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sexta-feira, 18 de março de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 47


              PRECONCEITOS?

Deste silêncio do Império desconfio...
um agente questiona-me os pensamentos
como português fragmentado no espaço
sinto a vida presa por um fio
mas hei-de cantar hinos à liberdade
as sombras ofuscantes dos sentidos
não me trocam os conhecimentos.

Estou no outono da caminhada
que me há-de levar à primavera,
tenacidade transporto na bagagem
e há muitos à espera da nova era…

viverei até que os deuses generosos
me dêem o contentamento esperado:
dias de paz para confraternizar
pelos feitos dignos e orgulhosos
sem as armas a apontar...
depressa antes de ser despedaçado.

          Sagal, Março de 1966
Joaquim Coelho




          BRISA NORTE

Aninhado na rotina da guerra,
arrisco perder a razão
porque estou aqui, outra terra,
sonhando afastar a ingratidão
voltar ao cais de embarque
pedir aos deuses um vento forte
e esperar que a brisa norte
ajude a empurrar a canoa
por esse mar de esperança.

Esperar uma coisa boa
para consolar cada criança
seguir a estrela refulgente
que me guia nesta vida
crente na vontade da gente
sem a liberdade merecida.

Nos momentos da desdita
a verdade que me empurra
vai além da força bendita
daquele que não é “turra”.

Mucojo, Março de 1966
Joaquim Coelho
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  LOUCURA DA DONZELA

Um amor fogoso
incendeia qualquer coração;
mas um corpo dos desejos
incendeia a cama
e apela aos beijos…

Com teu gozo ardente
abres as alas do monte
e os gonzos pousam na púbis
que se ri do embaraço…
endureces o laço
no membro censurado
perdido e encantado
com as delícias aliadas
ao faustoso banquete
do traseiro cirandando
em curvas combinadas
no entesar do falo
enfiado na bichana
com um gozo de estalo
para toda a semana.

Lourenço Marques, Fevereiro de 1966
Joaquim Coelho
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segunda-feira, 14 de março de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 46


      BRISA DA LIBERDADE

Se eu pudesse fugir para o infinito
vaguear sozinho no universo
conhecer outros mundos para viver;

se eu pudesse escolher o caminho
não ficava aqui preso à confusão
com um sotaque algo esquisito
no espaço dominado pelas balas
onde a vida está longe do infinito
da razão destes versos na minha mão
que apetece recitar um… apenas
um com tanta força como o trovão!

Se eu pudesse fugir para outro tempo
e sentir a brisa da Liberdade…
meu grito ouvir-se-ia em toda a terra!
E porque não posso escolher?
Está escrito nesta fatalidade…
Sem vontade, estou no meio da guerra.

Com tanto gladiadores para vencer,
estou confiante na probabilidade
de chegar a minha hora de viver…

              Nangololo, Setembro de 1967
Joaquim Coelho



         PARTILHAR A VIDA

Pego na caneta para escrevinhar
as estranhas formas do compasso,
e logo me ocorre a branda ideia
do contraditório, querer adivinhar
qual poderá ser o próximo passo;

a reflexão no tempo que medeia
o acto de bem querer e amar,
momento onde se podem partilhar
as emoções do encontro fulcral.

Uma paixão em transito acelerado
percorre a memória adormecida
e aquece as veias dos corpos;
em cada estampido do sussurro
no desaguar da seiva prometida.

É como um comprometimento
esta ideia de escrever a vida,
nas demandas, em cada momento
compartilho com outra gente  
o renovar da piedade envelhecida;

ando sempre em busca do ninho,
e voando em contra corrente
encontro o destino no teu caminho!   


       Nacala, Julho de 1966
Joaquim Coelho
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        À NAVEGAÇÃO

Olho o longe do firmamento
e vejo o cruzeiro do sul,
minha estrela do sossego,
quando as gotas de luar
iluminam o pensamento,

mas esta paixão não é culpada
por tão severo sofrimento
nem desta vida amargurada
e dos loucos rodopios…
que nos transformam em escombros
e corpos baleados e moribundos
que transportamos aos ombros.

Com a guerra em final de percurso,
todos almejam chegar ao seu fim;
mesmo esforçado como um urso,
tento fazer ver ao Jorge Jardim
que as memórias duram anos
e os gestos sem destemor
não acabam com os desenganos
mas acirram os ódios e a dor.

 Beira, Setembro de 1967
Joaquim Coelho
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segunda-feira, 7 de março de 2011

Poemas dos Tempos Port 45


Casamento na Hungria - 1978

  TRILOGIA DO SER COMPLETO

A vida está…
                      em todas as latitudes
cumprindo o círculo harmonioso
que prepara as nobres atitudes
      na intensidade do amor pleno
e supera os vícios nocivos
com objectividade inteligente.

