Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, 24 de março de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 48

.
.

      DESTINO SEM LIMITES

Nas picadas poentas que passamos
há sempre uma razão para dizer:
     - porquê tanta amargura?

Nas florestas fechadas que penetramos
há sempre uma incerteza do regresso:
       - porquê tanta angústia?

Em cada emboscada que sofremos
há sempre corpos esfacelados:
        - porquê, meu deus?

Nas noites tenebrosas que vigilamos
há sempre um grito de terror:    
        - porquê os fantasmas ocultos?

Porquê tantas brechas na terra
engolindo os corpos sem querer;
   tantos heróis na guerra
   perdidos na vida sem viver!

             Mueda, Julho de 1966
Joaquim Coelho






   ROTEIROS DA GUERRA

Lá longe… onde dorme o sonho
sabemos que a família sofre
vive inquieta e com tormentos;
as promessas para o fim da guerra
são razão para acreditar
que os soldados hão-de voltar
com a liberdade nos braços.

Quando chega a bondade latente
para encher os corações
vemos em cada criança inocente
um rol de acusações…
nossos feitos são apagados
e a grandeza do espanto
está no acusação dos soldados
que sentem a chama mais forte
para desbravar nova vida
e lutar contra o desnorte,
porque a verdade é destemida!

      Beira, Março de 1968
Joaquim Coelho
««««««««««««««»»»»»»»»»»»»»»»
.
            INQUIETAÇÃO

Hoje sinto uma inesperada calma
    até os arbustos estranham
    este vento sem alma...

O futuro desperta os anos
que esperamos inquietos,
já são tantos os desenganos
contra os pensamentos certos!

E as limitações de amor
que rasgam a nossa dor?

Estou na primavera da vida...
no horizonte vejo a miragem
- uma donzela de tons jasmim,
coberta de pétalas, também...
no meio do verdejante jardim
    acordo no colo de alguém!

     Nacala, Agosto de 1966 
Joaquim Coelho    

.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 47


              PRECONCEITOS?

Deste silêncio do Império desconfio...
um agente questiona-me os pensamentos
como português fragmentado no espaço
sinto a vida presa por um fio
mas hei-de cantar hinos à liberdade
as sombras ofuscantes dos sentidos
não me trocam os conhecimentos.

Estou no outono da caminhada
que me há-de levar à primavera,
tenacidade transporto na bagagem
e há muitos à espera da nova era…

viverei até que os deuses generosos
me dêem o contentamento esperado:
dias de paz para confraternizar
pelos feitos dignos e orgulhosos
sem as armas a apontar...
depressa antes de ser despedaçado.

          Sagal, Março de 1966
Joaquim Coelho




          BRISA NORTE

Aninhado na rotina da guerra,
arrisco perder a razão
porque estou aqui, outra terra,
sonhando afastar a ingratidão
voltar ao cais de embarque
pedir aos deuses um vento forte
e esperar que a brisa norte
ajude a empurrar a canoa
por esse mar de esperança.

Esperar uma coisa boa
para consolar cada criança
seguir a estrela refulgente
que me guia nesta vida
crente na vontade da gente
sem a liberdade merecida.

Nos momentos da desdita
a verdade que me empurra
vai além da força bendita
daquele que não é “turra”.

Mucojo, Março de 1966
Joaquim Coelho
«««««««««««««««««««««««««
.
  LOUCURA DA DONZELA

Um amor fogoso
incendeia qualquer coração;
mas um corpo dos desejos
incendeia a cama
e apela aos beijos…

Com teu gozo ardente
abres as alas do monte
e os gonzos pousam na púbis
que se ri do embaraço…
endureces o laço
no membro censurado
perdido e encantado
com as delícias aliadas
ao faustoso banquete
do traseiro cirandando
em curvas combinadas
no entesar do falo
enfiado na bichana
com um gozo de estalo
para toda a semana.

