.. A DESCRENÇA
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Este meu partir para o combate
inigmático… em busca duma razão
para atestar a causa de quem se bate
numa guerra decadente…
como os demais, parto descontente
por saber que há monopolistas
que atiçam os retrógrados colonialistas.
Deixem crescer a natureza do capim
e abandonem o fogo das armas
que levam aos caminhos da descrença.
Há uma forte razão em mim
na convicção da nossa presença;
mas os canhões nada produzem
e as balas não são boa sentença.
Trocar a metralha pelo pão
e perceber quanto a guerra é injusta
não é nenhum acto de humilhação
nem ficamos sujeitos à ameaça
do destino apagado e cruel
que causa fome e muita desgraça.
Mueda, Janeiro de 1968
Joaquim Coelho
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.. SEPULTUS
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Até a fuga dos espíritos é atribulada
quando os corpos agonizam na picada!
Sentem-se nos macabros sinais
dos caixões, vetustos e bizarros
despidos de adornos formais...
Então, lá das profundezas
sai um grito agonizante
e uma voz longa, bem no fundo,
quebra o silêncio dilacerante:
“Anda... cadáver imundo!
toma tua espada de fel
e destrói teu destino cruel...”
E um corpo putrificado
perdido no invisível da escuridão
deixa os adornos da sepultura
e brada firme, mas resignado:
“Senhor, se tens compaixão
pelos que sofrem amargura,
faz desaparecer a ingratidão
que semeia o ódio e a miséria,
que haja paz e não a guerra
e deixem-me na sepultura
onde por descuido habito...”
Terminado o fervoroso grito,
mais combatentes partiram...
voando por cima dos túmulos
quatro corvos fugiram!
Mueda, Setembro de 1966
Joaquim Coelho
.. MISTURAS CONCLUSIVAS
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Juntei muitos dias de sofrimento
nos confins da selva maconde
alguns momentos de amargura
na hora de enterrar os mortos
espalhei os olhos na savana insegura
longe da pátria penitente
imaginei um mundo para toda a gente
espalhada no imaginário do universo;
incentivei os indigentes desertores
da generosa ideia de progresso!
Caldeei a alquimia para ver a reacção:
explodiram as lágrimas de raiva
derramadas sobre as espingardas
olhos tristes daqueles soldados
em bebedeiras de confusão...
tristonhos fantasmas fardados
com pensamentos longínquos
mártires dos feitos antepassados.
Destilei a ilusão na castanha de caju
e descobri o cruzeiro do sul...
vislumbrei a rota para o regresso;
vou voar serenamente no céu azul
e distribuir tudo o que mais peço.
Nacala, Agosto de 1966
Joaquim Coelho
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.. AMOR PERDIDO
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Valeu a pena abrir os olhos
ao ouvir o rumor do vento uivante
sussurrar nos meus ouvidos…
foi precisamente nesse instante
que te abeiraste do meu rosto
e atiçaste o fogo da paixão.
Não disseste uma só palavra
que desgostasse o meu coração,
devolveste-me a esperança
que as aves já desperdiçaram
nos seus voos desordenados
por cima da minha cabeça.
Ainda sinto o perfume nos dedos
por tocarem as mãos aveludadas
que me afagaram o rosto
em jeito de sublimado amor,
gestos que não vou esquecer
enquanto souber bem viver.
Antes de partir, o meu sonho
delineou um futuro promissor:
recuperar o tempo perdido
em cada momento que disponho,
deixar as convulsões do mundo
aos cuidados da justiça
e que o sentimento profundo
nos resguarde dessa liça.
Despido das terras de África
vou deixar a tua mão…
o olhar não faz mais sentido
e estás ausente nesta ilusão
porque o poema é indiferente
á dor que sinto no coração.
Beira, Março de 1968
Joaquim Coelho
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