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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 24

.. A DESCRENÇA
.
Este meu partir para o combate
inigmático… em busca duma razão
para atestar a causa de quem se bate
numa guerra decadente…
como os demais, parto descontente
por saber que há monopolistas
que atiçam os retrógrados colonialistas.

Deixem crescer a natureza do capim
e abandonem o fogo das armas
que levam aos caminhos da descrença.
Há uma forte razão em mim
na convicção da nossa presença;
mas os canhões nada produzem
e as balas não são boa sentença.

Trocar a metralha pelo pão
e perceber quanto a guerra é injusta
não é nenhum acto de humilhação
nem ficamos sujeitos à ameaça
do destino apagado e cruel
que causa fome e muita desgraça.

Mueda, Janeiro de 1968
Joaquim Coelho
»»»»»»»»»»»
.
.. SEPULTUS
.
Até a fuga dos espíritos é atribulada
quando os corpos agonizam na picada!

Sentem-se nos macabros sinais
dos caixões, vetustos e bizarros
despidos de adornos formais...

Então, lá das profundezas
sai um grito agonizante
e uma voz longa, bem no fundo,
quebra o silêncio dilacerante:
Anda... cadáver imundo!
toma tua espada de fel
e destrói teu destino cruel...”


E um corpo putrificado
perdido no invisível da escuridão
deixa os adornos da sepultura
e brada firme, mas resignado:
Senhor, se tens compaixão
pelos que sofrem amargura,
faz desaparecer a ingratidão
que semeia o ódio e a miséria,
que haja paz e não a guerra
e deixem-me na sepultura
onde por descuido habito
...”

Terminado o fervoroso grito,
mais combatentes partiram...
voando por cima dos túmulos
quatro corvos fugiram!

Mueda, Setembro de 1966
Joaquim Coelho



.. MISTURAS CONCLUSIVAS
.
Juntei muitos dias de sofrimento
nos confins da selva maconde
alguns momentos de amargura
na hora de enterrar os mortos
espalhei os olhos na savana insegura
longe da pátria penitente
imaginei um mundo para toda a gente
espalhada no imaginário do universo;
incentivei os indigentes desertores
da generosa ideia de progresso!

Caldeei a alquimia para ver a reacção:
explodiram as lágrimas de raiva
derramadas sobre as espingardas
olhos tristes daqueles soldados
em bebedeiras de confusão...
tristonhos fantasmas fardados
com pensamentos longínquos
mártires dos feitos antepassados.

Destilei a ilusão na castanha de caju
e descobri o cruzeiro do sul...
vislumbrei a rota para o regresso;
vou voar serenamente no céu azul
e distribuir tudo o que mais peço.

Nacala, Agosto de 1966
Joaquim Coelho
###########
.
.. AMOR PERDIDO
.
Valeu a pena abrir os olhos
ao ouvir o rumor do vento uivante
sussurrar nos meus ouvidos…
foi precisamente nesse instante
que te abeiraste do meu rosto
e atiçaste o fogo da paixão.

Não disseste uma só palavra
que desgostasse o meu coração,
devolveste-me a esperança
que as aves já desperdiçaram
nos seus voos desordenados
por cima da minha cabeça.

Ainda sinto o perfume nos dedos
por tocarem as mãos aveludadas
que me afagaram o rosto
em jeito de sublimado amor,
gestos que não vou esquecer
enquanto souber bem viver.

Antes de partir, o meu sonho
delineou um futuro promissor:
recuperar o tempo perdido
em cada momento que disponho,
deixar as convulsões do mundo
aos cuidados da justiça
e que o sentimento profundo
nos resguarde dessa liça.

Despido das terras de África
vou deixar a tua mão…
o olhar não faz mais sentido
e estás ausente nesta ilusão
porque o poema é indiferente
á dor que sinto no coração.

