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segunda-feira, 14 de junho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra

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.. A DESPEDIDA
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Embarco para além-mar
Com um amor na bagagem
Deixo uma carta a lembrar
Que será longa a viagem.

Sem ofensa à minha amada,
Rejeito encargos do coração
Que me deixem a vida atada
Sempre à espera do caixão.

Na partida não dei esperança
Num beijo de simpatia,
Até parecia uma criança
Com paparicos à porfia.

As lágrimas vieram depois
Com a saudade a remoer
Os momentos de nós dois
Que não mais podemos ter.

O coração suspira no peito
Com vontade de te ver
O teu retrato tem defeito:
Não ouço o coração bater.

Nesta ausência forçada
Que a guerra me obrigou
Tenho uma relíquia guardada
Que a minha amada ofertou.

Inebriado no sonho belo
De voltar a ter teus beijos
Olho a madeixa do cabelo
Onde afogo os meus desejos.

Maquela do Zombo, Outubro de 1961
Joaquim Coelho
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... APRESENTAÇÃO

Parti às seis da tarde do aeroporto,
sem ninguém a dizer adeus.
Com os anjos voei no azul do céu,
muita vontade de continuar vivo
- ao destino nunca me esquivo...
desembarquei nas pistas de Luanda,
onde encontrei a ausência do sabor
e a pobreza das vidas sem amor.

Caminhei embrulhado no destino
e fui condenado ao silêncio...
A importância de nascer menino
esvai-se em cada hora de combate
e logo no primeiro embate...

Tilintam os sinos nas igrejas
e os olhos contemplam os mortos
que tropeçaram na mina obscura,
mas morreram hirtos, sem invejas
e eu já sinto a grave amargura
de viver no meio da guerra!

Ainda espero uma carta da terra,
dos ausentes que nunca saberão
porque se morre a bem da Nação.

Luanda, Outubro de 1961
Joaquim Coelho
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... TOCAM OS CLARINS

O céu não tem fronteiras
para as asas do partir!
Os clarins tocaram às bandeiras
quando nós, gente do povo,
embarcámos sem vontade de sorrir...
crentes em regressar de novo.

Não importa aos heróis vencer metralha!
Nos horizontes da nossa memória
temos as pestilentas cubatas de palha
e outras gentes com história...

Sentimos a liberdade de julgar
com perfeito sentido de rectidão,
mesmo na guerra não há lugar
para vacilar... à vontade do coração.

Só quebrando as lanças da agressão
teremos mais livre o destino
para eternizar a vida em harmonia.
Os povos andam em desatino
por força do sangue que os desafia
nos caminhos da liberdade...

Se temos honra e dignidade,
vamos procurar a paz... sem guerra
nos mares, no ar, em terra!

Bembe, Março de 1962
Joaquim Coelho
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.. BOCAS DE FOGO

Nesta fúria á hora do fogo
na terrível recusa de cair no chão
- ninguém sabe qual é o seguinte –
fugir à morte também é um jogo:
estar onde não há explosão…
ou aceitar a morte com requinte.

Mergulhar na mata sem protecção
ouvir o estrondo dos rebentamentos
dos canhões em vómitos de cólera
é mergulhar os sentidos na solidão
e ficar sem réstia de pensamentos
mais os sons da metralha mortífera.

Tantos sons de alerta alvoraçada
deixam um rasto de aço penetrante
que perturba o sangue dilatado
e deixa os sinais da sina trocada
em cada bala de fogo fulminante
se furar as veias de algum soldado.

Quicabo, Fevereiro de 1962
Joaquim Coelho
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.. VENTO MENSAGEIRO

Este vento que sopra agreste
e traz até mim os teus odores,
envolve meu coração na veste
que faz de mim tição de amores.

Sem temer o agravo das jornadas
avanço ao teu encontro, sedento
dos beijos nas faces rosadas
para aliviar o meu tormento.

Porque estás longe e tranquila
dou longas asas ao pensamento
para voares até às terras da Huila
no rumo das lufadas de vento.

Assim poderás atender o pedido
na sublime mensagem do coração
reanimar um amor quase perdido
nos espaços longínquos do sertão.

Poderei afagar teu doce rosto
com a ternura bem guardada
dois depósitos cheios de mosto
que fazem de ti mulher prendada.

Temos imensa terra adormecida
que faz de nós gente de aventura
a vida na savana está prometida
aos que a desbravem com doçura.

Não te esforces pelas sementes,
enquanto tens manga e papaia
para satisfazeres o gosto que sentes
quando abres o vestido de cambraia.

Então, junto ao peito aquecido,
despertas o fogo do casto amor
e devoras o fruto apetecido
até atestares todo o seu sabor.

Quitexe, Junho de 1962
Joaquim Coelho
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.. DESENGANOS

Embarcámos na noite escura,
como de costume...
em busca do amor que escasseia
já pressentia
a noite que se refugia
no negrume dos sonhos em mistura
dos gestos secos, inconfundíveis,
e a coisa fica dura...
na curta história dos corpos fechados
com emoções invisíveis;

desejos vadios e fingidores
entrelaçados nas nossas dores,
passam o tempo em volta de nós
bocas serenas, quase sem voz;
danças feliz, quase louca…
se queres servir-te de coisa pouca
estamos sozinhos no parque
aproveita agora que não é tua...
antes que eu embarque
e apague a lua!

Luanda, Janeiro de 1962
Joaquim Coelho
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.. DIFERENÇAS

Vestido de nuvens, acordei na rua
com água a correr nas veias...
uma vontade enorme de te ver nua
para os festejos do gozo a meias.

Sei que percebeste o meu recado
quando recolheste aquele beijo,
os lábios deixaram-me intrigado
e o sabor adormeceu o meu desejo.

Há alguma desordem nesse riso
que difundes da casta inocência,
a condição das entranhas que piso
respira os gestos da boa decência.

A aragem despenteou os cabelos…
o corpo bem aconchegado ao meu,
sem precisar da cumplicidade do vento
deixou a minha mão passear
nos contornos dos teus segredos.

Os sentidos farejaram os alimentos
que excitam a pelugem que se abre
aos desejos retocados pela fome
dum orgasmo impaciente, gostoso
na usura do sulco espumoso.

Ficaste com a blusa bem diferente
a encobrir os gestos dengosos
e os teus seios mais garbosos
a comporem a imagem refulgente.

Luanda, Outubro de 1961
Joaquim Coelho
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