A Felicidade…
                          está no bom senso
que orienta a imaginação criativa
da lúcida mentalidade
      metamorfoses de virtudes
em busca da suprema verdade.

O absoluto…
                      está na normalidade
da perfeição activa das emoções
na clareza das ideias largas
sem limites e sem restrições
      primazia sem especulação
na justiça aplicada pela razão.

A vida…
                 é fonte de inspiração
magnetiza a autenticidade
dos palpites do coração
em busca da autêntica felicidade.

Joaquim Coelho


Mulhes-polícia em Fontainebleau - 1981


             NOVOS TEMPOS

É tempo de acabarem os ódios e rancores
é tempo de se repararem as injustiças
é tempo de restaurarmos os valores
dos intervenientes nas dolorosas liças.

Cada um com a decência no gesto
generoso em humildade e coragem
contribua serenamente para o manifesto
atestando que ninguém ficará à margem.

Porque já vivemos com outra aragem
lanço o meu ruidoso protesto
contra as tropelias da ignóbil voragem
que se afoita na arrogância que detesto.

Não é de homens altivos e garbosos
pretender o poder aos trambolhões,
a revolução terá frutos mais gostosos
que se chegar fundo aos corações.

Joaquim Coelho
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      INIGMA DO AMOR

Porque deserta o amor?
o mundo tem só um eixo…
não roda sem rigor
e no jardim
brilham as flores
que enchem os caminhos
de perfumes e de cores.

Então porque falta o amor?
os homens indagam da terra
as ilusões dolentes
o que têm dentro
… em forma de sementes!

O amor deserta dos corações!
que não sentem as paixões
a vibrar… palpitantes
pobres seres errantes…
numa perturbante comédia
de espelhos baços
onde a vida pouco séria
desperdiça no silêncio
a doçura dos abraços.

Ninguém entende as fantasias
nem as canções dos dias
em que deserta o amor
numa dança de cores
sem deslumbramento
e cães pisando a flores!

Joaquim Coelho
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sexta-feira, 4 de março de 2011

Poemas dos Tempos Port 44



    PASSEIO EM LISBOA

Passeando na airosa Lisboa
encontrei emigrantes embriagados
percorrendo as ruas à toa,
deitados à sombra da verde tília…
não há empregos disponíveis
para os bons chefes de família.

Vi um polícia que se escondeu
na esperança de passar a multa
o cigano atirou-se e mordeu,
chamou-o de filho-da-puta,
e que era um grande cabrão…
dispararam tiros em renhida luta
até caírem os dois ao chão.

Nesta Lisboa da nova era
a autoridade desmorona-se
e o cidadão fica à espera
que o ladrão seja modesto…
a multidão não se dispersa
enquanto segue o protesto…

há muito sacana a desaguar
nos gabinetes da administração
e as finanças a confiscar
tudo quanto lhes vai à mão.

 Joaquim Coelho




     VIDA EM LISBOA

A guarda toca os tambores
lá p’ros lados de Belém,
hoje é dia dos louvores
para o presidente, também!

Duas prostitutas que casaram
antes de nascer a lua,
engoliram muitos homens
enquanto fizeram vida na rua.

O governo decretou a aliança
dos casais de um só sentido
mesmo adoptando uma criança,
o casamento não é merecido.

Um pombo cagou na cabeça
dum turista ocidental,
mesmo que o não mereça
vai lembra-se desta capital.

Um cão vomitou no jardim
e a dona p’ra merda se cagou,
nem todos fazem assim:
veio o Sócrates e limpou.

Joaquim Coelho
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    DROGA DE MERDA

 O termo da vida é lastimoso
quando abordo as realidades
os sonhos vividos e os frustrados
mundo austero e odioso
onde se caldeiam as maldades
que fazem o mundo mais tortuoso.

A guerra que se espalha
em forma de gás venenoso
espelha a sociedade escumalha
em torno do mundo escabroso.

Tenebroso mundo soturno
dos correios espalhando a dor
em forma de pó alucinante
que tortura sem temor
os devotos da vida degradante.

Não vejo a luz esperada
neste ambiente lastimoso
onde a esperança é atraiçoada
nos olhos de cada pedinte
que da vida perdeu o gozo:
sem rumo nos olhos tristes,
se vives drogado, não existes!

Joaquim Coelho
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quarta-feira, 2 de março de 2011

Poemas dos Tempos Port 43



      CORTAR AS ALGEMAS

Ó corpo, fruto de todos os vícios,
capaz de todas as virtudes…
não te iludas com os cânticos
nas noites vazias e monótonas
que causticam as nobres atitudes,
nem inventes liberdades infinitas.

