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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

BOAS FESTAS

Aos amigos que cultivam a amizade
e saben estimar esse grande valor,
desejo Boas Festas e felicidade
junto dos ente queridos, com amor.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Poemas dos Tempos PT31

.. O MEU CAMINHO

Aqui nasci por mero acidente
no aconchego de boa gente
cresci tenro entre os prados
que me alimentaram o fervor
dos sonhos mais envolventes
e dos fardos que carreguei…
verde como os milheirais
cresci lesto até à espiga
que alimentou os sinais
do trabalho de formiga!

Muitos caminhos pedregosos
por estes socalcos sobrevivi
aos tombos pelos campos aprendi
a construir alicerces de vida
semeada pelo mundo além
nas estradas que percorri.

Desci à cidade para crescer
com promessas e novidades
movimentado até ao anoitecer
- o trabalho não olha a idades.

Aprendi a decifrar as vivências
experimentei o mundo invisível
sementeira de gratas aparências
nos caminhos do oculto, incrível!

Entrei na aventura do amor…
saboreei o fermento da emoção,
gestos enternecidos do sabor
que temperam o coração.

Muitos amigos, sem medida,
a dizer o rumo sem enganos…
esperança de vida construída
bem ao jeito dos verdes anos.

Penafiel-Termas de S. Vicente
Joaquim Coelho
«««««««


... OS PECADORES

Há algo que me atormenta
e me deixa horas a pensar…
com este profundo sentimento
de perder a força de lutar
no lado obscuro do tempo.

Sempre fui compreensivo
para com os pecadores
cada um sabe dos seus pecados
e também das suas dores.

Todos devem ser tolerados
mesmo aqueles que nos ferem
não fiquemos preocupados:
vão ter o inferno que querem!

Joaquim Coelho



... FERIDAS DA GUERRA

A força das armas venceu o sofrimento
que a guerra infligiu aos mancebos,
e as bandeiras desfraldadas na liberdade
hão-de vencer a onda de miséria
espalhada nas aldeias e bairros de lata,
razão porque derrubámos a ditadura
que para os mais pobres foi ingrata
e nos causou lágrimas de amargura.

Aos combatentes restam as feridas
das quais perduram muitas cicatrizes;
a dor maior da pátria humilhada
é saber dos túmulos esquecidos
onde ficaram os corpos abandinados
sob o clarão da lua iluminada
nas noites longínquas africanas.

Sente-se esta consciência absurda
condensando o perfil dos sentimentos
que nos prendem às mães coroadas
de mágoas duras e dilacerantes
que tolhem os melhores pensamentos
e a ternura de sairmos triunfantes;
quando saímos da guerra sem glória
e repudiados pelos escorraçados
sentimos a penumbra da vitória
sem vencedores nem derrotados.

Nos rostos sofridos dos coitados
vejo sinais de profunda humilhação;
aos seus punhais cheios de ódio,
lanço um olhar triste e piedoso
e amorteço o crepúsculo da manhã
com um cântico patriótico, surdo,
suavisando os risos do absurdo.

Ninguém se ufana com a desgraça
dos residentes nas terras de África,
muito menos servirá de chalaça
a acusação do cobarde abandono
quando outro poder tomou o trono.

Lisboa, Fevereiro de 1976
Joaquim Coelho
zx

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 27

.. ESPELHOS BAÇOS
.
Eu preciso reabrir as cortinas...
Preciso contar sonhos alucinados,
escancarar o inferno nas memórias
imersas nas picadas e nas esquinas;
perder o medo das loucuras
de todas as minhas amarguras
gravadas num fio de esperança!

Eu preciso entender as feridas
e os olhares ternos das crianças
que mostram a simplicidade...
preciso entender o delírio
dos soldados assustados...
mostrar ao mundo esmorecido
como ultrapassamos o abismo,
com o corpo rasgado...
irremediavelmente esfacelado!