Beira, Março de 1968
Joaquim Coelho
.

sábado, 7 de agosto de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 23


.. HORA DO CAOS
.
O tempo respira a angústia do dia
em que quis melhorar a harmonia
das imagens guardadas na cabeça.

Não vou inventar o drama que pareça
confrontar o mal e o caos da guerra,
nem os corpos esfacelados a fugir,
espalhando o sangue pela terra!

Estaremos numa guerra a fingir...
com soldados espetados no chão,
estilhaços cortantes como espadas
que vão ceifando as nossas vidas
embarcadas num estranho avião?

Sagal, Junho de 1966
Joaquim Coelho
»»»»»»»»»»»»»
.
... ESPAÇO FRIO
.
Sofro por causa da cruel certeza
que mata em cada manhã suspensa
das estrelas que se deslocam apagadas
e me deixam nesta escuridão… só!

Deparo com mais um corpo na tumba
à espera que a agressão sucumba
aos combatentes que metem dó.

O combate é duro, para sobreviver,
aos ruídos da raiva que agudiza o saber
e assimila a razão das dúvidas;
as vozes camufladas explodem
na subversão lógica das gargantas
que contestam o espaço insubmisso
dos mortos no meio das machambas.

Nos rostos dos companheiros tensos
desliza a raiva no ranger dos dentes…
serão estes sinais suspensos
que nos fazem seres diferentes?

O reflexo do aconchego dos corpos
que dormem à míngua dos deuses
não me deixa descansar no sono
que preciso reparador e calmo.

Olho ao longe… vejo as fronteiras
que tenho de passar aos solavancos,
desafio a mordaça que me oprime
e arrisco ser enjaulado na verdade
que a convicção fervorosa redime
na fria brandura da solidariedade.

Estreitam-se as malhas da opressão,
causa da minha tristeza e revolta,
ao escrever os sinais da convulsão
em cânticos da liberdade que conforta
a minha alma em cada amanhecer…
nos labirintos da guerra vou sobreviver.

Macomia, Abril de 1967
Joaquim Coelho






.. CARTAS AO VENTO
.
Quero viver a ironia do equívoco
como quem se afoga
na verdade do sofrimento...

antes de mim, companheiros,
outros vegetaram... e o seu lamento
ecoou pelas savanas,
grito dos heróis verdadeiros
com os corpos em pantanas!

Enquanto equivocado,
estou à mercê da tragédia
das brutais emboscadas,
e também sofro um bocado
quando já sinto a masmorra
como as almas penadas.

O vento sopra noutro sentido
e já os salazarentos se afundam…
não me tirem o que é permitido:
os sentimentos que abundam.

M. Praia, Setembro de 1967
Joaquim Coelho
########
.
.. DESPERTAR
.
Nesta amálgama de fantasia
ensombram-se os sinais de alegria
traçando linhas divergentes,
razão de tantos descontentes,
quando sentimos fugir o tempo
num dialogo morno, sem alento!

Porque estamos a ficar distantes
do sentimento dos amantes,
e do rumo que a vida nos aponta
é tempo de reflectir, tirar a conta,
e render honra à evidência
que nos faz pensar com prudência.

Na hora do entardecer venturoso
ficámos como o pássaro ditoso
a olhar o abismo da incerteza
e presos no palácio da vileza…
se a vida não vislumbra felicidade,
vai amor… acarinha a liberdade.

Tenho vontade de subir ás estrelas
aproveitar as coisas mais belas
e combater o premente capricho
que envolve a vida no lixo.
Antes quero uma pétala florida
e um coração para me dar guarida.

Beira, Agosto de 1967
Joaquim Coelho
.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 8

.. NOVOS VENTOS
.
Não é preciso ser um iluminado!
basta perceber o fogo cruzado...

a essência da transparência do sol
mais cintilante na cidade aberta
e as ideias da gente feliz;
o sonho iluminado sempre acerta
na verdade que deus quis.

