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terça-feira, 11 de setembro de 2012

Moçambique 87 - Poemas dos Tempos




 
   PICADAS DE MITEDA

O inferno é ali ao fundo
      além da pista de Mueda
      nos caminhos de Miteda
      como quem vai à fonte
      e sente o cheiro imundo
      da vereda ali de fronte,
      entre os postos quinze
      depois de passar o catorze
      no profundo escarpado
      aí onde se esconde a morte
      deprimente da paisagem
      que nos abandona à sorte
      e deixa sucumbir na voragem. 

      O inferno é esta ausência
      da vida que não se esquece
      nos dias da turbulência
     em que o corpo arrefece...
     é um sinal de advertência
     aos desprevenidos soldados
     que se afoitam endiabrados.

    Miteda, Julho de 1966
         Joaquim Coelho

    

 
          MAR ALTO

Em cada nova alvorada
construo mais um pensamento
que ponho nas mãos atrevidas
do insaciável envolvimento
nos contornos das avenidas
que o teu corpo consente…

Lentamente, avanço cuidadoso
entrelaço-te pela cintura
fitando os teus olhos tratantes
de cativante formosura…
sinto catalisado o engenho
sensual do compromisso adiado
quando acreditas no empenho.

Temos os corpos acorrentados
na amplitude do grato amor,
quentes e muito chegados
para celebrar a vida sem temor.

Longe das sombras engendradas
e longa distância de permeio
sinto as emoções embargadas
pela saudade da minha terra
e dos tempos do nosso passeio
entre as searas no estio
quando não temos a guerra.

Mesmo cansado e mais triste
emborco o sufoco dos dias
com a lealdade que não desiste
de clamar ao inimigo o descanso
para o meu corpo esgotado
dormir as noites do planalto
e sonhar que estou embarcado
no navio já em mar-alto.

Mueda, Janeiro de 1968
Joaquim Coelho
 


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      CURVAS DA MORTE  
..
Antes da estrada das Oliveiras,
- curvas da morte... em Diaca,
sinto a chuva trespassar-me a pele
ensopar as ideias dentro de mim...
cubro-me com as cartas topográficas
dum país em retalhos sem fim
- que da pátria nada me dizem,
e deixo as mágoas caminharem
pelas picadas acidentadas
deste destino aos solavancos.
..
Deito-me com os restos da esperança
que me afoita o corpo maltratado.
..
Guardo os restos das tuas cartas
parecidas com recordações de criança
embrulhadas num anseio sonhado
onde as palavras de promessas fartas
manifestam esperança no regresso;
..
e para consolo da minha alma
sinto que tens os mesmos desejos
esperar que uma noite calma
me traga o sabor dos teus beijos!
..
                 Mueda, Setembro de 1966
..
Joaquim Coelho
 ........
 
 
 
 

sábado, 25 de agosto de 2012

Poemas dos Tempos - Moçambique 86



 
NÃO ESQUECEMOS

Qualquer mancebo fardado
Que embarcasse no navio
Tinha o destino marcado:
O perigo era um desafio!

Quando marchava na picada
Ou nos trilhos das matas,
Ficava com a pele marcada
Até regressar às camaratas.

Se apanhava um tiro certeiro
Na tragédia duma emboscada
Nem sempre tinha enfermeiro
Para tapar a pele furada.

O socorro tardava a chegar
Porque o oficial de operações
Andava com os coronéis a caçar
Usando o heli das evacuações!

Quantos mortos abandonados
Por causas mal percebidas,
Quantos feridos amortalhados
Por não serem curadas as feridas.

Para que as memórias não esmoreçam
A bondade da nossa juventude,
Reclamo aos vivos que não esqueçam
Estas imagens de solicitude.