Eu preciso mostrar ao mundo
os resultados deste poder imundo!
Testemunhos empilhados na vida
e o sangue perdido nas savanas
sem aproveitar à guerra perdida
por causas doutros sacanas...

Eu denuncio todos os horrores...
mas já me sinto perseguido
por defender os eternos valores
com firmeza... serei destituído?

Querem envolver-me no embuste
das verdades sem fundamento...
mas mantenho o meu juramento
para que o povo não se assuste
com a verdade empobrecida
que põe em perigo a nossa vida!

Pela verdade não temo o embate,
mesmo que agrave o meu infortúnio!
pois está latente outro combate
com as armas que temos na razão...
Serão tempos de medo, sangrentos
em cenários terríveis, de aflição
- já sinto os graves tormentos:
cravaram espinhos no meu coração!

Beira, Maio de 1967
Joaquim Coelho
««««««««««
.
... LAIVOS DE VALENTIA
.
Clamo à terra que absorve os líquidos
que se desprendem pestilentos,
dos vossos corpos já putrefactos
que nos atormentam a saudade
da vida jovial que já não tendes.

Esta ténue esperança na alvorada
vai animando as nossas vontades
para que levemos a mensagem da paz
até aos confins dos tempos,
enquanto sofremos nos corpos
os efeitos da distorção dos valores
e os povos de crenças ancestrais
almejam viver a sua libertação,
sem as grilhetas da escravidão.

Entrincheirado na selva de incertezas,
ouso afrontar as regras da hierarquia
e perguntar, com laivos de valentia:
onde estás liberdade luminosa
que busco em todos os quadrantes,
para sair desta estranha escuridão
gesta que a pátria renega ao poder.

Jamais poderemos ter contemplações
com os usurpadores das liberdades,
escabrosa corja de ladrões,
manipuladores das nossas vontades,
pseudo governantes doutros destinos,
nos cânticos de rançosos hinos.

Brilha a luz no firmamento do povo
que chora a desdita duma guerra;
as vontades lutam contra o estorvo,
sobem até ao cimo da serra,
e desfraldam a bandeira da liberdade
pondo fim à repugnante chacina.
As vozes clamam o fim da atrocidade
castigando essas aves rapina.

A claridade alastra nas fileiras
desta geração severamente sacrificada,
enquanto os povos dormem nas esteiras
e a raça vai sendo dizimada;
escapei das grades, por um triz,
contornei a selva de aldrabões,
em busca de cada dia mais feliz
com o nascimento de novas nações.

Então, meus companheiros de jornada,
os nossos mortos serão reconfortados,
os vivos recompensados na parada
e os oprimidos libertados.

Tenho vontade de gritar este protesto
que vai fervilhando dentro de mim
custa-me viver a guerra que detesto
enquanto os heróis chegam ao fim.

Nangade, Setembro de 1966
Joaquim Coelho



.. INCONFORMADO
.
Aqui, onde por descuido vivo
uma vida triste e ignota,
sou fiel ao meu sentir
e vejo a ambição idiota,
inconformada com os ideais
que fazem o mundo ruim
onde quero viver mais
com esperança dentro de mim.

Nas terras quentes e tropicais
rodeia-me a adversidade…
para não me sacrificar mais
quero ver com claridade
a razão das loucas paixões
nos seres mesquinhos e cegos
que atrofiam os egos.

Oh deus que comandas a vida
afasta-os do meu caminho
como os cães na despedida
longe do mundo mesquinho;
não defendo causas vencidas
nem vitórias ensanguentadas…
vamos tratar as nossas feridas
e construir novas estradas.

Com as melhores intenções
tento contornar a desgraça
nesta guerra sem rodeios
combato contra a chalaça
dos que morrem sem meios;
terei que escrever com sangue
para ficar na memória
a imagem do soldado exangue
que se finou para a história.

Beira, Janeiro de 1968
Joaquim Coelho
#######
.
.. FELICIDADE ESPERADA
.
Aqui, bem perto de mim,
vejo as sementes regadas...
mas o sonho não acaba assim
nestas lutas de sangue!

