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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Poemas dos Tempos - Portugal 52



        FATALISMO IMPOSTO

Políticos conspiradores, no meu país,
porque abusais do cinismo agudo?
Onde está a razão das diatribes
     sem nexo? Hipócritas
que excomungais o povo infeliz.

Perdão pela interpelação…
    não é meu jeito filosofar
não se brinca com a miséria humana
nem com os valores duma nação!

Para vós, insensíveis lunáticos
é inútil falar de dramas humanos.
Tendes a suposta integridade
acima da razão dos simples…
maneira de abafar a opinião
e maltratar os que têm fome
mas que produzem os bens
que atestam a vossa indignidade.

Suicidais o entusiasmo do povo
que trabalha em espírito fraterno
na criação do Portugal novo
sem razões para filosofar…
o combate das ideias frias
está nas equações abstractas
sem lugar para a indiferença
dos vagabundos de todos os dias
incapazes de cumprir a sentença.

Temos que fugir à tragédia
do fatalismo imposto à medida
dos egoístas de ilusões metafísicas
a semear o mal do pessimismo
na humildade das criações artísticas.

Políticos de hipócritas opiniões,
contra o vosso cinismo asqueroso
temos preceitos a defender
no combate de todos os tempos
contra toda a forma de injustiça
através do trabalho generoso
que aglutina as vontades
dos crentes no símbolo dos cravos
e na verdade absoluta dos bravos.

Jamais a humilhação do fracasso
e a perda dos direitos em disputa,
p’ra frente a razão dura como o aço…
o futuro está em cada dia de luta!

        Lisboa, Abril de 1979
Joaquim Coelho






      CORDA NA GARGANTA

Depois das lutas tenazes
para fugir dos mentirosos,
os espoliados e deprimidos
tentam fugir dos algozes
e vencer os ociosos…

os tentáculos dos grande polvos
estão cortados ou redimidos!
mas há uma chusma de tubarões
a devorar grandes cardumes:
sugam o sangue dos oprimidos
e manobram facas de dois gumes.

As multinacionais insaciáveis
despontam benevolentes…
enquanto os explorados
continuam a serrar os dentes
bem conscientes do espólio
que os deixam amargurados.

Os gestores em decretos hábeis
incapazes de respeitar a justiça
vão consumando o imbróglio
com a repressão em grande liça
e intolerância que nos espanta!

O ingrato abandono projectado
nas manjedouras do poder
é mais um acto conjecturado
para lançar a corda na garganta
dos operários vivos sem viver
com tanta miséria no seu fado!

   Joaquim Coelho
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     DESAMPARADOS

Ao nascermos, voamos no infinito
espaço que é o universal destino
onde cabe toda a eternidade…
e no leito onde nasce o menino
não há limites à liberdade.

Quando nascemos, damos um grito
com o natural desapego
da vibração dos mortais,
repudiamos o desassossego
inposto às cerimónias formais.

Assimilámos a ternura materna
que nos deixa conformados
dentro da maternidade moderna
longe do amor dos antepassados.

Sentimos as primeiras traições
quando nos recusam o leite
e amamentam com os biberões
bem ornamentados no enfeite.

Recusam-nos o carinho das tetas
enjaulam-nos como os animais
e no amor são mais forretas
que os desprezados marginais.

Sentimos a escassez do aconchego
nos tempos da tenra idade,
sofremos com o desassossego
até ao ciclo da puberdade.

Aos crescermos, sentimos a vida
além das festas e homenagens,
mas a modernidade sem medida
deixa muito lixo nas margens.

Joaquim Coelho
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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Poemas dos Tempos - Portugal 51

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      O POVO ORDENA!

Hoje o povo é quem mais ordena!
Tem direito a votar em quem governa
porque vai tomar parte na eleição;
tudo para bem da Nação que o criou
já pouco lhe resta do que ficou
… santa ingenuidade, que ilusão!

E quando o povo se manifesta contra
a fantochada da primorosa assembleia,
abate-se a razão à bastonada…
definham os corpos esguios e famintos
perante a pujança da santa governação.

Mas há que atiçar o fogo da razão
até queimar a esperança no jogo
como se queima a ultima emoção.
Os políticos sempre bem dispostos,
assumem os assentos e mordomias;
os votantes atirados para os esgotos
vivem na miséria de todos os dias. 

Assim era em 1978… e hoje?