Enquanto caminho na escuridão
encontro gente ainda triste
vagueando na contra-mão...
com pensamentos amorfos, afogados
nas bebedeiras de tanto infeliz,
perdidos, quase tresmalhados,
nos rastos de qualquer demanda
que os tire das noites de Luanda.

Vejo os camaradas inconformados
crispados pela estranha euforia,
sem grande vontade de combater...
sofrem dos perigosos desalentos
e das traições de cada dia:

são graves os insultos e os tormentos
da cidade às matas de cada alvorecer
mesmo com a afronta dos novos-ricos,
em qualquer dia podemos morrer
porque entendemos a força dos ventos
que vai partindo as asas dos penicos
mas ficam livres os pensamentos…

O imparável evoluir das armas inimigas
nefasto efeito da cumplicidade
aumenta a dor das nossas fadigas…

Adensa-se uma grave intriga na cidade
que nos causa intensa dor difusa:
atiçam ondas de ódio contra a malta,
desde os bares até aos Coqueiros...
porque nos toca fundo, sem recusa,
aceitamos o gozo que nos faz falta!

Bem longe dos ambientes foleiros,
contemplamos o corpo da moça bonita,
mística de encantos brejeiros
e nele mergulhamos em dose infinita.

Quicabo, Abril de 1962
Joaquim Coelho
««««««««««««
.
... NEBLINA VERDE
.
Há sempre uma estranha emoção
quando entramos em nova missão!

Ao longe, a Pedra Verde atemoriza;
seus cumes quase tocam as estrelas
e a primeira tentativa de incursão
deixa em nós uma ideia indecisa:
porque se amachucam as flores belas
que a persistente neblina em união
alimenta na verdejante encosta?

A distância para a conquista da colina
é uma paixão determinada e paciente;
os aviões bombardeiam sem resposta,
as bombas paridas do seu bojo
rasgam as rochas... esconderijos
e o fogo alastra no capim rasteiro
com gritos longínquos da morte.

Mordemos os lábios numa inquietação
enquanto se aponta o morteiro
no milimétrico tiro de sorte
para ajudar na diabólica devastação.
Rasgámos o caminho até ao covil,
contra o sol que se inclina embriagado,
e a vontade de silenciar o inimigo
faz-nos avançar no seu encalço
mesmo correndo o grave perigo
de sermos apanhados no percalço
das fatídicas emboscadas dos estupores.

A noite aproxima-se negra e sombria
e mais se aguçam nossas dores...
alguns já dormem com a boca fria
e toda a caravana esmorece a praxe.
O arrojo alarga a perigosa viela
para os movimentos do Úcua-Quibaxe;
é como se abrisse mais uma janela
para passarem cargas de esperança,
nas viaturas da terrível caminhada,
em peregrina missão de bonança
até aos confins da encruzilhada.

Quicabo, Junho de 1962
Joaquim Coelho



.. SAUDADE DUMA CARTA
.
Escrevo esta carta
para mitigar minha dor
e apagar a saudade
que me atrofia os dias
confrontado com a verdade
da lonjura do espaço
onde deixei meu abraço,

não vou limpar da memória
os dia bem passados
nas escadas das Fontainhas
e nos bailes de S. Vítor
a comer saborosas sardinhas,

parecíamos dois passarinhos
a saltitar as escadas
para descer até à linha
e ver passar os comboios
sobre a ponte D. Maria,

não sei se voltarei um dia
levado pela tua mão
como me animavas outrora
nos bailes de S. João,

só espero uma carta tua
antes de seguir para o norte
com um beijo de consolação
para melhor enfrentar a morte.

Bembe, Fevereiro de 1962
Joaquim Coelho
########
.
... MARIPOSAS
.
O encanto das formas do corpo
engravidam o olhar dos transeuntes
que não encontram desejos de amar
e vivem longe das madrugadas
em que se exalta o amor…

só quando olhamos o infinito
percebemos a razão do encantamento
das mariposas na dança sensual
dentro do olhar profundo
das divindades dos sonhos
que invoco nas noites de amor.