Sagal, Agosto de 1966

Joaquim Coelho
 




           EM CONTRATEMPO

Este percurso em contratempo
      nas picadas dos Macondes
     desencontrado com o tempo
     que o destino encomenda à natureza
     para alimentar a minha vida…
tenho momentos de fraqueza
      muita dor a morder fundo
     enquanto a esperança definida
     está nas verdades do mundo,
     o meu corpo já cansado
     não anda… flutua!
...
Nas margens da guarnição
    do acampamento inventado
    dentro do campo de aviação;
passo por baixo da lua
    para fugir ao labirinto
    das picadas da morte
    que nos causam desolação
    fico preso nas terras do norte
    onde pressinto a ameaça
    da masmorra da guarnição
    imposta pela hierarquia
    quando a grave chalaça
    agrava as dores de cada dia.
.
Diaca, Novembro de 1967
Joaquim Coelho
 
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     LINHA DE ÁGUA
..
Perdido nos seios agitados
pelas ondas do mar calmo
onde naufraguei atrás do amor
desprendido na sensualidade
mágica dos teus encantos
deixo o corpo viajar à linha de água
com os peixes voadores
que sustenta a alma perdida.
...
Como a luz que nasce das trevas
apareceste purificada, divina...
um sopro que a brisa me enviou
para amansar as fortes ondas...
aquelas que me podem arrastar
ao encontro do teu amor.
..
Beira, Setembro de 1967
..
Joaquim Coelho
.
..
 


segunda-feira, 2 de abril de 2012

PAGAR A CRISE!

....
...
         O CONTRIBUTO    

Cresci no campo como o trigo
brincando no meio da seara
que a vida encravada no postigo
só nos deixava espaço enfeitado
nos dias de alegre romaria…
mas nascer rico eu preferia.

Entrei na tropa sem convicções
e p’ra guerra fui convocado…
defender os valores da nação
vestido de camuflado,
percorri trilhos e picadas
e vi muitas cabeças cortadas
sem perceber a razão.

Combatente sem grande primor
condecorado e com louvor,
sofrendo tormentos imprevistos
sinto a traição dos assumidos
desertores que tomaram o poder
e desprezam os soldados valentes
a quem deixam a padecer…
mas eu que sou obediente
não faço gestos indecentes
só porque ando descontente.

Apenas o meu grave protesto
contra os sanguessugas da nação
que vão causando a pobreza
dos humildes e sem pão…
contra o perjuro da incerteza
que me causa indignação.

Porque sou bem comportado
e fui militar aprumado
vou pagando os meus impostos
dando assim o contributo
antes que os pobres estejam mortos
e fique todo o país de luto.

São tantos porcos na gamela
fazendo de nós idiotas
que pouco sobra p’ros honestos…
mesmo triste e amargurado
vou pagar a contribuição
conferindo a grave sentença…
só porque amo esta nação
continuo a marcar presença.

Joaquim Coelho




..
..

quarta-feira, 21 de março de 2012

Em dia de POESIA


      VIAGEM COM FUTURO

Em qualquer latitude astronómica
há um astrofísico a meditar o universo
com força na meditação de Kepler
a definir a razão dos movimentos
onde os seres dolentes e nato-homos
sofrem efeitos da força electromagnética
na genética fantasia das micro-vidas
vindas da lonjura do tempo permitido
no espaço cósmico indefinido.

Coordenadores silenciosos do abismo
partículas de electrões descontrolados
colidem com a natureza indefesa…
poluição dos espaços envenenados
deixa o homem perdido sem precisão
incapaz de proteger o corpo-resíduo
no mundo conspurcado e insalubre
algas moribundas nas sombras
da nuvem atómica suicida
aniquilando toda a forma de vida.

E os raios gama… proféticos
do futuro terra-galáxia agonizante
onde o homem asteróide imune
à força da catástrofe atómica
absorve o gás carbónico mortífero
que os fotões quanta regeneram
dentro da engrenagem astronómica.

Harmonia inter-galáxias… deslizante
universo dos fenómenos cósmicos
que nos determinam o amanhã
aquecimento progressivo imparável
   inigmático sinal da natureza
que os raios gama contrariam
com toda a força da natural magia
no complexo espaço sem limites
do movimento gravítico dos astros.

No afluxo de corpos interplanetários
somos nós o elemento ínfimo
libertados no espaço fecundado
com minúcia e infinita exactidão
que a relatividade harmoniza.

A fantástica aventura do homem
está na corrida do tempo-espaço
na imensidão do universo fragmentado
com movimentos indecifráveis
    desafio voluntário e reflexo
da ambiguidade tenebrosa da vida
ressonância do sonho volatilizado
em ondas de deutério-energia
fluxo fecundado de esplendor.

Avanço ao encontro clandestino
do futuro das gerações racionais,
em busca da fórmula metafísica
que preserve os bens da natureza,
numa intensa recuperação de recursos
fortemente degradados, sem pureza
da génese unificada e fonte de vida.

