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quarta-feira, 6 de julho de 2011

Poemas do Tempo da Guerra - Angola 60

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         SELVA IMPONENTE

No silêncio da madrugada
entrámos na selva imponente…
abrindo caminho, de rostos suados,
avançam silenciosamente
os valentes soldados.

A surpresa quebrada com alarido
espanta a passarada que voa
além da confusão do silêncio
dos disparos feitos à toa...
o timbre grave do inferno
com clamores de agonia
e gritos desesperados
forma a sarcástica sinfonia!

Há mistérios que a noite oculta
na escuridão das matas do Úcua
com um ambiente desdenhoso
onde a morte é uma princesa
vivendo o feito clamoroso
de atiçar o fulcro da guerra
nos espaços etéreos…
o campo de cadáveres do reino
não tem adornos funéreos
e o trono é um sepulcro!

      Damba, Maio de 1962

   Joaquim Coelho




               ÊXODO

“… e porque a Pátria está em perigo,
Temos que combater o inimigo…”
                  (O.S.153)

Em frente dos meus olhos
os soldados embarcam aos molhos
na rota dos históricos caminhos…
há um rumor de ventos revoltos
a sacudir os pássaros dos ninhos.

Sem querer, logo imagino
tanta gente em debandada
como as aves sem asas
fugindo à nossa chegada…
escurraçados os desgraçados
das palhotas, espécie de casas.

Sem queixumes na voz dolente
os excomungados da história
abrigam-se rapidamente
das investidas dos soldados
que ouvem frases indecentes
e sentem-se logo provocados.

Em frente dos meus olhos
as florestas com clarões
das velhas cubatas em chamas
ignoramos a cor das camuflagens
e as expressões mais banais
dos gritos doloroso e selvagens
de quem ficar para os chacais.

     Quicabo, Janeiro de 1962

Joaquim Coelho
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             FINO ARPEJO

Naquela noite da densa neblina
o ar abafado atrofiava o fino harpejo,
a voz perturbada pela melancolia
difundia estranhos sons tensos;
     não resisti ao chamamento,
um longo desabafo preguiçoso
aceitou o gozo ingénuo oferecido
no contorno dos dedos a tactear
os sulcos do teu corpo sedutor.

Descarregaste uma lufada de beijos
entregues ao sabor dos desejos,
   e tocavas no fino harpejo…
crescia a vontade com o gesto
dos corpos em convulsão, ofegantes
   silêncio nas bocas electrizantes;

soltou-se o meu arpão modesto
e os olhos subtilmente encerrados
deixaram que os corpos serenos
se relaxassem entrelaçados
   saboreando o que comemos!

   Luanda, Junho de 1962

 Joaquim Coelho

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