Há gestos indecifráveis
sempre disponíveis para restituir
o brilho às noites com luar
nas águas mansas da Baía,
as mãos passeiam serenamente
nos cabelos sedosos da donzela
que sobressai duma figura
projectada na porta do Baleizão…
as mãos afagam com doçura
as carnes mimosas, em combustão
até à colheita do amor.

Luanda, Agosto de 1962
Joaquim Coelho
.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 22


UM TERRÍVEL ABANDONO
.
Ouvi o rumor do vento
atravessando as savanas...
enquanto descia a noite
o silêncio dos companheiros
abanou o milho das machambas
regadas com o sangue vermelho
que a morte verteu na fatídica hora!

Ninguém pode sair daqui p’ra fora!
os corpos esgotados...
abandonados na terra pardacenta
que cavámos para refúgio
das consciências tensas...
ali mesmo sente-se a morte lenta
a sugar o sangue derramado
amargurado sofrimento...

Todos perdem a própria razão
surdos ao rumor do vento!
Reprimimos a violenta respiração
e logo o dedo imprime a força
no gatilho percutor da morte.
Mais um que não teve sorte...

Sente-se uma estranha recusa
entrelaçada no vazio das ideias
que nos consomem em terra lusa!
Quero atirar fora estas peias
urdidas por escabrosos vultos
que nos querem assim matar...
joguetes de interesses ocultos
nem os mortos querem enterrar!

Napota-Nangade, 15 de Março de 1966
Joaquim Coelho
««««««««««
.
... MORTE PELA ALVORADA
.
Na trama da sinistra engrenagem
os sons livres na noite silenciosa
incomodam como a pérfida sensação
pousada sobre a cabeça em transgressão
lenta ousadia da revolta
que se atreve ao sacrílego sacrifício
inflamado no cano duma espingarda…

explode a dormência na destruição
dos corpos recusando o fatal destino
da vida presa na brisa da aragem
galopando contra a engrenagem.

O Pinto tomba no chão, baleado…
no vale de Miteda ensanguentado
proclamo a vida contra a morte
equivocado pelos surdos epitáfios
atirados contra a sanha da morte
que vai dizimando esta geração
com lágrimas no silêncio devassado,
sinistras sombras em convulsão.

Vencer a morte é um contra-senso
que da guerra leva mais o impulso
contra a razão pronunciada
no caminho do combate suspenso
à espera de cada nova alvorada!

Miteda, Julho de 1966
Joaquim Coelho


.. RÉSTIA DE SOL
.
Percorro a inóspita selva bravia
resistindo às forças traiçoeiras
e ergo a esperança em cada dia
a minha réstia de sol ardente
a iluminar o bem na mente.

Árdua é a batalha da existência
nas noites com dias recortados
numa sensação de decadência:
muitas picadas armadilhadas
e o horror das vidas destroçadas.

Guerra imunda… um pesadelo
em cada trilho um imprevisto
tal é o medo de ficar no novelo
enrolado na ansiedade presente…
uma voragem que ninguém sente!

Mucojo, 20 de Abril de 1967
Joaquim Coelho
#########
.
... VÃO P’RO INFERNO
.
A vileza que vem da retaguarda
também havemos de vencer
até a maldade dos poderes ocultos
encobertos nos tons da farda
hão-de rastejar e gemer
ao som dos merecidos insultos.

São tais os algozes do demónio
que não mostram arrependimento
vão p’ras profundezas do inferno
onde há-de arder o antónio
que nos trouxe este tormento
das emboscadas ao sono eterno.

Os incautos somos nós
bastardos da pátria sem norte
atirados para a guerra… sós
nestes caminhos da morte.

