O ASSALTO
Atirados contra o adobe da sanzala
que rompemos à força de catanas,
nem ouvimos o clamor dos ausentes
das palhotas onde o fogo estala
e chamusca alguns sacanas…
Dois corpos ficaram devolutos
e outros três com mais sorte
nos ardis e bem astutos
encrisparam-se contra as balas
que lhes rasgavam a pele forte…
O estômago a remoer, encolhido
secou-me os olhos molhados
e a moldura do retrato
ficou na minha memória
rastejando entre o mato
para poder contar a estória.
Quitexe, Abril de 1962
Joaquim Coelho
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ENCHARCADOS
Cai tanta chuva na picada
por onde cortamos a norte
a natureza monta a cilada
para nos proteger da morte.
Subindo ao cimo da serra
com Lucunga muito longe,
já vemos Mucaba… a terra
dos valentes defensores
que lá deixaram suas dores.
Os camuflados encharcados
e gotas teimosas nos olhos
os pensamentos trocados
e as botas a espichar o lodo
pelos furos do desgaste…
Apressamos a respiração
com o operacional silêncio
só porque vemos a nação
cobiçada além fronteiras;
o que nos dá certa razão
para atirar balas certeiras.
São penosos os caminhos
com os corpos bem molhados
até parecemos uns anjinhos
com os colhões atrofiados,
caminhando aos trambolhões
neste rasto de tormentos
onde as mochilas encharcadas
desfazem os alimentos
no enredo das enxurradas.
Mucaba, Fevereiro de 1962
Joaquim Coelho
FUTURO LONGE
No espaço onde a guerra campeia
e a ternura escasseia
a candura está esmorecida
nas noites cálidas do verão
a saudade agrava as dores da vida
e enobrece a recordação.
No tempo de grande amargura
és o fermento do Amor que perdura
em toda esta vastidão
onde os beijos sabem a mel
e animam o coração
que se liberta do fel
na esperança dos carinhos trocados
com meiguice estonteante
dos corpos entrelaçados
na brejeirice dum amante.
Do futuro que almejamos
temos a promessa do presente
porque sabemos onde estamos:
sempre na linha da frente.
Quicabo, Maio de 1962
Joaquim Coelho
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