sozinhos no parque
aproveita agora que não é tua...
antes que eu embarque
e apague a lua!

Luanda, Janeiro de 1962
Joaquim Coelho
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#################.
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.. DIFERENÇAS

Vestido de nuvens, acordei na rua
com água a correr nas veias...
uma vontade enorme de te ver nua
para os festejos do gozo a meias.

Sei que percebeste o meu recado
quando recolheste aquele beijo,
os lábios deixaram-me intrigado
e o sabor adormeceu o meu desejo.

Há alguma desordem nesse riso
que difundes da casta inocência,
a condição das entranhas que piso
respira os gestos da boa decência.

A aragem despenteou os cabelos…
o corpo bem aconchegado ao meu,
sem precisar da cumplicidade do vento
deixou a minha mão passear
nos contornos dos teus segredos.

Os sentidos farejaram os alimentos
que excitam a pelugem que se abre
aos desejos retocados pela fome
dum orgasmo impaciente, gostoso
na usura do sulco espumoso.

Ficaste com a blusa bem diferente
a encobrir os gestos dengosos
e os teus seios mais garbosos
a comporem a imagem refulgente.

Luanda, Outubro de 1961
Joaquim Coelho
================ CONTINUA nova página

domingo, 13 de junho de 2010

Tempo Presente - Poemas Censurados 2

Continuação dos Poemas Censurados e recuperados:
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. .. CAIS DE EMBARQUE

A manhã submergia da bruma
e já o teu semblante parecia arfar
com a blusa densa sobre os seios
tesos e humildemente rosados
quando a vontade se esfuma
sem tampouco lhes tocar,
quis combinar os suaves meios
de cumprir os dias sonhados!

Apenas pude beber das credenciais
abonatórias da tua beleza…
os olhos a transbordar sorrisos banais
que suavizavam o bater do coração
gravemente inflamado pela vertigem
do embarque para a incerteza
recolhida bem no fundo do porão
onde compreendemos a nossa origem.

Ali espalhados pelo lastro do porto
sentia-se o prelúdio dos desencontros:
namorados em lânguidos suspiros
perdendo as energias do conforto
nos dias tristes e noites de vampiros.

Avançámos ao encontro do mundo
que nos devora sem piedade
enquanto o silêncio tenso e profundo
nos atrofia a crença na felicidade.

Rendidos ao chamamento da guerra
que se abatia sobre os nossos destinos
ninguém se orgulhava do desfile
em trânsito na gare de Alcântara-terra
onde embarquei ao som dos hinos
de cabeça erguida, olhando de perfil.

Limpando as lágrimas furtivas
sentidas nos peitos apertados
acenámos com as boinas punitivas
das razões por que somos embarcados.

Gare de Alcântara, Janeiro de 1966

Joaquim Coelho
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.. AMOR NO CAIS

A lua gravita à volta do infinito
vagarosa, ilumina a noite escura
e eu não cheguei a ver a formosura
na lonjura dos sonhos perdidos…

Um navio atravessa os mares
e daixa os amores nos cais
muitos meses separados
deixam-nos a vida à deriva
o olhar vê longos horizontes
e um lágrima esquiva
vem perturbar os pensamentos
em cada noite atribulada.

A saudade gravita nos olhares
perdidos na imensidão das savanas,
os pássaros da noite me despertam
na alvorada dum dia tenso
dentro da brutalidade da guerra
onde descobri porque se enlouquece
enquanto a brisa nos separa
este amor que imerge nas águas
do oceano da nossa desventura.

Há rumores de regresso à amurada
dando novo rumo à pátria;
será verdade ou é loucura
acreditar que ainda és minha amada.

Luanda, Novembro de 1967

Joaquim Coelho
<<<<<<<<<<<<<<<<

.. AEROGRAMA PERDIDO

Quando eu regressar da jornada
que a Pátria me determinou
porei fim a esta angústia
de saber aferir a razão
porque falharam os aerogramas
que me davam a ilusão
de acreditar no amor adiado
como forma de salvação
do coração destroçado.

As vicissitudes são tantas
neste espaço dos medos
que já não sei saborear o amor
nem do teu corpo os segredos
e o coração amarrado
à penúria dum papel
é como um corpo amolgado
antes de saborear o mel.

Não me deixes na solidão
destes caminhos minados
onde se rompem os corpos
feridos e ensanguentados
na tragédia das picadas
perdidas na paisagem
com molduras de espingardas.