É uma sedução envolta no mistério
determinante das partículas de luz
percursoras da corrida no espaço
dum futuro imaginário, confiança,
sem desesperos, com esperança.

        Maia, Outubro de 1993

             Joaquim Coelho

sábado, 3 de março de 2012

Poemas dos Tempos - Portugal 85

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     TRATADOS DE ROMA

Nunca o imperador César Augusto
conseguiu dominar os lusitanos
nem a generosa protecção de Zeus
entusiasmou este povo da terra
que nos legaram valiosos feitos
nos descobrimentos sem causar dano
ensinaram o cultivo sem guerra
e outros modos de vida mundano.

A eloquência dos cânticos a Ovídio
conjugados na prosa de Horácio
não conseguiram enganar este povo
que sempre confiou no seu querer
sem se deixar embarcar na penosidade
dos males que a estranha divindade
prometia com os invasores romanos.

Nunca pensaram encontrar o inferno
dos subsídios que os tratados ofertam
para desmantelar as hortas e as searas
e deixarem o povo à mercê da loucura
das convenções que nunca acertam
p’ra manter os campos com verdura.

Perdido o esplendor da natureza
ficamos à mercê dos mecenas europeus
que aniquilam as últimas sementeiras
abatem os barcos com os camafeus
e traçam as incertezas do futuro
do meu povo penhorado e sem jeiras
assombrado no perjúrio do escuro.

                   Ermesinde, Março de 1996
     Joaquim Coelho



        A SELVA

Nesta selva de aldrabões
que se agigantam na gestão
das nossas vidas colectivas
não há lugar para os fracos
nem tempo para contemplações
dos direitos demolidos
que nos causam aflições
e mais passos perdidos!

Eis que chegou o momento
de saltarmos a barreira
e atirarmos para a lixeira
os malfeitores que abundam
na sociedade desmiolada
onde somos espezinhados
até às minúsculas células,
maltratados e escravizados
sem direito a reclamações
a vida já é um tormento
no inferno das maldições.

No mundo de leis proféticas
onde abundam os aldrabões,
não faltam as cenas patéticas
na dança desses sabichões.

  Joaquim Coelho






   SILÊNCIO NO OLIMPO

Dedilhando a harpa do tempo
os sonoros timbres a vibrar
correm sem o contratempo
na busca do mais sereno lugar.

A ninfa de lábios mimosos
de encantos no olhar gentil
dá beijos doces e gostosos
como um presente de Abril.

Não lhe ofereço taças de oiro
só uma profunda amizade
que faça de nós um tesoiro
e o eco da fraternidade.

O Olimpo é a nossa mansão
cheio de estrelas formosas
e as almas são como são
mesquinhas e melindrosas.

Sentem-se as ondas do mar
bater nos olhos com receio
do teu corpo singelo quebrar
e ficar o meu de permeio.

Silêncio no Olimpo da vida!
as aves aplaudem calmamente
perante a turba aturdida
e a realidade inconveniente.

Há nobreza nos laços de amor
que fervilha aos turbilhões,
porque fomentam tanta dor
e distorcem o sentir dos corações.

Oh ninfa, formosa companheira,
acautela-te das vozes inconstantes
que na sociedade rotineira
nos atingem em todos os instantes.

Enaltece os princípios nobres
movendo os desejos ardentes
e deixa vibrar o que encobres
nos gestos curvilíneos e ardentes.

     14.4.83
Joaquim Coelho
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..  

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Poemas dos Tempos - Portugal 84

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          PORTAGENS

O homem que vende gelados
aumentou o meu desgosto…
em vez de gelados de chocolate
traz só caramelos podres!
acho que é grave ingerência
nos meus gostos de guloseimas;
incomoda-me denunciar
essa cambada de políticos
candidatos a gastos ricos
que nos levam à miséria.

Os cobradores adormeceram
na desordem das finanças…
mijo na berma da estrada
e nos cruzamentos com rotundas
só para não pagar as portagens!

Incomoda-me viajar ao tostão
e pagar os chips obrigados
com controlo sobre as cabeças
dos cães-polícias algemados
às matrículas com registo
e as viaturas visionadas
com liberdades condicionadas.

Joaquim Coelho





       DESAPERTAR O LAÇO

É nos silêncios íntimos e sagrados
que ouvimos gritos desesperados
sem a força da coragem
para cantarem hinos á liberdade…
na atmosfera de garganta apertada
onde se humilham os enganados
incoerentes com a sociedade.