Sofremos o efeito da desgraça
e da traiçoeira metralha
o fatídico destino traça
em cada iníqua batalha
onde os corpos tisnados
à mercê das balas quentes
ficam caídos e esfrangalhados
sem sequer ranger os dentes.

Antes que a força se esfume
e me deixe nas savanas
vou arranjar fedorento estrume
para enterrar alguns sacanas
que nos fazem verter o sangue
e consentir a devassa da carne;
mesmo com o corpo exangue
peço à populaça que se arme.

A esperança jamais se esgota
nos dias de visível sofrimento;
liquidarei qualquer agiota
que me encurte o movimento.

As boas gentes da retaguarda
hão-de encontrar a coragem
de terem esperança e viver…
nós seremos a vanguarda
para acabar com a vilanagem,
avançar com a revolta e vencer.

Mueda, Janeiro de 1968
Joaquim Coelho
..

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 21

Ó PÁTRIA MINHA

Minha Pátria, minha paixão,
sei que horas amargas virão
longe do tempo presente
com espaços vagos e ideias ignotas
acções audazes inevitáveis
nas límpidas forças do coração
aqui espalhadas nestas palhotas
onde os corpos com feridas irreparáveis
ao criador estendem a mão
em luta contra o tempo da desonra.

Ao sabor das virtudes ainda vivas
vou cavalgando sobre as savanas
sem piedade pela pátria moribunda
onde um dia sabujos escribas
dirão que estas atribulações insanas
foram causadas pela tropa imunda.

As caminhadas dos invisíveis corcéis
de rostos com lágrimas furtivas
ficarão para sempre ligadas
às balofas decisões dos coronéis
que urdiram as logísticas esquivas
e atiraram os soldados às emboscadas.

Ó pátria minha, do coração,
por ti, sinto a fúria da poeira
que me tolhe o corpo cansado,
tento fazer valer a minha razão
reclamando o fim da fogueira
até que o tormento seja extirpado.
Mueda, Agosto de 1967
Joaquim Coelho
>>>>>>>>
.

... AI LIBERDADE
.
Depois de hoje, o amanhã
será um dia de vitória
e a nossa vivência temporã
será um marco nesta história.

Ninguém acredita que é o fim
porque é tenra a nossa idade
mas esta guerra chama por mim
serei mensageiro da liberdade.

O corpo expande-se pela savana
com o objectivo no horizonte
mas o dia parece uma semana
e esta geração bate-se de fronte.

Há sinais de mudança pelos cantos
onde caminhamos com esperança;
sairemos daqui heróis ou santos
mas sempre cheios de confiança.

Macomia, Julho 1967
Joaquim Coelho





... FANTASIAS
.
Abri a porta à fantasia que sinto
nos dias perdidos do sertão,
espaço ambíguo da solidão,
e logo o pensamento cai no labirinto
congeminado dum reino guardado
nas fronteiras do teu corpo inventado.

O gesto não interdita a infracção.
Mergulho na santa ingenuidade
que despertas em lúbricos desejos,
voluptuosas emoções exploradas,
cingido ao corpo da lubricidade
alcova coberta de pétalas e beijos
onde levitam os corpos entrelaçados
- encontro dos momentos sonhados.

Nacala, Junho de 1966
Joaquim Coelho
»»»»»»»»»»»»»
.
... CHAMAMENTO…
.
Se soubesse o que tens no peito
fugia desta solidão que me desgasta
e encontrava qualquer jeito
para te comunicar a mensagem
envolta no manto de incerteza;
terminava esta fantástica viagem
e corria ao sabor da natureza.

Sem ti, meu coração está triste
por não encontrar o caminho
e nem a esperança resiste
ao chamamento dum carinho...

Se ainda és a flor que eras,
vou procurar viver a fantasia
deste jardim de quimeras
até que te encontre algum dia!