Deixa-me olhar a imagem
que um dia te roubei
na planície da juventude
onde desagua toda a verdade
dum amor que nos uniu
na lonjura da distância
que esta guerra pariu.

Não estilhaces o meu corpo
com a arma do silêncio…
a fuga não é razão
para me desamparares
no meio deste sertão…
se os seres nascem aos pares
o meu é par do teu
como o teu é par do meu.

Antes do fim há um sinal
que revela as emoções
de quem anda à deriva…
ainda espero a carta
que me traga a salvação
e o consolo do refúgio
que está no teu coração.

Porto Amélia, Maio de 1966
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.. AGONIA NAS PICADAS

Para os soldados atirados para o mato
os dias são de grande inquietação,
sujeitos a fortes ataques em abstracto
vivem horas terríveis de aflição.

O percurso de Quibaxe até à Zala
é uma jornada de grande tormento
abatises, armadilhas, nem se fala
nas angústias e horas de sofrimento.

São dias e semanas de amargura…
os jovens a morrer pelos caminhos
quando a vida já não perdura
nestas estradas cheias de espinhos.

Galgando densas matas e capinzais
arrastam-se aos tombos nas picadas,
correndo o risco de não voltar mais,
vão altivos e firmes nas caminhadas.

Quibaxe, Novembro de 1961
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... APRONTAR O DESTINO

Aqui perdido na savana,
invento um mar com ondas calmas
o vento e um barco à vela
algumas aves para me acompanharem
e a estrela do sul para me guiar
até à terra da minha saudade.

Não sei se tens o dom de sonhar
enquanto me esperas…
mas sei que não posso prender-te
dentro de mim…
para alcançar a liberdade
tenho que libertar o pensamento
e mitigar o absurdo da guerra.

Lutarei até ao fim
para que a nossa felicidade
se liberte deste tormento
que me faz rastejar na terra.

Tenho que libertar a força
que trago dentro do peito
combater escabrosos inimigos
ladinos como uma corça
na guerra do preconceito.

Mueda, Novembro de 1967
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... TRILHOS DE QUIPEDRO

Somos soldados generosos
embarcados no escuro dos porões
dos navios mais ordinários…
sem certeza do regresso.

A Baía vestida de festa
guarda-de-honra e fanfarra
Luanda virada do avesso
onde fizemos a grande farra.

Depois da confusão da noitada
toda a juventude promissora
avançou no destino marcado;
serra da Canda e Quipedro,
momentos de grande emoção,
com tanto turra assanhado
tinha que haver explosão.

Aos primeiros rebentamentos
vindo dos morros de Quicabo,
começaram os grandes tormentos
e as pernas a tremer, de espanto…
foi atingido o primeiro-cabo
e mais sete soldados mortos
deixa o pessoal em pranto.

Toto, Março de 1962
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.. ROTAS TROPICAIS

Barcos parados no porto de embarque
sem vontade de partir para longe…
que levais no escuro dos porões,
porventura algumas sementes
ou máquinas de trabalhar o pão…
e roupas para os desnudos
que vivem longe desta confusão?

Barco que não sentes a vergonha
de levares os soldados à guerra,
navegas com toda a força bruta
que te mandam as máquinas,
sem veres que as mães em terra
vivem a despedida chorando!

Barco engalanado de gaivotas
onde estão os governantes
amotinados como os agiotas
com laivos de reles ferocidades?
Com a miséria vem a confusão
dentro dos cérebros mudos,
só teremos nova sociedade
na volta dos valentes da nação.

Barco apressado que voltas
dos mares e rotas tropicais
trazes desfraldada a bandeira
das cores rubras de esperança
e regressam os combatentes
cantando os hinos ardentes
como na viagem derradeira…
mas na memória dos ausentes
fica a emoção verdadeira.

Beira, Março de 1968
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.. OS PROSCRITOS

Quando o clarão da aurora esmorece
a força turbulenta das monções
já teu corpo ferido se desvanece
nos abismos profundos dos sertões
das horas silenciosas, sem estrelas…

Não respondes aos efeitos do plasma
que injectamos nas veias feridas…
teus ouvidos ensanguentados, janelas
no rosto desfigurado que não sentes
percebem-se as emoções sentidas
nos olhos lacrimosos dos presentes.

Isto é a tragédia, um descalabro!
Os queixumes graves, quem os ouve?
… os mortos não dão amplexos
gesto comovente e macabro
da desgraça que cai sobre os danados
com os corpos jacentes em Napota
miseravelmente aí enterrados!