Mas há muitas portas abertas
sobre o espaço do medo
que nos tolhe o futuro…
se não nos manifestamos
nem mostramos descontentamento
sentiremos a fadiga e o cansaço
que nos sufoca o pensamento
e aperta o silencioso laço!

Antes do silêncio da madrugada
teremos a esperança em movimento
abrindo um sorriso ao mundo
dando alento ao futuro suspenso.

 Joaquim Coelho






              FEITIÇO

Não sei se é encanto
ver tanto encantamento
desprendido no teu pranto
que me prende o pensamento,

é um amor que se prende
em cada dia que passa
mas essa avareza me ofende
o coração que se enlaça,

sou um solitário convertido
à adoração do teu semblante
porque também tenho sofrido
por continuar no rumo errante,

se queres quebrar o enguiço
e aceitar os meus versos
deixa-me beber o feitiço
que tens nos olhos travessos.

   Joaquim Coelho
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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Poemas dos Tempos - Portugal 83

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.        DESEJO INFINDO

Se eu usufruísse do poder
decretava o fim do servilismo
e abolia o reino da estupidez
que sufoca os domesticados
e os deformadores de ideias;

mandava queimar a língua
dos seres maledicentes
   escroques caluniadores
mias reles do que delinquentes
causadores de graves dores.

Se eu tivesse o poder dos átomos
fundia os risos ridículos
atirados com escárnio
contra os pobres deficientes,
electrizava a atmosfera letal
para os indignos difamadores
corruptos da manjedoura fiscal
que dão tacho aos bajuladores.

Se eu gozasse de poder real
     sem glória e sem vaidades
semeava artistas da natureza
     o sumo das celebridades
artes com enlevo da pureza
talentos sem preconceitos
     capazes de grandes feitos
no aperfeiçoamento da ciência
premiava os mais honestos
impulsos da inteligência.

Se eu tivesse mais poder,
     sem desprezar a inovação
difundia a ética formal
     elaborada no coração
limpava os caminhos da cultura
que a obscuridade destrói,
elevava os padrões do mérito
e da criatividade genial…

Não invento metamorfoses
      na sociedade bestial,
mas tenho a forte convicção
de levar melhor a vida
com respeito pela evolução,
por ver a causa perdida
corro atrás dessa ilusão! 

Joaquim Coelho




      AOS INDECISOS

Tu que foste chicoteado com ódio
e arrastado no chão das prisões,
não fiques espetado na rua.
Salta as barricadas do pódio
e apaga as labaredas e vulcões
porque a revolução é tua…
e estão à solta os aldrabões.

Vós que fostes humilhados
e severamente torturados
nas noites que se não dorme
por causa de fortes convicções,
lutai ao lado das bocas de fome
até que a liberdade esteja nua
e o ranger de dentes dos opressores
se ouça bem em cada rua.

Vós que semeais as searas
e comeis o pão da escassez,
não pareis para ser derrotados,
nem descanseis na sensatez…
estão a regressar os desertores
para comerem os bocados
que o povo cultiva com dores.

        Seixal, Março de 1977
Joaquim Coelho




     PERDIDO NO CAIS

Ainda apático e friorento
sinto-me embarcar na mansidão
do teu olhar cintilante...
é um novo encantamento
que me abraça neste instante.

Não me queiras enfeitiçar
sobre as águas do mar...
os pés firmes nas pedras
do cais onde se embarca
têm o enlevo fascinante
e os odores da tua marca.

Esta noite, longe das trevas
com um novo encantamento...
o feitiço sensual e envolvente
prende-me no enlevo fascinante
da gruta onde chego primeiro
dentro da noite de nevoeiro!

Joaquim Coelho
..
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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Poemas dos Tempos - Portugal 82

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     SALVAR A NAÇÃO

Ao vermos reunir a hierarquia
não podemos continuar na ilusão
deste modelo de democracia…
agrava-se a fissura dolorosa
nesta desordem da traição
ordenada pela máfia tenebrosa
que falseia a paz e corrói a calma
inventa e disfarça a imagem
deste país sem alma
dominado por servis lacaios
que aprofundam a desigualdade
e reprimem a liberdade.