Lourenço Marques, Fevereiro de 1966
Joaquim Coelho
.
.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 46


      BRISA DA LIBERDADE

Se eu pudesse fugir para o infinito
vaguear sozinho no universo
conhecer outros mundos para viver;

se eu pudesse escolher o caminho
não ficava aqui preso à confusão
com um sotaque algo esquisito
no espaço dominado pelas balas
onde a vida está longe do infinito
da razão destes versos na minha mão
que apetece recitar um… apenas
um com tanta força como o trovão!

Se eu pudesse fugir para outro tempo
e sentir a brisa da Liberdade…
meu grito ouvir-se-ia em toda a terra!
E porque não posso escolher?
Está escrito nesta fatalidade…
Sem vontade, estou no meio da guerra.

Com tanto gladiadores para vencer,
estou confiante na probabilidade
de chegar a minha hora de viver…

              Nangololo, Setembro de 1967
Joaquim Coelho



         PARTILHAR A VIDA

Pego na caneta para escrevinhar
as estranhas formas do compasso,
e logo me ocorre a branda ideia
do contraditório, querer adivinhar
qual poderá ser o próximo passo;

a reflexão no tempo que medeia
o acto de bem querer e amar,
momento onde se podem partilhar
as emoções do encontro fulcral.

Uma paixão em transito acelerado
percorre a memória adormecida
e aquece as veias dos corpos;
em cada estampido do sussurro
no desaguar da seiva prometida.

É como um comprometimento
esta ideia de escrever a vida,
nas demandas, em cada momento
compartilho com outra gente  
o renovar da piedade envelhecida;

ando sempre em busca do ninho,
e voando em contra corrente
encontro o destino no teu caminho!   


       Nacala, Julho de 1966
Joaquim Coelho
<<<<<<<<<<<>>>>>>>>>>>>
.
        À NAVEGAÇÃO

Olho o longe do firmamento
e vejo o cruzeiro do sul,
minha estrela do sossego,
quando as gotas de luar
iluminam o pensamento,

mas esta paixão não é culpada
por tão severo sofrimento
nem desta vida amargurada
e dos loucos rodopios…
que nos transformam em escombros
e corpos baleados e moribundos
que transportamos aos ombros.

Com a guerra em final de percurso,
todos almejam chegar ao seu fim;
mesmo esforçado como um urso,
tento fazer ver ao Jorge Jardim
que as memórias duram anos
e os gestos sem destemor
não acabam com os desenganos
mas acirram os ódios e a dor.

 Beira, Setembro de 1967
Joaquim Coelho
.
.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Poemas dos Tempos Port 45


Casamento na Hungria - 1978

  TRILOGIA DO SER COMPLETO

A vida está…
                      em todas as latitudes
cumprindo o círculo harmonioso
que prepara as nobres atitudes
      na intensidade do amor pleno
e supera os vícios nocivos
com objectividade inteligente.

A Felicidade…
                          está no bom senso
que orienta a imaginação criativa
da lúcida mentalidade
      metamorfoses de virtudes
em busca da suprema verdade.

O absoluto…
                      está na normalidade
da perfeição activa das emoções
na clareza das ideias largas
sem limites e sem restrições
      primazia sem especulação
na justiça aplicada pela razão.

A vida…
                 é fonte de inspiração
magnetiza a autenticidade
dos palpites do coração
em busca da autêntica felicidade.

Joaquim Coelho


Mulhes-polícia em Fontainebleau - 1981


             NOVOS TEMPOS

É tempo de acabarem os ódios e rancores
é tempo de se repararem as injustiças
é tempo de restaurarmos os valores
dos intervenientes nas dolorosas liças.

Cada um com a decência no gesto
generoso em humildade e coragem
contribua serenamente para o manifesto
atestando que ninguém ficará à margem.

Porque já vivemos com outra aragem
lanço o meu ruidoso protesto
contra as tropelias da ignóbil voragem
que se afoita na arrogância que detesto.

Não é de homens altivos e garbosos
pretender o poder aos trambolhões,
a revolução terá frutos mais gostosos
que se chegar fundo aos corações.

