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sábado, 19 de junho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 3

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... NOVOS PADRÕES
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Ah solo pátrio tão desigual
ao descrito nas letras de Camões;
tamanha ingratidão afunda Portugal
na eterna luta dos canhões!

Os soldados valentes vão lutando
sem a galhardia dos brasões...
ninguém esquece as mães gritando
lá longe... extremosos corações.

Já não se levantam mais padrões
nas selvas que rasgamos, dolentes,
porque os novos filhos barões
têm vontades mais convincentes.

E quando olhamos à retaguarda
sentimos um aperto nos pulmões;
continua a desfilar na parada
um bando de ignóbeis tubarões.

Quitexe, Agosto de 1962
Joaquim Coelho
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... TORMENTO DA VIDA
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A inquietação
no meu destino
atormenta a certeza do porvir,
procuro fugir ao desatino
que a guerra provocou
e perco a visão do caminho
que outrora sonhei
quando peregrino
na cidade deambulei.

O tormento da vida
afigura-se além…
no meio das matas
percalços sem medida
e os milhafres
circulam nos céus
à procura de alguém
que caminha espavorido
e debicam os sonhos meus…

já lhes perdi o sentido…
e a vida neste desdém
traça-me o rumo
que percorro desprevenido.

Damba, Março de 1962
Joaquim Coelho
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... SEM TRÉGUAS
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Absorvo a mensagem da natureza
que promete um dia de sol…
os primeiros passos na mata
em trânsito entre o silêncio
que me arrasta o olhar castigado
pela angústia dos ausentes.

Como um solitário esquecido
nos dias vivo descontente
- porque até as asas esmorecem
e não perdem o jeito de voar…
sinto os companheiros absortos
nos pensamentos das noites de Luanda.

Por isso recusei sorrir à súplica
do olhar das crianças famintas
que ficaram abandonadas em Tabi
- uma dor tresmalhada que senti!
Era um olhar tão frágil e vazio
que até o calor ficava frio
e a fome secava as lágrimas
nos rostos sufocados em sofrimento.

Nem sequer me deixaram parar
para desprender o meu olhar
nos infelizes desprezados pelo vento
que atiçam a minha vontade
de acabar com esta ansiedade
e derrotar os que fomentam a guerra
que os bandidos semeiam nesta terra.

E não vou perder a dignidade
nem dar tréguas aos impostores
porque a gesta desta mocidade
dá lições a muitos doutores.
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Quibaxe, Dezembro de 1961
Joaquim Coelho
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... DESLUMBRAMENTO
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Resguardo no silêncio da memória
o sorriso que resplende a luz
dentro dos teus olhos…
Como um canto de tons lunares
é uma música doce da ventura
que me percorre o pensamento
e deixa deslumbrar o inígma
que incendeia as palavras de manhã,

anoitece e o fulgor da imagem
reflecte-se na vertigem do desejo
o coração esconde-se envergonhado
antes que o trigo desencante a fome
e o corpo dance com as sombras
nas noites calmas dos amantes;

respiro a luz dos teus olhos
tão audazes e penetrantes
que me despertam a vontade
de proteger-te dos abrolhos
que podem causar infelicidade.

Luanda, Janeiro de 1962
Joaquim Coelho
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