Dizem querer salvar a nação
com os poderes desconexos
e leis de extrema humilhação
dos cidadãos que produzem;
com os discursos convexos
tentam enganar os incautos
mas as palavras só seduzem
os seus mandarins arautos…
nem os parasitas ferozes
calarão as nossas vozes.

A injustiça que nos afronta
os ânimos e a acalmia
terá sempre resposta pronta
nas jornadas de cada dia.
Os discursos são indigestos
e os salários são de penúria
porque só ficam os restos
para aumentar a nossa fúria.

Quem mendiga os seus direitos
e sente o ultraje da repressão
não dará tréguas a esses sujeitos
que sugam o sangue e o suor
até nos atirarem p’ro caixão.

Joaquim Coelho
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     AS FACES DO OCULTO

Acreditar nos fantasmas do além
é aceitar o enredo da ocultação
que uns senhores da ladroagem
usam nas manhas da extorsão.

Aos ladrões faço um manguito!
uso raros truques de magia
para entender o país roubado,
mas vou perdendo a habilidade
de decifrar o fim do teorema
da trama dos finos arguidos
que tratam de chorudos negócios
e a justiça perdida no esquema.

Hei-de arranjar um sistema
para deitar mão aos ladrões…
vou construir um teorema
e desmontar a comandita
que se apodera do país
onde a secreta maldita
oculta essa corja de gestores
montados no orçamento
que nos faz mais devedores.

Peço aos cidadãos enganados
para mudarem de planeta…
cada vez mais espoliados
com a roubalheira pegada,
sendo a justiça uma treta
vamos tratá-los à bastonada.

        Valongo, Novembro de 2009
Joaquim Coelho






     NOITES ATRIBULADAS

Um gemido deleitoso ecoa
    na fronteira dos guettos
    - recanto esburacado da cidade –
e os corpos das donzelas impúberes
se agitam com gestos sedutores
no silencioso gesticular das ancas
ondulantes fontes dos amores…

Corpos aparentemente aconchegados
no recôndito dos sentidos hirtos
sem medo da devassada intimidade
saciam a carência da verdade
    onde os encantos mágicos
    premeiam a génese do Amor.

Segredos de alcovas luxuriantes
    de apetitosas madames emplumadas
emergem das noites perfumadas
cheias de harpejos deslumbrantes
e armadura de cambraia reflectora
    nos olhares dos meliantes
em cama alheia acolhedora.
 
Os ventres ansiosos e sedentos
     da frescura sumarenta
absorvem o líquido fecundante
empinado na calçada lamacenta
     com tanta sofreguidão
que o harpejo ejaculante
se contorce de gostosa emoção.

O contra-senso virtuoso dos amantes
encontra-se no amor flutuante…
      muitas vezes sem retorno
que devassa o instinto de quem ama
e deforma a razão de tanta entrega…
     um acasalamento morno
     quando se apaga a chama!

A orgia dos maldizentes alcoviteiros
    ostentada nos aparatos das janelas
deleita-se nos contornos das alcovas
de carnes recolhidas nas vielas…
    ambição das frutas novas
    em dias de fluxo menstrual
a convergir no gesto erótico-sensual.

A profundeza da consolação onírica
acasa-la no desejo de amar
além do sentido da devoção
     no enlevo do cio acrisolado
que transforma os gestos e impulsos
em gozo de profunda emoção
    dentro do corpo aliviado.

Os sucessivos orgasmos mornos
    expressos nas longas fantasias
movimentam as nervuras sedosas
    adornos das saborosas orgias
saciando os órgãos entesados
servidos nos cais conspurcados
    aos noctívagos forasteiros.

A contra-verdade deste império
está nos montes de carne pétrea
    trémula e desnaturada
que provoca agonia no reparo
    fantasia quente e masturbada
em lufadas de gozo às debutantes
que lambem o néctar mais caro.

O sentido destas vidas perdidas
    sem compromissos formais
oscila entre a sarjeta funcional
e a carícia fria e mecanizada
afinada no encontro ocasional
    momento de gozo gotejante
na caverna tenra da debutante.

O drama adensa a marginalidade
dos contactos inseguros e frios…
enchem-se os ventres contorcidos
das donzelas impúberes desprevenidas
     presas às ciladas da vida
amarguradas com o destino infeliz
rendidas à solidão das avenidas
     onde esperam que nasça o petiz.

(viagem nas noites lisboetas)
Joaquim Coelho
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