CERRAR OS DENTES
Caminhar com as pernas a tremer
neste calvário de mochila às costas:
onde todos os sonhos se desmoronam
por entre as veredas percorridas…
a vontade não resiste ao impulso
do protesto contra as diatribes
que nos atiram para as estevas
onde os corpos perdem a seiva
e o sangue derramado nas matas
salpica de vermelho o capim.
O coração a pulsar atordoado
e o fato sujo e ensanguentado
anunciam o calor que esmorece
a vontade de cerrar os dentes
para lutar com o corpo cansado
e mostrar a força dos valentes
que baixam à terra sem a dignidade
dos heróis do tempo recusado
para descansar até à eternidade!
Nangade, Setembro de 1967
Joaquim Coelho
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A PÁTRIA
A Pátria são as aldeias de gente pura,
onde vivem nossos avós, vida dura...
E tu, mancebo que trabalhas e suas,
és o cerne desta Pátria gloriosa;
as minhas razões são iguais às tuas
para acabar com a escumalha tenebrosa.
A Pátria somos nós, os combatentes
embrenhados nas matas, descontentes,
portadores das cores da bandeira...
com picaretas ou armas na mão,
vamos fazer a emboscada derradeira
antes que nos arranquem o coração!
A minha Pátria é todo esse Povo
protagonista dum mundo novo!
É também um ideal com a dignidade
que defendemos no meio da floresta;
contra os usurpadores da liberdade
saberemos defender o que nos resta.
Somos nós, os portadores da semente,
os escolhidos para alcançar a vitória!
Cada emboscada é sempre diferente
se a razão fecunda a nossa memória.
Porque a vida é tudo quanto temos
nesta África onde padecemos,
vamos dignificar a nossa juventude
sem dar tréguas à cobardia.
O esforço e a vontade têm a virtude
de enaltecer a Pátria em cada dia.
Chai, Maio de 1966
Joaquim Coelho
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DESENCANTO
Hoje esperava uma carta
que não chegou.
A noite escureceu o meu tédio
e a espera resultou!
Consegui ver nos teus olhos
o brilho que tens na alma;
assim nasce dentro de mim
a energia que me dá o equilíbrio:
a força da vida, embora fraca,
liberta e causa dor
mas regenera a alma
para sentires o grito da revolta
que tenho dentro,
e a força forte, capaz de lutar
até à libertação e terminar
toda a condição da guerra
que aniquila os corpos
e desfaz os valores,
oprime e veda os olhos
nublando as mentes
que se querem transparentes.
O desencanto dos amantes
provoca uma atitude possessiva
quando o cansaço é um deserto
sem conteúdo espiritual…
enquanto espero, tudo acerto
para começar de novo o ritual.
Marrupa, Janeiro de 1967
Joaquim Coelho
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