Na marcha de regresso ao acampamento
quebra-se o silêncio com metralha
que agrava mais o nosso sofrimento
e corta pela raiz o desejo apetecido
de terminar a razão desta batalha
que nos deixa infelizes e aflitos…
sem acabar com o sono imerecido,
em Mueda já somos proscritos!

Mueda, 17 de Junho de 1966
Joaquim Coelho,
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.. RUMO DA RESTINGA

Aqui desdobrados neste espaço
a ameaça das obsessões paranóicas
destrói o melhor dos sentidos,
razão porque me disponibilizo
contra o imobilismo putrefaciente
inibidor dos fluxos de ideias
sinto o culto da subversão
dos padrões éticos castrenses
nas casernas de elites aéreas
onde há réstias de realismo.

Sem jeito para militar condicionado
entre companheiros desenquadrados,
com uniformes de barro cinzento,
deixo sementes do universo sonhado
mais generoso e sem vaidades
sem a ambiguidade das soluções
mistificadoras da razão da guerra
onde ocultam as imagens perversas
poluidoras do ar da nossa terra.

Sinto os fluxos de energia variada
que a vida tormentosa me oferta
e no espaço ocupado que sobra,
multifacetado de gente bizarra,
invento incursões intencionais
dentro das consciências desabitadas
com imagens mais convencionais
contra a razão da guerra inexplicável.

Liberdade perdida? Que ilusão
me faz obedecer à terra-mãe?
A verdade dentro do coração
Proibe-me de dizer sempre amém!

Os companheiros mortos no caminho
jamais sairão do pensamento
das mães que gritam até ao Minho
clamando suas dores ao vento!

Como é possível tanto sofrimento
no clamor contra a surdez de alguém
que vive para os lados de São Bento?
As nossas dores vão mais além
das forças gratas da emoção
porque pressinto a grave derrota
virando os tempos desta Nação.

Nacala, Junho de 1966

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.. DESAFIO À MORTE

Foge para longe do sentido
enquanto busco o caminho
que um futuro prometido
encorajou no meu desejo
de afagar os sinais da vida
que se apaga lentamente…
.
não escarneças o corpo
que sofre amargamente
enquanto unido à alma
é razão da vida da gente
e o desejo absoluto
de manter a unidade calma
está no espaço que disputo
à morte que me persegue
nos contornos do combate,
.
mesmo vestida de grinaldas
não vou cobiçar-te as feições
esculpidas no horizonte sombrio
que anda a desafiar-me…
aos tombos, aos baldões
nas emboscadas, o calafrio
onde passas, fugidia
não tentes surpreender-me
… marca encontro
p’ra outro dia!

Nangade, Setembro de 1967
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.. AS MINHAS DORES

Penso em ti, solitário
cumprindo o meu fadário
nas horas sofridas…
nas matas de Miteda,

horas de dor e amargura
que compartilho, em memória,
(porque não me sai da lembrança)
o bálsamo dos teus odores.

Assim escorraço as minhas dores
para os longes do infinito…
e para abafar meu grito,
a alma precipitada
corre mais apressada
para o semblante dos teus olhos.

Penso em ti… nesta ausência
da mansidão dos teus afagos
para que não me faltem
os dons da força e da resistência
para vencer cada dia
que passo nesta aventura
entre as savanas de Muidumbe
com a boca em grave secura
e o corpo quase sucumbe
envolvido na amargura
dos dias sem esperança.

Penso em ti… fugindo ao sofrimento
quando os sonhos vão no vento
que me trazem calafrios…
ao acordar de olhos baços
pelo companheiro com os pés frios
que transportei nos meus braços.

Nangololo, Setembro de 1967
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... HERÓIS INOCENTES

Aos que morrem na savana,
trespassados pelas balas quentes
dos soldados inimigos;
deixai-os em paz
no seu sossego além…

não choreis a sua renúncia
à vida que se perdeu no combate
porque há sempre alguém
entre os companheiros
que é o irmão mais leal
para combater esse mal,

não lhes deis o som dos tambores
nem brilhantes medalhas…
não há nada que tire as dores
das póstumas condecorações
decretadas pelos canalhas
que obrigam às incorporações
de mais fornadas de contingentes
para os navios atulhados…

deixai descansar esses valentes
e sustentai os filhos desamparados.