Beira, Março de 1967
Joaquim Coelho
.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 7


JOAQUIM COELHO: “Diário de Um Sonhador”
Os pássaros desafiam as estrelas pardas sem saberem invocar as preces que os deuses apreciam. Como podem usufruir das mordomias, quando os soldados sofrem os efeitos dos estilhaços a marcar os corpos. A inquietação confunde-se na vertigem do trauma que as cicatrizes marcam no pensamento do futuro.
Para quem perde uma perna, numa guerra que detesta ou não compreende, pode significar a amputação de todo o futuro – não perde a vida mas já não vive. Esta ameaça é assustadora e limita a capacidade de viver por objectivos. Sinto-me ofendido no sentido em que concebo a justiça.
.
... EM CIMA DO MEDO
.
Com os olhos fechados sem fingimento
aos corpos expostos ao sofrimento
estendo a mão sem nenhum remorso.
Corpos boiando em cima do medo
que a morte ilude sem nenhum segredo
nos dias de marcha e mochila no dorso.

Ameaças são muitas que o corpo sente
quando a metralha ataca de frente
e os soldados pressentem a morte
rompem o cerco aos tropeções...
acaba o sossego, com as explosões,
mas o corpo intacto agradece a sorte.

Levanto a bandeira ao som do batuque
que nos traz a magia fácil, um truque
para comemorar a grande vitória.
Ameaças são muitas aos antepassados
nos dias traiçoeiros de ventos trocados
morre a juventude, apaga-se a história.

Negage, Julho de 1962
Joaquim Coelho
###########
.
... CACIMBADOS
.
Seres humanos a deambular
sem brio para reclamar...
debilitados, suspensos da vida
à mercê duma bala perdida.

Perturbados, moribundos
resignados, na sua dor...
desamparados, longe do amor
destemperado pela guerra.

Homens com meios sonhos
humildes, perdidos na terra...

os suplícios são medonhos
na condição de grave fraqueza;
por causa dum império perdido...
e na luta por falsa grandeza
fica este vexame escondido.

Madimba, Janeiro de 1962
Joaquim Coelho





... FASCINADO
.
O teu olhar meigo e fascinante
de cintilar maravilhoso
me enfeitiça em cada instante
que procuro teu corpo sedoso
a deambular com altivo primor
ao sabor das emoções
nas paisagens do amor…
é tão bom saber que a vida
oferta amor aos turbilhões
vindo da tua boca querida.

Tens um feitiço que me prende
aos beijos profundos e gostosos
quando a gente bem entende
cingir os corpos maviosos.

Temos o dom da sabedoria
gravado nos sentimentos
e a ternura sem fantasia
para acalmar os tormentos.

Luanda, Setembro de 1962
Joaquim Coelho
««««««««««
.
CARTAS 5 - O dia de Natal passou por mim sem deixar um lampejo de alegria.
Mas o mundo há-de dar voltas e ser melhor no próximo Natal.
.
... EU TIVE UM SONHO
.
Eu tive um sonho... e tu estavas lá!
Era um sonho tão belo
que vou procurar vivê-lo
no dia em que te possa encontrar.

Como andrajoso cavaleiro andante
é rude a vida que passa por mim
em busca da certeza para repousar
e retemperar as vitais energias
que o tempo obriga a desgastar.

Recuso a sorte dos maus dias
com pelejas furtivas e graves…
almejo a paz e o sossego da vida
para os caminhos mais suaves,
mas sou brindado com o desdém
das horas tristes sem medida
onde a saudade está também.

Toto, Março de 1962
Joaquim Coelho
.

sábado, 24 de julho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 20


.... A CARAVANA
.
Os homens batem-se furiosamente
entre ideologias e densas florestas
criando plataformas de lutas
com engenhos e forças letais
que lançam para as sarjetas
os valores dos nobres ideais.

São cenários secos e tenebrosos
por onde avançam buliçosos
os comboios de viaturas verdes
que sacodem a poeira das picadas
seguindo os destinos dolorosos
à procura da paz nas sanzalas
perdidas nos confins do mato
entre a última lufada de balas.

