CERRAR OS DENTES
Caminhar com as pernas a
tremer
neste calvário de mochila
às costas:onde todos os sonhos se desmoronam
por entre as veredas percorridas…
a vontade não resiste ao impulso
do protesto contra as diatribes
que nos atiram para as estevas
onde os corpos perdem a seiva
e o sangue derramado nas matas
salpica de vermelho o capim.
O coração a pulsar atordoado
e o fato sujo e ensanguentado
anunciam o calor que esmorece
a vontade de cerrar os dentes
para lutar com o corpo cansado
e mostrar a força dos valentes
que baixam à terra sem a dignidade
dos heróis do tempo recusado
para descansar até à eternidade!
Nangade, Setembro de 1967
Joaquim Coelho..
CUMPLICIDADES
Às vezes me pergunto indeciso
se sou cúmplice desta tragédia
que se abate sobre a esta geração.
Embrenhado nesta guerra
destinada ao fracasso da pátria
e à descrença de um povo,
jamais se perderá da memória
a imagem patética e dolorosa
que nos faz viver infelizes:
as caminhadas são um inferno,
as emboscadas mortíferas
dizimam vidas fogosas e inocentes.
Onde está a nossa verdade
e a razão que a desconhece?
Evoco a memória dos ausentes
para ocultar uma existência banal,
que se apodera dos incoerentes.
Faço um apelo aos inoperantes
que fazem favores aos governantes
e não corrigem o rumo que vai mal:
temos que sair dos caminhos tortos
para podermos enterrar os mortos!
Mueda, Outubro de 1966
Joaquim Coelho«««««««««««««««««««««««««««
...
Há um confronto sem paralelo
de pelejas mortais alastrando
no aniquilamento da vida…
sem espadas e sem cotelo
há uma luta para vencer
nas matas que dão guarida
à razão do nosso querer.
Um conformismo incessante
leva os espíritos ingénuos
a acreditar no destino
que a incerteza lhes oferta
andrajoso em desatino
só lhes deixa o que não presta.
Perdida a linha do norte
e as razões desta jornada
só ficam imagens de morte
no tempo que não diz nada.
Beira, Novembro de 1967
Joaquim Coelho
SERENIDADE
Como o tempo tudo desvenda
nada ficará oculto e perdido
na serenidade dos sentidos.
São dois corpos que se rendem
à evidência do fervoroso encontro
porque o amor não se inventa;
o destino não engana
quando dois braços se cruzam
e apertam com carinho
na linguagem de gestos
que outrora não entendemos.
É longo o dia da esperança...
desfaz-se o sonho e bonança
e alivia-se o medo que arremete
o deslumbramento da alegria…
prendo-te nos meus braços
porque o amor promete
um amanhecer mais sereno
onde a promessa renovada
faz brotar o amor interrompido
- a vida já tem outro sentido.
Beira, Julho de 1966
Joaquim Coelho
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