Beira, Março de 1968
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.... AS DESVENTURAS

Ele chegou perturbado, sem fôlego.
Comovido, eu lhe disse:
- Fala companheiro, descarrega
as desventuras, anseios, medos...
não te deixes evadir pela solidão
destes inóspitos lugares, degredos.

Não penses nas amarguradas horas
dos dias cor de chumbo
lança fora a desdita, sem demoras,
para sentires outro fulgor,
o mistério das florestas absorve
qualquer presença da dor
e os impulsos emotivos, ingénuos,
opõem-se aos estilhaços cortantes
estancam o sangue nos corpos marcados
e travam a força do açoite
que nos humilha em cada noite...

Nangade, Outubro de 1966
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.. DESAPARECIDO

Minha amada desalentada,
vi nos teus olhos angustiados
a descrença no meu regresso!
Depois do meu embarque
perdi a ternura dos gestos
que nos deixavam felizes.

Desapareci sem um adeus
e só as lágrimas caprichosas
me lembram os teus suspiros…
não te vou dar queixumes
dos sonhos que se desfazem
nesta vertigem da guerra
onde se geram tensões
e o destino é cada picada
que percorro aos baldões.

Minha amada na sombra
do sol que nos alumia,
solta-te como uma pluma
para que vivas cada dia
longe do inferno medonho
que são as horas de medo
a destruírem o meu sonho;
não quero que faças segredo
nem vou ficar zangado
se viveres bem o teu fado.

Luanda, Outubro de 1961
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.. DESALINHADO

Esta não será a última noite
invocando o patriótico dever:
- desflorar a mata virgem
deixando a nua sanzala arder.

O silêncio do nosso querer
acelera a pulsação do medo
que nos faz calar a voz!
em cada nova emboscada
perdemos um pouco de nós!

Renunciar? pela vez primeira
só na insónia da noite assexuada
quando a dor insemina o cérebro...
porque esta não será a derradeira
se nos batermos como demónios!
E a bissectriz do ângulo da razão
que o mundo inclinado nos aponta
encrava os nossos neurónios...
vai metralhando o pensamento
com a nova ordem que desponta
desajustada ao rumo do vento.

Quem discordar da emboscada
ou recusar o facto da destruição
dentro das grades do desterro
jamais terá direito a opinião!

Macomia, 12-04-67
Joaquim Coelho
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... ARMADILHAS

Frente à morte
estão proibidos os enganos
na espoleta que mastiga os estilhaços
que decidem, cortando,
se continuamos a respirar!

Antes do estrondo armadilhado
o matraquear das costureirinhas
desguarnece os ouvidos
e o corpo atirado para um buraco
mantem tensos os sentidos
e os arrepios no coração a latejar
espicaçam os olhos já cansados
daqueles que conseguem respirar.

Maúa, Março de 1967

Joaquim Coelho
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... DESGASTE

Com tanta chuva na picada
a natureza corta o caminho à morte
e nós cortamos a direito para o norte
onde fica a Mutamba recatada.

Camuflados encharcados
e as gotas teimosas nos olhos
as botas espicham o lodo
pelos furos do desgaste
que apressa a respiração;

quebrado o operacional silêncio
fica a penúria dos colhões
atrofiados nas virilhas
dos corpos aos trambolhões
neste rasto de tormentos
onde as mochilas encharcadas
desfazem os alimentos
no enredo das enxurradas.

Mutamba dos Macondes, Outubro de 1966

Joaquim Coelho
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.. CAMINHOS RASGADOS

Entre mim e vós há a distância
onde dormem animais sossegados
e há matas com muita guerra
nefastos interesses de ganância
por estes caminhos rasgados
à força das brutais explosões.

Entre mim e vós há um continente
enclausurado entre belezas e degredos
e um rio que chora por mim
quando lhe atiro os meus medos.

É o Messalo que me refresca
nos dias que o visito
e encho o cantil nos rochedos
enquanto expulso um grito
oprimido com os meus segredos.

Porque há distância na terra
da África sempre aprazível,
vivo com os camaradas da guerra
que são uns valentes soldados
entre o rio e a mata de brenha
rasgamos as trevas separados.

Nangade, Agosto de 1967

Joaquim Coelho
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... SOLAVANCOS

Sem saber os caminhos, voei
para o espaço inesperado…
lá longe ecoavam os clamores
e saudade fustigava duramente
o sono do meu abandono
por terras que nunca imaginei.