A luz das noites estreladas
há-de faze-las florescer,
nos pensamentos libertos
da mordaça e dias incertos
- causa do nosso sofrer!

E quando a guerra acabar
e sentirmos solta a mão
todos se poderão abraçar
dentro da mesma nação.

Lá longe, muito longe..
onde a humanidade mora
calam-se os tambores da desgraça
deste povo que chora
a mágoa da turbulência
que a metralha espalhou!

E os homens sem medo
cheios de esperança, sangrando,
quebram o silêncio do sonho
da África descolonizada;
estendem as mãos ao mundo
num desejo profundo
da felicidade esperada.

Mais crentes nos seus desejos
e nos sagrados valores
querem mais do que sobejos
para a vida sem detractores...
a paz é a força abstracta
que lhes pode dar razão.
E na pátria assim sonhada
saudamos os que lá estão!

Beira, Janeiro de 1968
Joaquim Coelho
.

Poemas do Tempo da Guerra 1


.. COMPLEMENTOS
.
Nenhum soldado está completo,
se não sente o corpo e o esqueleto!

Sabe bem porque existe...
respeita a morte alegre e triste;
faz a guerra e ama a paz,
na solidão dos ausentes!

Sacrifica a juventude fugaz
com altruísmo de tons diferentes;
fuzila os inimigos decadentes
e dá de comer aos pássaros
considerados seus iguais.

Empenha-se na luta contra o mal
defendendo a vida que tem,
eleva a nobreza dum ideal
e enobrece os amigos também.

Olha o firmamento com respeito
e vê nas estrelas o destino,
escuta o coração que tem no peito
como um mandamento divino...
ama a vida no reino da morte
e recomenda a deus a sua sorte!

Quibaxe, Dezembro de 1961
Joaquim Coelho


<<<<<<<<
.
... CAMINHOS do NORTE
.
Quando avançamos para o norte
com toda a força da nossa raça
não tememos mais a morte...
no regresso marchamos na praça!

Frente aos perigos das emboscadas
cavalgamos nos unimogues cinzentos,
e para cumprir as nossas jornadas
enfrentamos graves tormentos.

Avançamos até aos confins de Angola
com toda a vontade para vencer
os inimigos deste povo que se amola
e amassa o pão que não vai comer.

Nas rudes picadas do norte
onde entramos ao amanhecer
joga-se uma migalha de sorte,
porque a vida não se pode perder.

Uma missão nos braços da pátria
que me vai incitando a avançar,
na convicção de que é mátria
esta estranha forma de consolar.

Negage, Julho de 1962
Joaquim Coelho




... O REGRESSO
.
Depois da luta
há sombras escuras
numa estrada incerta
longa, triste
chamada vida.
E estas cabeças
sentem o delírio
duma vitória
que nos traz glória
com o martírio...

Fatos de tons viris
cobertos de terra cinzenta
em corpos joviais
com os rostos amarelados
cobertos de poeira.
As bocas cheias de sede
maldizem das matas
amaldiçoam o tempo
e fazem o chinfrim
contra a aspereza do capim!

Depois... voltam
de espírito puro e enfunado,
prazenteiros de alma
de corpo maltratado
e ternos de coração
numa camaradagem infinda!

É o regresso...
Para trás ficam negras dores
mas nas suas veias... ainda
corre o sangue generoso
da mocidade sem flores.

Pára-quedistas - “bichos do capim”
Combatentes - fantasmas.
“Páras” arrojados
todos iguais, com a mesma sede
com a mesma alma, determinados!
“Páras” cinzentos, sujos e feios...
“Páras” da morte e da glória,
Homens das alturas
da guerra e da paz.
Homens de todos os destinos
no rumo dos seus hinos
largados no espaço etéreo
desafiando a morte
combatendo e sonhando...
sempre sonhando...
com melhor sorte!