Há muitos traidores foragidos
ou escondidos nas catacumbas
à espera da hora dos sacrifícios…
se não lutas ficamos perdidos
e acorrentados aos suplícios
do fragor da queda das algemas;
o sangue generosamente derramado
é razão forte para que não temas
nem te deixes entrelaçar
nas tenras raízes da liberdade
que tens de endurecer a labutar.

Os charcos abundam nas cavernas
e os parasitas doutras latitudes
tentam apalpar os pulsos fortes
dispondo as artimanhas modernas
em forma de droga alucinante
a sugar a seiva logo ao amanhecer…
mas a nossa luta será triunfante.

Joaquim Coelho




  
        INCÓMODOS

Não vou ficar calado e quedo
enquanto outros se acomodam
dentro das conchas zarpadas…
será porque estão com medo?

afrontei os poderes ocultos
que nos matam a esperança,
descobri que os negros vultos
tomam feições de criança
vestem-se de muitos matizes
e dão fome aos infelizes.

Não posso ficar calado
só porque alguém escarnece
o alcance das minhas acções
contra a bajulação dos otários,
cada palavra certa aborrece
os que roubam aos operários.

Não vou parar a reclamação
enquanto as crianças inocentes
passarem dias sem refeição…
vejo-o nos olhares comoventes.

Sempre acreditei no futuro
e na felicidade permitida…
mas vejo o caminho duro
para as gentes sem guarida.

Não vou parar por aqui
quando vejo tanta injustiça
a maltratar os cidadãos
que são devorados na liça
da hipócrita bajulação.

Ensinaram-me a acreditar
que a vida deve ser vivida
e ter tempo para amar
com a temperança permitida.

Não vou ficar calado e quedo…
os cobardes não metem medo.

Joaquim Coelho
»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»

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      DESLUMBRAMENTO

A vida é uma sequência
de vivências com fulgor…
eu que respiro a vida
e sinto o aroma dos anos
procuro no silêncio dos dias
a cadência do amor.

Como as luzes cintilantes
com iluminações poéticas
no deslumbramento dos amantes
onde se inspiram os sentidos
dispo a exposta candura
num corpo de mulher.

Ficam dois corpos a vibrar
ao som que a música sustenta
na palavra que se inventa
quando a dança começar…

Joaquim Coelho

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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Poemas dos Tempos Port 42



COBRADORES DE IMPOSTOS

Na hora da libertação das dívidas
o governo decreta a penhora
que amedronta o humilde cidadão.
Sem tolerância e sem razão,
os funcionários da finanças
entram em delírio colectivo
não respeitam leis nem alianças
e medem todos pelo mesmo crivo.

Detesto as soluções extremas
com massacres aos cumpridores
e ninguém está a salvo
deste sufoco com louvores…
em cada labirinto da liberdade
as reclamações são um suplício
entre a infâmia processada
e uma defesa mais desprezada.

Há um mal-estar generalizado
e uma amarga e grave revolta
que nos assalta a consciência;
toda a justiça anda torta
nas decisões imprevistas
quando os processos são novelos
com os cidadãos em desespero
mergulhados nos pesadelos…
perdem a tranquilidade
contra o delírio escabroso
que alimenta graves tumultos
tamanho é o espólio danoso
mais sórdido que os insultos.

 Joaquim Coelho






       HUMILHADOS

Os humildes são enclausurados
nos bairros de costas para a cidade,
os seus sonhos são sufocados
e os moribundos humilhados
com os corpos esfomeados
nos caminhos da mendicidade.

Abro os olhos já cansados…
quem foi que tramou o povo?
Se os tenho semi-cerrados
descortino a miséria de novo!

O sol nasce para todos igual!
entra nos opulentos salões
mas não aquece o quintal
das barracas sem colchões.

        Joaquim Coelho
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   DIREITO A DISCORDAR

Eu discordo abertamente
deste viver de aparências
com objectivos contratados
onde se vendem os destinos
com futuros penhorados;

discordo dos negócios formais
onde se vendem as almas,
antes dos funerais…
onde se traçam negros destinos
aos que labutam mais
para educarem os meninos!

Demando meu grito tenso
contra a combustão dos desejos
queimados no fogo imenso
das barracas e dos despejos
da interminável devastação.

Contra a abominável solidão
quero ser um peregrino
a combater a confusão,
tocar o harpejo do destino
com os dedos de cada mão.

Joaquim Coelho
 ,

...