Joaquim Coelho





      SOBREVIVENTES

Tenho medo de cada amanhecer
só porque há tantas vidas apagadas
tantos meninos a sofrer
com as mães desempregadas.

Tanta criança sem brincar
mexendo no lixo para comer
tantos corações sem amar
na ânsia de sobreviver.

Tantos lares frios, infelizes,
com gente pálida, triste,
à espera do decreto dos juízes
pela igualdade que não existe.

Sempre que o dia amanhece
vejo as sombras da miséria
que o meu povo não esquece
o que falta é política séria.

Tantas orações sem esperança
por causas que são patranhas…
vejo um anjo em cada criança
quando a fé sai das entranhas!

            Joaquim Coelho
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     ONDA DE STRESS

Sou eu que estou mudado
ou será o mundo tresloucado?

Trabalho ao arrepio dos segundos
com falta de tempo de repouso
remedeio as falhas de presença
entre mudanças nos mundos
que nos atrofiam a crença
e os sentimentos mais profundos.

Será que sou mais um ser adiado,
vendo o futuro esfumado?

Pois vou repousar um pouco
duas horitas apenas…
antes que comece a ficar louco
entre as vidas pequenas!

É uma chatice reduzir o tempo
em vez de o esticar como quem puxa
as abas ao cobertor invernal,
mas a vida é cada momento
desta corrida infernal.

Quero encontrar mais espaço
com mais tempo para mim,
aos amigos dar o meu abraço
e muitas flores de jasmim.

Vou continuar no activo
com o repouso merecido
evitar saber porque motivo
enganamos o tempo aborrecido.

     Maia, 21 de Julho de 1991
Joaquim Coelho
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sexta-feira, 8 de abril de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 50

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     ALVORECER DA BONDADE

Combatente que te encontras confuso
e no mundo não encontras teu caminho,
antes que nasça o sentimento difuso
e não enxergues nas crianças o carinho,
lança fora os dias de raiva intensa
contra os que te amarram à vilania
da vertigem da traição e hipocrisia.

Não corras porfiando o tempo
porque é disputa ingrata e mesquinha,
na condução dos homens pelo mundo…
cada ser tem a sua razão da vida
e luta para perdurar o amor fecundo,
porque esta guerra está já perdida!

Lança as tuas penas aos riachos
e colhe da vida frutos perfeitos,
põe em cada estrela a tua vontade
que alumia os caminhos com futuro,
observa os clamores sem beleza
implorando a mística simplicidade
dos lábios das crianças em pobreza
que anseias dias de felicidade.

          Mueda, Dezembro de 1967
Joaquim Coelho





  AS COLUNAS AVANÇAM

As tropas endiabradas avançam
    nas picadas da morte
avançam a ver se alcançam
os ventos da boa sorte.

levam armas para matar
sem conhecerem o inimigo,
ninguém pode recusar
- isto também é comigo?

De Nangade já partimos
numa marcha bem penosa,
as colunas avançam
nesta selva tenebrosa
sem recato nos canhões
os soldados que se lamentam
ao verem tantos caixões!

Mais colunas avançam
em todas as direcções...
avançam e levam a morte
no troar das detonações,
e os soldados perguntam
porque fazem esta guerra
e quem os mandou avançar
para longe da sua terra!

        Nangade, Fevereiro de 1966
Joaquim Coelho

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         HORIZONTES

Olho além da infinda vedação,
o arame farpado me espicaça
a alma, esmorece o coração;
não encontro o tempo do regresso
nas lágrimas que não esqueço.

Para amar-te com mais vontade
ao vento lanço o murmúrio sentido
contra os ódios que repudio...

antes os lábios doces, sedosos
e os teus seios mimosos...
no silêncio da esperança
ouço o teu suave respirar
com o vento, na bonança
voltarei para te abraçar.

          Diaca, Setembro de 1966
Joaquim Coelho
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quinta-feira, 31 de março de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 49

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   SAUDADES DO LONGE

Ouço o eco longínquo
Perdido do outro lado do mar…
A minha carta perdida
dentro da carlinga do avião
vai espalhar esperança no céu
que me enfeitiça de manhã.

Nesta lonjura africana
que embriaga as distâncias
sem um gesto de ternura
fico extasiado na frescura
das florestas com fragrâncias;

assim estendo o pensamento
nas águas do mar peregrino
acreditando que o tormento
dissolva as lágrimas do menino.