Angola-Quicabo, Fevereiro de 1962
Joaquim Coelho
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.
.... ACESSOS
.
Ao enrolar os ramos da bungavília
na escuridão dos teus cabelos
senti o respirar ofegante...
sinal da entrega em movimento
dos corpos à espera do instante
do sussurro que quebra o silêncio,

as mãos já urdiam com mestria
o lençol lindo onde te estendes
e os dedos farejavam a penugem
ao poisar a glande entesada
nas carnes aveludadas do teu ventre,

o tempo rompeu os meus sentidos
mergulhados em estranhos ruídos
e depois de vasculhar os acessos
sinti os teus braços travessos
contornar o meu corpo desmaiado…

ia alta a noite e o tempo gozado
deixou-me ficar descompassado.

Mussulo, Setembro de 1962
Joaquim Coelho
.

sábado, 4 de setembro de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 30

... A VIAGEM
.
Vou ao Negage lá no sertão
a cavalo numa lagarta
que me aconchega na carlinga
em forma dum avião…
a gente anda que se farta
até ao gigante que voa
aqui bem longe de Lisboa.

Tanto pó nas secas picadas
deixam os olhos lacrimosos!
Em Luanda ficaram chorando
na saudade das loucas noitadas
os nossos amores gostosos...

Já sinto o rumor da raiva
contra os facínoras do bando
que nos faz perder a seiva
causa profunda tristeza
e desgasta a casta emoção
nos trilhos da incerteza
com direito a um caixão.

Não somos imunes às balas
com mortífera precisão…
mesmo insultados pela vileza,
não abandonaremos as malas
dos pobres que estendem a mão...
já sentimos o rigor da pobreza
que agoniza os filhos da nação.

Luanda, Novembro de 1962
Joaquim Coelho
#####
.
.. ACORDES DA MUDANÇA
.
Sinto uma estranha penumbra
a ofuscar as coisas soltas
que trago perdidas na memória:
o misterioso aconchego da mente
prenuncia tempos sofridos...
sinais que muita gente sente
perturbadores da nossa história.

A mente não se cansa da verdade
que afronta muita cobardia
e alguma falta de humanidade
no trato cada vez mais grave!

Abro a mão com esta achega suave
para as carpideiras da desgraça...
não serão os briosos combatentes
a esquecer a dimensão da raça.

Podemos estar descontentes
nesta luta contra a ansiedade;
pois há por aí muito sacana
a achincalhar o brio e a vontade
dum povo que muito se ufana
na defesa dos nobres valores
e de Angola com bons gestores.

Somos a geração que trava a luta
contra a desgraça e o perjuro...
as excelências tramam na sombra
os alicerces de qualquer futuro,
tratam-nos como filhos da puta,
poluem os valores da sociedade
e corrompem a nossa vontade.

Luanda, Março de 1962
Joaquim Coelho


Poemas da vida

Da vida tenho tudo quanto é possível: aventura, viagens, trabalho, amor, fantasia, família, amigos, memórias boas e más, doenças e curas; vou deixar neste espaço parte dos poemas escritos nas mais variadas situações emocionais que um ser humano pode ter. Tempos de viajar, tempos de amar, tempos de guerra e sofrimento, tempo de paz e convívio salutar com os amigos, tempo de desporto e aventura, tempo de reflexão e tempo para descansar.
.
A CAMINHO

Eu já mereço deleitar-me
em sonhos
onde te vejo, enfim!
Fico a cismar nas falas meigas
que me envolveram assim
na doçura do mel
e o coração sorridente
nas horas da leitura do papel,

atravesso a selva densa
nesta impiedosa jornada,

Eu hei-de chegar aí
oh minha amada...
com o coração bem aberto
na floresta não me perdi,

eu vou pelo ar
que fica mais perto.

Maquela do Zombo, Setembro de 1962
Joaquim Coelho
.
.
.. ATRACAGEM

Quero apenas regressar límpido
para escutar a voz dos ventos
regeneradores da minha alma;
vou renovar os sentimentos
dentro do meu corpo cansado,
absorver a beleza com calma
persistir no desejo sonhado
na esperança próspera da vida
que encontro nesta viagem
onde esperas, rosa florida,
os meus braços de atracagem.