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Poemas dos Tempos Port 41


A INTENSIDADE DO BEIJO
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A vida é feita de mudanças e, também, de saborosos imprevistos. Há momentos que nos tocam com tal intensidade que desencadeiam emoções capazes de nos sensibilizar para escrever textos e poemas quase proféticos. É o caso dos dois poemas que publico em baixo, como resultado das reacções sentimentais sobre um episódio ocorrido durante uma festa de amigos. Entre os presentes, estava uma menina que fascinava pela desenvoltura e frontalidade nas conversas à volta dos efeitos das telenovelas brasileiras na sociedade portuguesa, especialmente no comportamento e linguagem.
Sentada do meu lado esquerdo da mesa redonda, causava-me algum embaraço quando me tocava com o cotovelo em sinal de discordância de outras opiniões; alguns dos presentes aproveitavam os diálogos para mandarem indirectas com sentido jocoso e provocatório; a menina não se perturbou e, num gesto inesperado, colocou as mãos nos meus ombros, olhou-me nos olhos e colou os lábios quentes e vigorosos contra os meus. A emoção mexeu-me com os neurónios e, um magnetismo envolvente, prendeu-me naquele beijo longo e febril; pareceu-me flutuar no espaço como se fosse um sonho alado. Serenamente, terminámos o contacto dos lábios e sorrimos!
À nossa volta, o silêncio imperava e os olhares dos presentes pareciam comprometidos com a surpresa; logo, logo, começaram as conversas de escárnio e mal dizer! A menina tinha muitos pretendentes naquele espaço de convívio, o que desencadeou algumas reacções impróprias, porque todos receavam confrontar-se com a postura firme e decidida com que a Mila defendia as suas convicções acerca da sociedade e dos comportamentos.
Deixo um poema à menina e outro aos amigos lá presentes.  




      A RAZÃO OFENDIDA

A mordedura tocou bem fundo
a sensibilidade, com tristeza…
serão as dores iguais às do mundo
que se derramam sobre a vileza
dos seres vagos, flutuantes,
sem mérito, seres errantes?

Não há acusações inocentes…
como hei-de eu começar?
Pelas intrigas indecentes
porque hei-de eu acusar?

Não é glória para ninguém
abusar da fraqueza de alguém;
porque a vileza do intriguista
é um acto de grave indecência
e indigna maledicência.

Aquilo que mais dói
é amesquinhar a paciência
que a inveja corrói,
é atirar para o abismo
a dignidade dum confidente;
é levantar a suspeita
entre os amigos chegados
numa paz que ninguém rejeita.

Poderemos nós comungar
os mesmos princípios altivos
com amigos a conspirar?
Eu não pergunto ao acaso
quem tem desejos furtivos
e segreda as mentiras
injectando o veneno
da estranha adivinhação
rastejando no terreno
das víboras em confusão.

Sinto uma grande tristeza
quando se perde a consciência
e se tenta destruir o círculo
da salutar convivência..
e pergunto com franqueza:
a quem aproveita o desdém
e a promoção da vileza
que causa danos a alguém?

Porque se adultera a amizade
e destroem os bons sentimentos
quando queremos que a felicidade
nos afague como os ventos?
Acaso será a desordem
a melhor concepção de vida?
Os pássaros não se mordem
nem a bissectriz é distorcida.

Em vez de apertos de mão
em sinal de sincera amizade
e dos lampejos de amor,
temos uma estranha sublimação…
olhares vesgos, sem verdade,
que causam grave destemor.

Porque acredito no mundo
e consigo vencer o espaço
lamento os escravos da inveja,
que não sabem acertar o passo,
e a sua angustiante vaidade
em busca do mérito alheio.

Merda para a taça invertida
que as bocas imundas beberam!
Sendo perversos, esqueceram
como é bom gozar a vida
e sentir o mérito da amizade
sublimar a dor dos ofendidos.

Nada melhor que a claridade
para animar os sentidos!

Joaquim Coelho





       ENCANTAMENTO

Aqui na minha frente, o postal
que me enviaste pelo Natal,
traz-me lembranças de ausência
em tempos que andei à deriva
a ver se encontrava a lua…
tímido, de olhar romântico,
a vida muito longe da tua
com o coração em repouso.

Negar que te amo, é um pecado
que a ternura não aceita…
a tua natureza acolhedora
é um prodígio deslumbrante;
mulher vistosa, encantamento
com cabelos sedosos
alimentando as minhas fantasias
envolvidas em cada pensamento
a cativar os beijos gostosos.

Nos momentos serenos de alegria
entramos no palácio habitado
despindo as vestes da poesia
deste meu ser enamorado…
raios de sol na nossa vida
em cada dia mais renovada
com a chibatada bem merecida
na longa noite idolatrada.

Joaquim Coelho
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