Fui vivendo aos solavancos
alarmado com os ventos
que arrebatavam as forças
bem dentro da realidade
entre clamores e gemidos
senti bem os açoites, tantos!

Sem fingir que estava alerta
com os companheiros em redor
respirando entre a poeira
que roubava a vida por dentro
e deixava a garganta deserta.

Depois de tanto abandono
a ofender a solidão, em Miteda
ninguém fugia à missão
mais amarga ou azeda
nem reclamava contra a chuva
que molhava até ao coração
em cada picada inundada
onde dormia sem sono
no meio da terra sem dono.

Mueda, Setembro de 1967

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Tempo Presente - Poemas Censurados


..... A CENSURA EM ACÇÃO
.
Decorria o ano de 1972 quando o Poeta Egito Gonçalves, que já conhecia desde o Teatro Experimental do Porto (1958), me alertou para o Concurso de Poemas da Editorial Inova. Da vasta colecção de poemas (estados de alma) escritos durante os tempos da guerra em África, reuni 168 e elaborei um livro que deu entrada no concurso, título de capa "Tempo Presente, poemas da guerra e da paz".

Resposta a um pedido de colaboração numa Antologia de Poesia da Guerra Colonial da UC.

"Porque escrevo para descrever alguns estados de Alma?

Quando acompanhava o poeta Pedro Homem de Melo, na apreciação dos Ranchos Folclóricos que deveriam ser escolhidos para exibição na Televisão, deambulei por diversas terras do interior do Minho e das Beiras, onde fui sensibilizado para escrever algo em forma de poema. As paisagens e o ambiente rural desenvolveram em mim a mística da simplicidade dos camponeses e comecei a escrever versos para os Ranchos Folclóricos. O Professor Pedro Homem de Melo ficava horas e horas sentado à beira dos riachos a meditar; de quando em vez, também escrevia. Foi um tempo de grande aprendizagem, até porque este homem de Afife também foi meu professor.

Os primeiros poemas foram publicados na revista “Notícia” de Angola e com crítica bastante favorável. Outros foram publicados em Moçambique “Notícias da Beira”, “Diário de Moçambique”, onde tive problemas com a Censura; também publiquei no boletim militar “Boina Verde”.

Conhecia o poeta Egito Gonçalves de quando frequentámos o Teatro Experimental do Porto, no tempo em que era dirigido pelo grande António Pedro, entre 1957-60. Tempos depois de regressar da tropa (1969), falei-lhe nos poemas do diária de guerra e logo ele se prestou a colaborar na preparação de um livro com a finalidade de concorrer ao concurso da Editorial Inova. Decorria o ano de 1972. Escolhidos os poemas, organizou-se o livro que foi levado a concurso. Eram 168 poemas, quase todos sobre o tempo da guerra do ultramar. Dias antes da decisão do Júri, soube que a Comissão de Censura interferiu e a PIDE apreendeu o molho dos meus poemas. Nunca mais soube deles, porque ninguém arriscava dar-me informações. Fui aconselhado a ficar quieto. Até o “Prefácio” que abria o livro “Tempo Presente, poemas da guerra e da paz” foi confiscado. Junto fotocópia da capa e o texto do Prefácio.
Veio a revolução do 25 de Abril; tudo começou a mexer nos textos apreendidos. Também fui à procura, tendo encontrado 21 dos 168 poemas. Ao tempo não havia condições de fotocopiar e parte dos rascunhos estavam destruídos. Desanimei na divulgação, mas fui passando a limpo os rascunhos do diário que escrevi nas horas difíceis da vida no mato. Ainda não está tudo pronto, mas deu para organizar cinco livros de poemas e três de texto narrativo do ambiente no meio da guerra. Poemas, são cerca de 340 de Moçambique, mais de 270 de Angola e mais de 350 de Portugal.
Foram escritos por impulso e sem respeitar qualquer regra literária. São a expressão dos estados de alma nos momentos mais delicados das minhas vivências temporais. Há de tudo um pouco, desde ideias filosóficas, deslumbramento de amores, angústias e incertezas no meio da guerra e intervenção social. Quanto a publicação dos livros, nenhuma editora se mostra interessada em o fazer às suas custas.
Atendendo a que a guerra colonial me marcou para o resto da vida, tenho procurado mostrar que houve uma guerra que mexeu com a vida de mais de quatro milhões de bons portugueses (entre militares e respectivas famílias), matou cerca de dez mil, estropiou mais de trinta mil e traumatizou mais de duzentos mil. Enfim, aniquilou os sonhos de muitos homens duma geração. Coisa que tem sido escamoteada e desvirtuada pelos governantes e pelos decisores da sociedade, inclusive, pelos “senhores coronéis e generais” que ao tempo comandavam as tropas.
Grande parte dos escritos conhecidos sobre a guerra colonial são de gente que não teve intervenção directa e, como tal, não sofreu na pele os efeitos da guerra. Em alguns casos, de Manuel Alegre e António Lobo Antunes, aparecem afirmações que são autênticos insultos aos verdadeiros combatentes. Os antigos combatentes estão indignados com as mentiras e o modo redutor e infiel como são tratados. Até a RTP, no seu programa “A Guerra”, deu mais tempo de antena aos comandantes (muitos deles responsáveis por terem ficado abandonados mais de três mil mortos nas terras africanas) e aos mentores das chacinas que atingiram muitos civis portugueses, especialmente em Angola, não dando palavra àqueles que participaram nas mais complicadas operações de guerra. No meu caso, disponibilizei mais de três mil fotografias e prestei depoimento gravado durante 35 minutos e só apresentaram 50 segundos numa questão de reduzido interesse factual. Mas, alguns dos representantes da UPA-FNLA que aparecem na Televisão são bem conhecidos na arte de mandar massacrar inocentes indefesos no Norte de Angola; deviam ter sido julgados por genocídio e crimes de guerra.
Ora, como podem entender, não acredito que a recolha de temas sobre a “Poesia da Guerra Colonial” venha a interessar aos combatentes, já que tudo quanto se fez até ao presente foi para servir de amostragem e deleite duma pseudo-elite intelectual que nada tem feito em prol das necessidades dos combatentes traumatizados pelas vivências no meio da guerra. Mesmo assim, estou disponível para colaborar, desde que a Antologia de poesia da Guerra Colonial seja um instrumento de divulgação em homenagem aos antigos combatentes.