O encantamento dos teus olhos
sempre cheios de magia
tão reais como os abrolhos
cobertos de poesia...

Gestos longos que gozámos
com a vida em fantasia
sempre que o teu corpo se deita
no horizonte dos meus olhos
logo o deslizar dos dedos
vai de encontro aos teus seios,
neste encanto dos desejos
dos corpos entrelaçados,
os olhos são diamantes
nos rostos esfomeados
jóia mágica dos amantes.

Luanda, Fevereiro de 1963
Joaquim Coelho
.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 29

.. AS MINHAS DORES
.
Penso em ti, solitário
cumprindo o meu fadário
nas horas sofridas…
nas matas de Miteda,

horas de dor e amargura
que compartilho, em memória,
(porque não me sai da lembrança)
o bálsamo dos teus odores.

Assim escorraço as minhas dores
para os longes do infinito…
e para abafar meu grito,
a alma precipitada
corre mais apressada
para o semblante dos teus olhos.

Penso em ti… nesta ausência
da mansidão dos teus afagos
para que não me faltem
os dons da força e da resistência
para vencer cada dia
que passo nesta aventura
entre as savanas de Muidumbe
com a boca em grave secura
e o corpo quase sucumbe
envolvido na amargura
dos dias sem esperança.

Penso em ti… fugindo ao sofrimento
quando os sonhos vão no vento
que me trazem calafrios…
ao acordar de olhos baços
pelo companheiro com os pés frios
que transportei nos meus braços.

Nangololo, Setembro de 1967
Joaquim Coelho
««««««««««
.
.. APRONTAR O DESTINO
.
Aqui perdido na savana,
invento um mar com ondas calmas
o vento e um barco à vela
algumas aves para me acompanharem
e a estrela do sul para me guiar
até à terra da minha saudade.

Não sei se tens o dom de sonhar
enquanto me esperas…
mas sei que não posso prender-te
dentro de mim…
para alcançar a liberdade
tenho que libertar o pensamento
e mitigar o absurdo da guerra.

Lutarei até ao fim
para que a nossa felicidade
se liberte deste tormento
que me faz rastejar na terra.

Tenho que libertar a força
que trago dentro do peito
combater escabrosos inimigos
ladinos como uma corça
na guerra do preconceito.

Mueda, Novembro de 1967
Joaquim Coelho

.. BRISA SUAVE
.
É infinito o sonho da vida
quando o coração bate docemente,
perdura a amizade sem medida
e o corpo sabe quem está ausente.

Os instantes em que aferi a imagem
que desenham as palavras de apreço
foram breves como se fizesse a viagem
com a simpatia, um precioso adereço.

A tua voz doce prolonga-se no espaço
e deixou eco nos meus ouvidos,
deu o timbre ao poema que faço
quando a imagem desliza nos sentidos.

Habitas no aconchego da memória
onde se renovam momentos de ventura,
o melhor desta benevolente história
é o sorriso calmo da minha ternura.

Não sei se entendes a brisa suave
que difundes dos olhos fascinantes,
mas não consideres pertinência grave
quando os sentidos estão distantes.

Nacala, Dezembro de 1966
Joaquim Coelho
<<<<<<<<
.
.. VENTO MARULHENTO
.
Na trajectória sinuosa e devastadora
desenvolve-se a força regeneradora
da razão fútil do nosso combate…
é fraco o estado psíquico de todos nós
quando sentimos os toques a rebate
no enigma dos genes de nossos avós.

Criativas faculdades me fazem viver
na ambivalência da generosa memória,
que anima a vontade deste meu querer
quando está longe a certeza da vitória.

Ainda prisioneiro da Páqtria-lusa,
acariciado pelo canto da deusa-musa,
vou-me despindo do místico preconceito
e lanço ao vento os incómodos espartilhos
que na guerra me deixam mal refeito
das fatídicas emboscadas nos trilhos.