Sentindo a vontade do mar
que o navio deixou longe
sigo ao sabor do vento
que balanceia o pensamento
que me não deixa naufragar.

Encontro conforto na esteira
desta amarga solidão…
pode ser a loucura derradeira
que me engana o coração!

Beira, Abril de 1966
Joaquim Coelho






         DOLOROSO ENGANO

O casco da lancha bate contra as ondas
que se agitam no marulhar lento
dos ventos tropicais em fuga...
à nossa frente vislumbra-se o paraíso!

Longas faixas de areia branca
onde o silêncio mergulha na enseada
e os coqueiros altivos se abrem
num imenso abraço fraterno, intenso
acolhimento das exóticas plantas.

Saltámos à água despojados de ódio,
    o pensamento vestido de paz,
sentimos o caloroso enlace deste pódio
como um sonho mágico que nos faz
mergulhar a guerra neste oceano...
pescar nele todo este gozo ufano!

Entrámos na selva do nosso destino
mergulhados no mundo da brutalidade,
vencer esta guerra é um engano...
enquanto se perde a imagem do trato fino
e a vida flutuante traz infelicidade,
a minha pátria definha em prejuízo
e nós perdemos a alma e o juízo!

                        Mucojo, Maio de 1966 
Joaquim Coelho

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        NEGRAS DORES

Não posso prender-te dentro de mim,
em nome da liberdade
tenho que libertar o pensamento
e mitigar o absurdo da guerra.

Terei que lutar até ao fim
para que a nossa felicidade
se liberte deste tormento
que me faz rastejar na terra.

Tenho que libertar esta força
que trago dentro do peito
combater os escabrosos inimigos
ladinos como uma corça
na guerra do preconceito.

Sei que corremos perigos
neste mundo de farsantes;
no justo caminho sem peias
vamos alertar os ignorantes
para que não percam as ideias,
dentro das maquiavélicas ciladas
dos criminosos trapaceiros
vestidos com peles de cordeiros,

no tenebroso consumo da fantasia
manipulam as vidas e os valores
até provocarem a total paralisia
onde só ficam negras dores.

Não posso guardar dentro de mim
a vontade de iluminar os descrentes,
esta força não vem por acidente
porque sinto o mundo ruim
e a injustiça tem várias frentes
atingindo cada vez mais gente.

Pois, em qualquer lugar do mundo
há espaço para o protesto…
mas sinto um sentimento profundo
contra a apatia que detesto.

    Mucojo, Maio de 1966
Joaquim Coelho

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quinta-feira, 24 de março de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 48

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      DESTINO SEM LIMITES

Nas picadas poentas que passamos
há sempre uma razão para dizer:
     - porquê tanta amargura?

Nas florestas fechadas que penetramos
há sempre uma incerteza do regresso:
       - porquê tanta angústia?

Em cada emboscada que sofremos
há sempre corpos esfacelados:
        - porquê, meu deus?

Nas noites tenebrosas que vigilamos
há sempre um grito de terror:    
        - porquê os fantasmas ocultos?

Porquê tantas brechas na terra
engolindo os corpos sem querer;
   tantos heróis na guerra
   perdidos na vida sem viver!

             Mueda, Julho de 1966
Joaquim Coelho






   ROTEIROS DA GUERRA

Lá longe… onde dorme o sonho
sabemos que a família sofre
vive inquieta e com tormentos;
as promessas para o fim da guerra
são razão para acreditar
que os soldados hão-de voltar
com a liberdade nos braços.

Quando chega a bondade latente
para encher os corações
vemos em cada criança inocente
um rol de acusações…
nossos feitos são apagados
e a grandeza do espanto
está no acusação dos soldados
que sentem a chama mais forte
para desbravar nova vida
e lutar contra o desnorte,
porque a verdade é destemida!

      Beira, Março de 1968
Joaquim Coelho
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            INQUIETAÇÃO

Hoje sinto uma inesperada calma
    até os arbustos estranham
    este vento sem alma...

O futuro desperta os anos
que esperamos inquietos,
já são tantos os desenganos
contra os pensamentos certos!

E as limitações de amor
que rasgam a nossa dor?

Estou na primavera da vida...
no horizonte vejo a miragem
- uma donzela de tons jasmim,
coberta de pétalas, também...
no meio do verdejante jardim
    acordo no colo de alguém!

     Nacala, Agosto de 1966 
Joaquim Coelho    

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sexta-feira, 18 de março de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 47


              PRECONCEITOS?