Cada soldado sente a noite quente
com a artilharia lançando fogo
prevendo um forte envolvimento;
os nervos duros e rostos tisnados
no olhar movediço de emoção
deixam o destino ao pensamento
que se adivinha desejoso de voltar
fora dos caminhos da destruição.

São correrias e saltos incertos
com gestos bruscos e confusos
dentro do cenário da guerra…
tantos actores descompassados
com destinos breves e difusos
passados bem longe da sua terra
entre florestas de todas as cores
de olhos abertos, colhem flores.

Nangade, Agosto de 1967
Joaquim Coelho
<<<<<<<<<<<<
.
.... TRILHOS DA GUERRA
.
Aqui… com os soldados
sinto que não tenho ninguém
que perceba o meu sonho irreverente
de contida esperança!

A fantasia que me é ingrata
só traz amargura e sofrimento
e as saudades do meu tempo de menino
quando a minha mãe dava o alento
para caminhar alegre e seguro
sem temer os tempos do futuro!

Agora… nos trilhos da guerra
com o corpo acabrunhado
e a alma triste e desalenta
ando por aqui entre o capim
galgando as matas agrestes
e arrastando a pesada mochila.

Ai, se eu pudesse contar as paisagens
e a verdura das árvores engalanadas
sentado, como de costume,
no regaço de minha mãe…
não teria estas lágrimas amargas
nos olhos baços e toldados
pela última visão da guerra:
a morte levou dois soldados
para as profundezas da terra.

Mas eu hei-de voltar
antes que seja muito tarde…
hei-de pisar outros caminhos
e os campos semeados…
as crianças terão os meus carinhos
e eu dormirei de olhos fechados.

Será uma chegada deslumbrante
que acalmará os mais indecisos
nesta missão triunfante…
até as formosos violetas
vão festejar a vitória desta ventura
que vai queimar as horas mais pretas
de toda a minha desventura!

Nangade, Julho de 1967
Joaquim Coelho

... CONVICÇÃO
.
Isto não é um infortúnio
é a desgraça
de estarmos numa guerra
que o tempo não aceita
e o mundo se opõe...

Num dia luminoso
não muito tarde
com sol radioso,
veremos os nossos irmãos
as nossas namoradas
as nossas mulheres
as nossas mães...
os nossos amigos
em qualquer lugar do destino.

Numa alvorada
que não está longe
nascerá a esperança...
a realidade dos sonhos
e a vida a florescer
como um imenso clarão;
projectos medonhos
hão-de nascer
com a força dum vulcão.

Tudo está dentro de nós
pronto a expandir
as reprimidas emoções
energias em turbilhões
que hão-de explodir
e espalhar a liberdade

Um dia
viveremos a mocidade.

Mueda, Setembro de 1967
Joaquim Coelho
«««««««««««««««««
.
... CANÇÃO DE AMOR
.
Um sonho indeciso e vago
procurando a vida em cada dia
no caminho onde divago.

A vida fechada na solidão
é fruto do néctar da flor bela,
do pensamento sai o clarão
onde fico a contemplar
o rumo da celestial estrela
que me deixa aqui a penar!

Nas trevas da noite indecisa
há uma sombra maravilhosa…
a saudade…. canção de amor
na longínqua África sequiosa
vem ouvir esta canção de dor,
vem colorida e formosa!

Nacala, Dezembro de 1966
Joaquim Coelho
.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 19


... CAMINHADA LONGA
.
Uma nuvem de causar pavor
obscureceu meu pensamento
mas logo senti o sabor
daquela água providencial
deslizando nos pelos do bigode;
os dias passados na mata densa
são horas de intensa agonia
transportando os soldados feridos
para as terras de Macomia.

A caminhada longa, longa…
deixa o pensamento embrutecido
e os corpos cansados e tensos
rasgam o tempo no silêncio
da impiedosa progressão
enquanto o breu da noite
provoca murmúrios de inquietação.