A luta trava-se no conceito da verdade
onde a ambição cruel e desmedida
destrói os melhores valores da sociedade
e a ética enfrenta uma guerra perdida.

Macomia, Novembro de 1967
Joaquim Coelho
.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 12

.. NATAL DOS DESENGANOS
.
Natal de profundo tédio...
onde a minha tristeza se amortalha!

A esta amargura não há quem valha...
a solidão e a morte amedrontam
na hora da tormentosa batalha
que ensombram a luz dos meus dias.

Treme o coração e vão-se as alegrias
nem sei se esta paixão aguenta
um cenário com tamanha tormenta.

Os sonhos não passam de quimeras
neste Natal sem uma réstia de claridade,
com as dores do tempo da mediocridade
já nem sei porque me esperas...

Um Natal assim, longe do mundo,
a marcar o rumo negro e funesto
limitando o meu sentimento profundo,
atira-me para o ambiente que detesto:

bichos misturados com seres humanos,
mistificação das acções determinadas
e os confrontos de virtudes caluniadas
agravam os tormentos e os desenganos.

Luanda, Natal de 1962
Joaquim Coelho
>>>>>>>
.
.. TEMPO DE PAZ
.
Como as bestas no deserto
percorro os trilhos das matas tropicais
à procura do tempo de paz
onde possa amar no silêncio
da felicidade que invento.

Pergunto aos pássaros que passam
por onde é o caminho p’ra liberdade
que nos anime os dias de ansiedade
e traga o sonho em noite de cacimbo
onde os rumores do vento infiltrado
cantem a verdade deste desejo
descoberto nos lábios da lucidez
que a vida cultiva na tua nudez.

Antes de sucumbir à fúria das balas
queria passear pelo teu ventre
e apertar-te nos meus braços mansos
até descobrir a razão deste amor
que me cativa o coração.

E logo ao entardecer…
de regresso ao reboliço da cidade
vou embebedar-me de beijos
e espairecer na praia da Corimba
saborear o bico dos teus seios
como a natureza debica a terra
para a fertilizar com as sementes
que a espiga debita longe da guerra.

Luanda, Outubro de 1962
Joaquim Coelho




.. ACASALAMENTO
.
Hoje estou disponível para o amor!
só de pensar que estás por aí…
fico feliz, receoso dos dias
em que me assalta a saudade.

Aí princesa… quem me dera
que o amor fosse uma quimera
espalhada pelo vento da manhã!
Pois perceberia que na Primavera
o som do chilrear dos pássaros
que se apressam a fazer os ninhos,
quando é chegado o momento,
simplesmente, porque o cio
atiça as labaredas do acasalamento.

Palpita-me que imitando os pássaros
vou encontrar os esconderijos secretos
para deleitar-me nos teus braços
irremediavelmente abertos ao amor
construído no silêncio do desejo.

Finalmente, verei a luz no teu olhar
que me guiará com a sensualidade
assumida nos contornos do corpo
a desnudar-se frente ao espelho
talhado dentro dos meus olhos…
onde um raio de vida inesgotável
se afirma nos sussurros de cada noite.

Luanda, Setembro de 1962
Joaquim Coelho
»»»»»»»
.
.. POEMA dos DESENGANOS
.
Embarcámos na noite escura,
como de costume...
em busca do amor que escasseia,
já pressentia
a noite que se refugia
no negrume dos sonhos sem mistura
dos gestos secos, inconfundíveis,
e a coisa dura,
na curta história dos corpos fechados
com emoções invisíveis…

corpos vadios e fingidores,
entrelaçados nas nossas dores,
passam o tempo em volta de nós,
bocas serenas quase sem voz;
roliça, danças feliz, quase louca,
se queres servir-te de coisa pouca,
aproveita que não é tua...
antes que eu saia, e apague a lua!