Valongo, Março de 2010

Joaquim Coelho"

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.... P R E F Á C I O

Não é minha intenção tomar atitudes que se possam confundir com a mística do classicismo na arte de escrever, porque a razão que motivou esta variedade de formas expressas não abarca qualquer escola nem sofisma; mas está subordinada a algumas influências correntes da análise retrospectiva da vida. As potencialidades mais notáveis encontrar-se-ão, sobretudo, num realismo luminoso - talvez afectado pelas diversas sensibilidades ocasionais - e na sequência de factores determinantes na busca da verdade e da razão daquela existência.
Compreendo que a poesia deve ser o fulcro entre a imagem apreendida e a verdade que a anima; pelo que, o conhecimento do facto leva o ser à emoção e deixa-o agir no sentido da concepção prática. Embora os poemas que se seguem não toquem assuntos de todos os dias, são concebidos com a necessária noção das realidades e fluíram de vivências temporais em torno dum ambiente de guerra e sensações emotivas que mexem com os mais profundos sentimentos de qualquer ser humano, limitando as elementares pretensões de focagem da Beleza sem deformar as coisas. Ao querer aprofundar com exactidão os mais marcantes factos encontrados num mundo em convulsões - onde cada ser procura furtar-se à sua própria imagem -, talvez me precipite nos caminhos tortuosos do culto da dúvida. Mas sentir-me-ei satisfeito se porventura essa dúvida não assentar na mente esclarecida daqueles que viveram a experiência das situações que procuro interpretar com a mais sincera realidade, apesar das mesmas terem alguns aspectos mais chocantes.
Ao desejar transmitir as imagens que as palavras possam descrever, fui tocado por uma profunda sensação de cumprir, com as melhores das intenções, a determinação de tantos personagens que a miserável guerra destruiu, mutilou ou aniquilou psiquicamente; alguns dos quais pereceram diante dos meus olhos. As provas de repúdio pela condição da guerra são evidentes na evolução da consciência dos militares; mas a contestação frontal sempre foi severamente reprimida pela engrenagem do sistema que limitava a reflexão profunda, mesmo aos mais corajosos:

4)-Agravada para 40 (quarenta) dias de prisão disciplinar agravada a pena aplicada pelo Comandante do BCP21 ao 1º. Cabo graduado Pára-quedistas nº. 138/59 - ..............., “por ter sido um dos organizadores de uma reunião de praças pára-quedistas, onde se discutiram assuntos e se tomaram decisões altamente atentatórias da disciplina e em seguida ter concordado com a apresentação ao Comando de uma exposição anónima onde se focavam as decisões tomadas na reunião efectuada.”
(Extracto da Ordem de Serviço nº. 153 do BCP21 - 1962, Angola)