Deste silêncio do Império desconfio...
um agente questiona-me os pensamentos
como português fragmentado no espaço
sinto a vida presa por um fio
mas hei-de cantar hinos à liberdade
as sombras ofuscantes dos sentidos
não me trocam os conhecimentos.

Estou no outono da caminhada
que me há-de levar à primavera,
tenacidade transporto na bagagem
e há muitos à espera da nova era…

viverei até que os deuses generosos
me dêem o contentamento esperado:
dias de paz para confraternizar
pelos feitos dignos e orgulhosos
sem as armas a apontar...
depressa antes de ser despedaçado.

          Sagal, Março de 1966
Joaquim Coelho




          BRISA NORTE

Aninhado na rotina da guerra,
arrisco perder a razão
porque estou aqui, outra terra,
sonhando afastar a ingratidão
voltar ao cais de embarque
pedir aos deuses um vento forte
e esperar que a brisa norte
ajude a empurrar a canoa
por esse mar de esperança.

Esperar uma coisa boa
para consolar cada criança
seguir a estrela refulgente
que me guia nesta vida
crente na vontade da gente
sem a liberdade merecida.

Nos momentos da desdita
a verdade que me empurra
vai além da força bendita
daquele que não é “turra”.

Mucojo, Março de 1966
Joaquim Coelho
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  LOUCURA DA DONZELA

Um amor fogoso
incendeia qualquer coração;
mas um corpo dos desejos
incendeia a cama
e apela aos beijos…

Com teu gozo ardente
abres as alas do monte
e os gonzos pousam na púbis
que se ri do embaraço…
endureces o laço
no membro censurado
perdido e encantado
com as delícias aliadas
ao faustoso banquete
do traseiro cirandando
em curvas combinadas
no entesar do falo
enfiado na bichana
com um gozo de estalo
para toda a semana.

Lourenço Marques, Fevereiro de 1966
Joaquim Coelho
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segunda-feira, 14 de março de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 46


      BRISA DA LIBERDADE

Se eu pudesse fugir para o infinito
vaguear sozinho no universo
conhecer outros mundos para viver;

se eu pudesse escolher o caminho
não ficava aqui preso à confusão
com um sotaque algo esquisito
no espaço dominado pelas balas
onde a vida está longe do infinito
da razão destes versos na minha mão
que apetece recitar um… apenas
um com tanta força como o trovão!

Se eu pudesse fugir para outro tempo
e sentir a brisa da Liberdade…
meu grito ouvir-se-ia em toda a terra!
E porque não posso escolher?
Está escrito nesta fatalidade…
Sem vontade, estou no meio da guerra.

Com tanto gladiadores para vencer,
estou confiante na probabilidade
de chegar a minha hora de viver…

              Nangololo, Setembro de 1967
Joaquim Coelho



         PARTILHAR A VIDA

Pego na caneta para escrevinhar
as estranhas formas do compasso,
e logo me ocorre a branda ideia
do contraditório, querer adivinhar
qual poderá ser o próximo passo;

a reflexão no tempo que medeia
o acto de bem querer e amar,
momento onde se podem partilhar
as emoções do encontro fulcral.

Uma paixão em transito acelerado
percorre a memória adormecida
e aquece as veias dos corpos;
em cada estampido do sussurro
no desaguar da seiva prometida.

É como um comprometimento
esta ideia de escrever a vida,
nas demandas, em cada momento
compartilho com outra gente  
o renovar da piedade envelhecida;

ando sempre em busca do ninho,
e voando em contra corrente
encontro o destino no teu caminho!   


       Nacala, Julho de 1966
Joaquim Coelho
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        À NAVEGAÇÃO

Olho o longe do firmamento
e vejo o cruzeiro do sul,
minha estrela do sossego,
quando as gotas de luar
iluminam o pensamento,

mas esta paixão não é culpada
por tão severo sofrimento
nem desta vida amargurada
e dos loucos rodopios…
que nos transformam em escombros
e corpos baleados e moribundos
que transportamos aos ombros.

Com a guerra em final de percurso,
todos almejam chegar ao seu fim;
mesmo esforçado como um urso,
tento fazer ver ao Jorge Jardim
que as memórias duram anos
e os gestos sem destemor
não acabam com os desenganos
mas acirram os ódios e a dor.

 Beira, Setembro de 1967
Joaquim Coelho
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