Os rostos desfigurados
confundem-se no negrume da noite
que os olhos fitam rumo ao norte
corpos débeis, quase esqueletos
escapam à sanha da morte.

Pelo amanhecer do horizonte
agitam-se os caminhantes danados
com os sinais do acampamento
em palhotas sem vedações
que nos hão-de dar o acolhimento
para descansar das privações.

Mueda, Março de 1966
Joaquim Coelho

«««««««««««
.
... CURANDEIRO
.
Hoje acordei sem réstia de memória!
senti uma tranquila paz
que me conforta dos dias amargos
e das ofensivas acções contra a história
deste tempo que não volta atrás…
a pátria sofre irreversíveis estragos.

Já não sinto a saudade...
dos afagos irrequietos duma mulher
nem sequer quero ir à cidade
onde se compra o amor que se quer.

Olho para o modesto cemitério
e vejo a morte em suspenso...
os mortos não estão enterrados
porque um avião de bom-senso
espera o embarque dos encaixotados.

Perante o infortúnio maldito
que se abate sobre esta geração
ouço os companheiros a desabafar
nas manhãs tranquilas, sem um grito
e sinto os amargos no coração
tantos que nos fazem chorar!

Envolvido neste espaço da bruma
com o silêncio… os gemidos de dor
e as bocas cheias de espuma,
vamos fomentar a paz e o amor
até ao clarear de qualquer dia
que nos envolva na serena alegria.

Caminho sobre o rumo da história
que uma pátria me anuncia
quando sinto despojada a memória
dos valores que a humanidade cria.

Agora que as mentes rasgam o mapa
dos encantados descobrimentos
pouco restará desta rude trapa
além das amarguras e tormentos:
mágoas nos corpos sofridos
que vão rasgando o pensamento
e as fráguas nos olhos humedecidos
rasgam espaço no rumo do vento.

Já pouco espero da trágica guerra…
dos olhos brotam as lágrimas tristes
que fazem desejar o regresso à terra
na convicção de que ainda existes.

É assim que eu iludo a memória
nesta vertigem das lágrimas perdidas
com os farrapos da nossa história
vamos curando as nossas feridas.

Macomia, Abril de 1967
Joaquim Coelho





... DEGREDO
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Quiseram cegar meus olhos...
tentaram prender-me a língua!

Quiseram matar meu pensamento
quiseram que eu quisesse
matar a sangue frio...
quiseram que eu dissesse
que um homem é um macaco
e vive nas águas do rio!

Para não esquecer a verdade
disseram que esta guerra
é uma justa realidade...
- combater os pobres da terra,
espalhar infortúnio e desgraça
até tem alguma graça!

Manipularam os pensamentos
deformaram-me as ideias
até reprimiram as vontades...
quiseram-me atrás das grades
desterrado de corpo e alma!

Mas o meu grito sem peias
fez-se ouvir como um trovão,
- um grito vindo do coração...
eco timbrado nos desagravos
desta vida insegura...
guerra sem lei, obscura.

Vai longe o tempo dos escravos
nesta terra que lhes pertence
a promessa de mais fartura
a mim já não convence!

Macomia, Abril de 1967
Joaquim Coelho
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...CANTEIRO DE FLORES
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Bem entendi o mistério
A desfilar nos teus olhos
E percebi o teu critério
Com muitas flores, aos molhos,
Muitas cores em movimento
A seduzir o meu pensamento.

Quis entrar no teu canteiro
Colher flores imaginárias
E cantar-te por inteiro
As melodias extraordinárias
No teu ventre percutidas
E intensidades interrompidas.

Continuámos os movimentos
Na leveza dos seios de veludo
Estremeciam os sentimentos
Com a magia do amor puro
Saciado no gozo infinito
Daquele enlace doce e bonito.

Beira, Março de 1967
Joaquim Coelho