Embora tenha a experiência de quase uma década na vida militar e vários anos no meio do operariado - factor que pode ser considerado relevante em paralelo com a vivência de muitos soldados “eventuais” que, por se encontrarem temporariamente nas fileiras, não deixaram de ser trabalhadores -, não me vejo possuidor da necessária vocação para interpretar cabalmente todas as cenas nem os remotos sentimentos dos meus companheiros. Porque acredito na reconversão dos conceitos, poderá ser susceptível de distorção a intenção que me conduz pelos caminhos da poesia ao cumprimento dum dever que me conforta.

Difundir a fraternal amizade,
Sem angústia ou tormento;
Sem dor e sem saudade
A perturbar o pensamento.

Entendo que a poesia, despida de contemplações abstractas, ainda transmite algo de reconfortante e mítico, quando ajuda a levantar o denso véu que encobre a nudez da natural condição e nos mostra a verdade da vida ofuscada pela injustiça e pelas degradantes condições de miséria que a reduz.
Sejamos nós mesmos, sem artifícios, a fomentar o renascimento das forças espaciais para a evolução da humanidade, na convicção de que a fraternidade universal é a solução capaz de terminar com todas as carências e misérias que enfermam a sociedade de consumo. Isso só será possível quando perdermos algumas das sensações deste conformismo que sufoca as melhores intenções e nos torna incapazes e medíocres. Para fugir à cobardia da mediocridade, cada um deverá contribuir com uma parte da reposição da justiça na edificação da paz com dignidade, até que esteja consolidada a sociedade fraterna que almejamos. Um esforço sério e a tenacidade de todos podem modificar as estruturas e minorar os efeitos nocivos das contradições desta sociedade. Os efeitos do desvelo que nos torna egoístas só agrava o isolamento dos homens, sufocando as suas naturais faculdades criativas e afectivas - espécie de condicionamento da mente.
As contradições resultantes da prática de um sistema social desumano e corrupto ameaçam a segurança e a paz nesta sociedade onde o consumismo começa a fazer as pessoas regredirem ao seu estado selvagem. E a instabilidade social resultante do desemprego, com graves situações de miséria, amesquinham a dignidade pessoal, e desumanizam os valores da vida, com recalcamentos sobre recalcamentos, até à explosão da raiva e do ódio. As injustiças acumuladas têm origem em situações de repressão camuflada ou descarada que vai marcando os explorados, destruindo as virtudes e os sentimentos superiores como a solidariedade, a compaixão e o amor. E, perdidas as características que dignificam o homem, surge a frustração e o desânimo, aumentando assim a tensão nas relações humanas. Neste declínio aparecem os impulsos emocionais primitivos que corrompem a paz e conduzem à guerra e à desagregação de todos os valores.
No decorrer das guerras do ultramar, há situações de perturbação mental e uma espécie de alienação colectiva nos grupos e unidades destacadas no interior das matas ou nos planaltos, resultante do isolamento e esquecimento a que são sujeitas pelo sistema. Mas no seio da maior parte das tropas de intervenção operacional (tropas de elite), também notei diversos indícios de perturbação. Não era estranho a esses sintomas o modo meticuloso e progressivo como o “sistema” cria barreiras de informadores e difunde ideias e factos contraditórios aos reais problemas da guerra - evolução técnica e logística do inimigo, estado de espírito dos militares portugueses perante a carência de meios para evacuação de feridos - e seus efeitos na coesão das tropas. Os exemplos de ocultação da verdade e de propagação dos ideais carunchosos do poder dirigem-se em vários sentidos e por diversas vias, mas sempre com o mesmo fundamento:

“O desvairamento que parece ter-se apossado dos responsáveis pela preservação da civilização ocidental, deixando livre curso à violência e ao aviltamento dos princípios fundamentais da convivência e da própria vida, vai criando um caos, no qual se desenvolvem forças que ameaçam subverter aqueles poucos que, como PORTUGAL, procuram opor-se à avalanche e preservar os princípios sagrados à luz dos quais foi escrita a história Pátria.”
(Extracto da exortação do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea aos militares
em Angola, em 22/12/61).