Luanda, Janeiro de 1962
Joaquim Coelho
.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 28

O AZIMUTE

Olho as estrelas do sul
como guias do meu caminho,
é um longínquo quadro azul
onde não encontro o azimute
que me desvie deste deserto infernal
desta vida onde se passa mal!

Queria fugir da prevista degradação,
deste disparate de vida ajavardada
em que nos atolamos, perdidos
no destino que a governação traça
para indignação da nossa raça.

O sol atinge-nos sem dó
nesta terra pardacenta...
onde as vagas de calor e o pó
nos secam a garganta...
navegamos até ao esquecimento
da razão da nova jornada!

O pensamento voa com o vento
e as saudades... tantas, tantas
olhos postos na distância
que nos separa da terra-lusa...
emoções fortes da nossa infância
onde a vida era mais difusa!

Em cada momento desafio o futuro...
neste percurso difícil e sinuoso,
tudo fica suspenso... mais duro
e o corpo em movimento ondulante,
abriga-se à sombra do cajueiro mimoso,
para absorver a força dum elefante...

Assim peço que o milagre aconteça
enquanto tenho o futuro à espera,
quero que a vontade não esmoreça
porque da morte ninguém recupera!

Macomia, Abril de 1967
Joaquim Coelho
»»»»»»»»»»»
.
.. ANOS PERDIDOS
.
Poderemos parar os tormentos
de tantos anos perdidos?…
são imensos os lamentos
onde os tiros ferem os ouvidos.

Espero que o anjo-da-guarda
limpe as almas do purgatório
e dos caminhos poeirentos…
trilhos do silêncio com farda!

Antes peregrinos cansados
do que defuntos encaixotados
com uma anotação mentirosa
a enganar os que choram a perda
sem um lamento de protesto!

Na guerra onde somos presentes
só os deuses estarão inocentes...

Macomia, Abril de 1967
Joaquim Coelho





... AS PALAVRAS
.
Mergulhado na ansiedade dos aflitos
sinto-me misturado na revolta
dos que vivem mergulhados no medo…
é nos olhos que ouço os gritos
dos náufragos presos à amurada
e o navio a despedaçar-se na escuridão
das vidas que não têm pão.

Parado como sentinela vigilante
uso as palavras como espadas
para desventrar o vício da paciência
que faz de cada cidadão emigrante
a viver nas mãos dos escroques
quando os trapaceiros das desgraças
montam ciladas em todas as praças.

Não será patriótico fugir à guerra
abandonar a labuta na sua terra
e seguir a aventura da emigração;
acantonados na estranja da fartura
que a pátria lhes nega na eleição
fogem das aldeias da noite escura
e deixam os filhos numa aflição.

Aqui distante dos melhores amigos
deixo as palavras de consolação:
procurai nas portas e nos postigos
os caminhos da ditosa liberdade
e defendei-a com natural convicção
todo o esforço merece a felicidade
no trabalho que enobrece a nação.

Beira, Junho de 1966
Joaquim Coelho
#########
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.. COR MEUM
.
Não lamentes a tua sorte
espírito que andas descontente…
o coração não teme a morte
mesmo na linha da frente.

Coração que vais sofrendo…
Acredita no futuro que desejas
não insultes nem faças queixas
e ama a vida que vai correndo.

Destes tormentos dolorosos
a que a guerra te obrigou
ficarão apenas sons ruidosos
e alguma mulher que te amou.

Quando o sol aparecer brilhante
iluminando os dias de candura
sentirás vontade de reviver
as memórias de vida dura.

Se repudias a falsa glória
sem remorsos por sobreviveres,
deixarás escrito na história
que cumpriste os teus deveres.

Não lamentes a sorte, coração!
saberás encontrar o caminho
longe do combate sem razão
e sem o ideal mesquinho.

Cada estrela indica um norte
e não dês queixas do vento,
se lutaste contra a morte
vencerás qualquer tormento.

Beira, Fevereiro de 1968
Joaquim Coelho
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