Joaquim Coelho
<<<<<<<<<<<<<<>>>>>>>>>>
.
      INIGMA DO AMOR

Porque deserta o amor?
o mundo tem só um eixo…
não roda sem rigor
e no jardim
brilham as flores
que enchem os caminhos
de perfumes e de cores.

Então porque falta o amor?
os homens indagam da terra
as ilusões dolentes
o que têm dentro
… em forma de sementes!

O amor deserta dos corações!
que não sentem as paixões
a vibrar… palpitantes
pobres seres errantes…
numa perturbante comédia
de espelhos baços
onde a vida pouco séria
desperdiça no silêncio
a doçura dos abraços.

Ninguém entende as fantasias
nem as canções dos dias
em que deserta o amor
numa dança de cores
sem deslumbramento
e cães pisando a flores!

Joaquim Coelho
.
.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Poemas dos Tempos Port 44



    PASSEIO EM LISBOA

Passeando na airosa Lisboa
encontrei emigrantes embriagados
percorrendo as ruas à toa,
deitados à sombra da verde tília…
não há empregos disponíveis
para os bons chefes de família.

Vi um polícia que se escondeu
na esperança de passar a multa
o cigano atirou-se e mordeu,
chamou-o de filho-da-puta,
e que era um grande cabrão…
dispararam tiros em renhida luta
até caírem os dois ao chão.

Nesta Lisboa da nova era
a autoridade desmorona-se
e o cidadão fica à espera
que o ladrão seja modesto…
a multidão não se dispersa
enquanto segue o protesto…

há muito sacana a desaguar
nos gabinetes da administração
e as finanças a confiscar
tudo quanto lhes vai à mão.

 Joaquim Coelho




     VIDA EM LISBOA

A guarda toca os tambores
lá p’ros lados de Belém,
hoje é dia dos louvores
para o presidente, também!

Duas prostitutas que casaram
antes de nascer a lua,
engoliram muitos homens
enquanto fizeram vida na rua.

O governo decretou a aliança
dos casais de um só sentido
mesmo adoptando uma criança,
o casamento não é merecido.

Um pombo cagou na cabeça
dum turista ocidental,
mesmo que o não mereça
vai lembra-se desta capital.

Um cão vomitou no jardim
e a dona p’ra merda se cagou,
nem todos fazem assim:
veio o Sócrates e limpou.

Joaquim Coelho
»»»»»»»»»»««««««««««««
-
    DROGA DE MERDA

 O termo da vida é lastimoso
quando abordo as realidades
os sonhos vividos e os frustrados
mundo austero e odioso
onde se caldeiam as maldades
que fazem o mundo mais tortuoso.

A guerra que se espalha
em forma de gás venenoso
espelha a sociedade escumalha
em torno do mundo escabroso.

Tenebroso mundo soturno
dos correios espalhando a dor
em forma de pó alucinante
que tortura sem temor
os devotos da vida degradante.

Não vejo a luz esperada
neste ambiente lastimoso
onde a esperança é atraiçoada
nos olhos de cada pedinte
que da vida perdeu o gozo:
sem rumo nos olhos tristes,
se vives drogado, não existes!

Joaquim Coelho
..
.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Poemas dos Tempos Port 43



      CORTAR AS ALGEMAS

Ó corpo, fruto de todos os vícios,
capaz de todas as virtudes…
não te iludas com os cânticos
nas noites vazias e monótonas
que causticam as nobres atitudes,
nem inventes liberdades infinitas.

Há muitos traidores foragidos
ou escondidos nas catacumbas
à espera da hora dos sacrifícios…
se não lutas ficamos perdidos
e acorrentados aos suplícios
do fragor da queda das algemas;
o sangue generosamente derramado
é razão forte para que não temas
nem te deixes entrelaçar
nas tenras raízes da liberdade
que tens de endurecer a labutar.

