DESVENDAR OS ENREDOS
Ando com o corpo marcado
pela incontida ingratidão
da gente perdida na ilusão
de que guerra é coisa de soldado…
Há por aí muito mascarado
a vender os seus segredos
mas hei-de desvendar os enredos
que nos têm enganado.
Talvez o cheiro acre da guerra
os deixe sonhar em paz…
esquecem que tudo quanto se faz
pode deixar os sonhos na terra.
As prolongadas vozes em viagem
das silhuetas rastejantes
deixam-me emergir na miragem
da justa punição dos tratantes;
e se a amargura não encerra
as querelas que nos causam mal
deixaremos alastrar a guerra
e regressamos ao nosso Portugal.
Negage, Janeiro de 1963
Joaquim Coelho
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DIA TRIUNFANTE
Aqui… distante
sem ter ninguém a comentar
o meu sonho irreverente
para a tristeza disfarçar.
O sonho é sempre esperança
como uma fantasia ingrata!
Saudades do tempo de menino
quando caminhava seguro
pela mão de minha mãe
nada temia do futuro!
Agora… de corpo acabrunhado
e a alma triste e desalentada
ando ladeado de capim
galgando as matas agrestes
e arrastando a mochila.
Se eu pudesse contar as paisagens
e os seus verdores engalanados
sentado como de costume
no regaço de minha mãe
e conter as lágrimas amargas
nos olhos ainda toldados
pelas últimas visões da guerra
estaria feliz com mais soldados
a semear a paz nesta terra.
Mas eu hei-de voltar um dia
que não será muito tarde
para percorrer os caminhos
de odores nos campos semeados
e às crianças darei mais carinhos;
os olhos ainda semi-cerrados
abrir-se-ão com mais esperança
de encontrar dias de bonança.
Na transformação deslumbrante
gritarei aos cidadãos indecisos
a vitória da minha ventura...
Hoje é o meu dia triunfante
e vou distribuir violetas
para esquecer a desventura
sem o odor das pétalas pretas.
Luanda, Outubro de 1962
Joaquim Coelho
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O PÁSSARO FELIZ
O avião voou tarde e bem roncou.
Regressei ontem... aqui estou!
- Amor, andas embrenhado na guerra
e não encontras tempo para o amor!
Querida, mas hoje é domingo...
acordei como um pássaro feliz,
alegre por sentir esses lábios
de fogo... como sempre quis.
- Hoje não sinto o mesmo ardor
dos teus beijos... não eram assim!
Os teus lábios sabem a pólvora
e têm a secura do capim...
Põe as mãos nos olhos, abertos...
pergunta ao vento quem é o inimigo.
Abre os olhos como duas janelas...
cuidado com os sorrisos que semeias,
para eu não perder a esperança
que trago dentro do peito...
- Amor, eu não tenho outro jeito
para refrescar a tua boca...
e o meu sorriso é natural
como as flores que despontam
em qualquer jardim divinal...
Vou adornar-te com delícias
tomar-te pela cinta a ternura,
meu anjo de intensa formosura...
enquanto as tuas carícias
repousam na minha boca,
entro no segredo do silêncio
onde absorves a seiva louca
entrincheirada nos corpos
com leves aromas das flores...
assim acordámos abraçados
na efémera hora de amores,
aqui no jardim entrelaçados!
Luanda, Maio de 1962
Joaquim Coelho
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