“... para a uma só voz jurarem defender esses Símbolos Reais da Pátria mais que a própria vida; para, ainda, lado a lado, orarem ao “Senhor Deus dos Exércitos” pelos mortos: por aqueles “Bons e Leais Portugueses” que generosamente tudo sacrificaram e já nenhum louvor podem esperar deste mundo... senão o respeito e veneração de todos nós.”
(Extracto do discurso do Comandante da Base Aérea 9, de Luanda, em 19/6/62).

Os frutos da tenaz resistência contra a adversidade e a alienação encontram-se na corajosa acção libertadora empreendida por muitos militares que contornaram de forma inteligente o emaranhado de engrenagens que suportam o sistema já decadente; e também na personalidade de muitos outros portugueses mais conscientes da força da razão dinamizadora na propagação dos valores da paz como forma de bem universal.
Não foi sem confrontos de ideias e alguns perigos que se atingiram tais objectivos; mas as posições de firmeza contra a hierarquia servil eram motivo de desafio afrontoso cujos reflexos proliferavam como sementes em terra sã. Quantas vezes, para abafar as causas de frustração, ou esquecer a solidão amarga e desgastante, os menos corajosos seguiam pelos caminhos das bebedeiras para se libertarem dos malefícios da engrenagem. Mas, o perigo de confrontos mais amplos continuará neste mundo dito civilizado, enquanto alguns homens sem escrúpulos usarem poderosas armas para satisfazerem as filosofias retrógradas da guerra:

“É pela guerra que Deus exerce os seus julgamentos. É com a espada que castiga os pecadores.” (Velho Testamento).

Fazei a guerra a todos os que não acreditam em Allah.” (Maomet).

A guerra faz parte e completa a harmonia universal criada por Deus. Não
aceitar a guerra é ser contra Deus. A guerra é obra de Deus.”

(Teoria Teológica).

Em vez da filosofia da Paz:

“A guerra é uma manifestação de loucura.” (Erasmo).

“... todas as guerras têm o mesmo objectivo: roubar.” (Voltaire).

Podem suportar-se muitos males por amor à paz, mas se a escravatura e a barbárie são impostas em nome da paz, então essa paz será para o homem a pior das misérias.” (Spinoza).

Talvez seja necessário ultrapassar os estreitos limites do nosso horizonte e procurar a grande paz, a solução definitiva, a harmonia total...”. (Renan).

Para os que ainda estão sãos e que sabem amar os momentos de consentida solidão, há o deleite de pensar... e a reflexão estabelecerá a ponte até à escala de valores universais que devemos defender sem cair na frivolidade - equilíbrio harmonioso das vontades.

Porto, 17 de Março de 1973
O Autor,

Joaquim Coelho

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... TERRA MORTA

O sol inclina-se para além…
no mar azulado, do Quanza
e eu continuo aqui
á espera do destino…

desterrado para o norte
vou sem rota…
onde se enfrenta a morte!
O avião aguarda que eu entre
digo adeus… a nada
à terra morta!

Notícias… ficarão no mato
perdidas no seu recato…
lá não espero cartas
nem palavras de amor
nem carinhos doces…
conto com dias de dor.
Ah! Se tu lá fosses!

És forte e aguentas
esta ausência da ternura
que nos anima a vida…
eu vou amargar
a tristeza e a nostalgia
de quem dorme no capim
onde não chega mais nada
senão um ruído de metralha
um rugir de folhas secas
ou as garras de um abutre
com seu grito de terror!

Qualquer dia… ou noite
sem cacimbo
eu hei-de voltar
e terei com mais fervor
o teu corpo para afagar
e os teus carinhos
… muito amor.

Luanda, Março de 1962

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... AEROGRAMA

Minha mãe… minha ventura
porque não sonhaste esta guerra
os dias de ódio e os espinhos
neste tempo de loucura
que alastra pela terra…
estão longe os lindos caminhos
que me ensinaste a percorrer
para saborear outro viver.

Porque me geraste dolente
para este mundo ruim
onde vivo descontente?
Sinto-me triste e perdido
sem encontrar o lugar
do destino prometido
onde me possa acalentar.

Minha mãe… minha afeição
porque não sonhaste esta guerra
nem os ódios que ela tem
nem os espinhos…
da vida nestes caminhos?

Não é esta a vida que ensinaste
ao teu filho primogénito…
se os deuses me dessem outra vida
antes queria morrer, para nascer
sem dores nem o sofrimento,
porque te vejo a padecer
com a angústia de cada momento.

Nacala, Junho de 1966

Joaquim Coelho

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