Os charcos abundam nas cavernas
e os parasitas doutras latitudes
tentam apalpar os pulsos fortes
dispondo as artimanhas modernas
em forma de droga alucinante
a sugar a seiva logo ao amanhecer…
mas a nossa luta será triunfante.

Joaquim Coelho




  
        INCÓMODOS

Não vou ficar calado e quedo
enquanto outros se acomodam
dentro das conchas zarpadas…
será porque estão com medo?

afrontei os poderes ocultos
que nos matam a esperança,
descobri que os negros vultos
tomam feições de criança
vestem-se de muitos matizes
e dão fome aos infelizes.

Não posso ficar calado
só porque alguém escarnece
o alcance das minhas acções
contra a bajulação dos otários,
cada palavra certa aborrece
os que roubam aos operários.

Não vou parar a reclamação
enquanto as crianças inocentes
passarem dias sem refeição…
vejo-o nos olhares comoventes.

Sempre acreditei no futuro
e na felicidade permitida…
mas vejo o caminho duro
para as gentes sem guarida.

Não vou parar por aqui
quando vejo tanta injustiça
a maltratar os cidadãos
que são devorados na liça
da hipócrita bajulação.

Ensinaram-me a acreditar
que a vida deve ser vivida
e ter tempo para amar
com a temperança permitida.

Não vou ficar calado e quedo…
os cobardes não metem medo.

Joaquim Coelho
»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»

..
      DESLUMBRAMENTO

A vida é uma sequência
de vivências com fulgor…
eu que respiro a vida
e sinto o aroma dos anos
procuro no silêncio dos dias
a cadência do amor.

Como as luzes cintilantes
com iluminações poéticas
no deslumbramento dos amantes
onde se inspiram os sentidos
dispo a exposta candura
num corpo de mulher.

Ficam dois corpos a vibrar
ao som que a música sustenta
na palavra que se inventa
quando a dança começar…

Joaquim Coelho

.
.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Poemas dos Tempos Port 42



COBRADORES DE IMPOSTOS

Na hora da libertação das dívidas
o governo decreta a penhora
que amedronta o humilde cidadão.
Sem tolerância e sem razão,
os funcionários da finanças
entram em delírio colectivo
não respeitam leis nem alianças
e medem todos pelo mesmo crivo.

Detesto as soluções extremas
com massacres aos cumpridores
e ninguém está a salvo
deste sufoco com louvores…
em cada labirinto da liberdade
as reclamações são um suplício
entre a infâmia processada
e uma defesa mais desprezada.

Há um mal-estar generalizado
e uma amarga e grave revolta
que nos assalta a consciência;
toda a justiça anda torta
nas decisões imprevistas
quando os processos são novelos
com os cidadãos em desespero
mergulhados nos pesadelos…
perdem a tranquilidade
contra o delírio escabroso
que alimenta graves tumultos
tamanho é o espólio danoso
mais sórdido que os insultos.

 Joaquim Coelho






       HUMILHADOS

Os humildes são enclausurados
nos bairros de costas para a cidade,
os seus sonhos são sufocados
e os moribundos humilhados
com os corpos esfomeados
nos caminhos da mendicidade.

Abro os olhos já cansados…
quem foi que tramou o povo?
Se os tenho semi-cerrados
descortino a miséria de novo!

O sol nasce para todos igual!
entra nos opulentos salões
mas não aquece o quintal
das barracas sem colchões.

        Joaquim Coelho
####################
.
   DIREITO A DISCORDAR

Eu discordo abertamente
deste viver de aparências
com objectivos contratados
onde se vendem os destinos
com futuros penhorados;

discordo dos negócios formais
onde se vendem as almas,
antes dos funerais…
onde se traçam negros destinos
aos que labutam mais
para educarem os meninos!

Demando meu grito tenso
contra a combustão dos desejos
queimados no fogo imenso
das barracas e dos despejos
da interminável devastação.

Contra a abominável solidão
quero ser um peregrino
a combater a confusão,
tocar o harpejo do destino
com os dedos de cada mão.

Joaquim Coelho
 ,

...