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sábado, 3 de março de 2012

Poemas dos Tempos - Portugal 85

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     TRATADOS DE ROMA

Nunca o imperador César Augusto
conseguiu dominar os lusitanos
nem a generosa protecção de Zeus
entusiasmou este povo da terra
que nos legaram valiosos feitos
nos descobrimentos sem causar dano
ensinaram o cultivo sem guerra
e outros modos de vida mundano.

A eloquência dos cânticos a Ovídio
conjugados na prosa de Horácio
não conseguiram enganar este povo
que sempre confiou no seu querer
sem se deixar embarcar na penosidade
dos males que a estranha divindade
prometia com os invasores romanos.

Nunca pensaram encontrar o inferno
dos subsídios que os tratados ofertam
para desmantelar as hortas e as searas
e deixarem o povo à mercê da loucura
das convenções que nunca acertam
p’ra manter os campos com verdura.

Perdido o esplendor da natureza
ficamos à mercê dos mecenas europeus
que aniquilam as últimas sementeiras
abatem os barcos com os camafeus
e traçam as incertezas do futuro
do meu povo penhorado e sem jeiras
assombrado no perjúrio do escuro.

                   Ermesinde, Março de 1996
     Joaquim Coelho



        A SELVA

Nesta selva de aldrabões
que se agigantam na gestão
das nossas vidas colectivas
não há lugar para os fracos
nem tempo para contemplações
dos direitos demolidos
que nos causam aflições
e mais passos perdidos!

Eis que chegou o momento
de saltarmos a barreira
e atirarmos para a lixeira
os malfeitores que abundam
na sociedade desmiolada
onde somos espezinhados
até às minúsculas células,
maltratados e escravizados
sem direito a reclamações
a vida já é um tormento
no inferno das maldições.

No mundo de leis proféticas
onde abundam os aldrabões,
não faltam as cenas patéticas
na dança desses sabichões.

  Joaquim Coelho






   SILÊNCIO NO OLIMPO

Dedilhando a harpa do tempo
os sonoros timbres a vibrar
correm sem o contratempo
na busca do mais sereno lugar.

A ninfa de lábios mimosos
de encantos no olhar gentil
dá beijos doces e gostosos
como um presente de Abril.

Não lhe ofereço taças de oiro
só uma profunda amizade
que faça de nós um tesoiro
e o eco da fraternidade.

O Olimpo é a nossa mansão
cheio de estrelas formosas
e as almas são como são
mesquinhas e melindrosas.

Sentem-se as ondas do mar
bater nos olhos com receio
do teu corpo singelo quebrar
e ficar o meu de permeio.

Silêncio no Olimpo da vida!
as aves aplaudem calmamente
perante a turba aturdida
e a realidade inconveniente.

Há nobreza nos laços de amor
que fervilha aos turbilhões,
porque fomentam tanta dor
e distorcem o sentir dos corações.

Oh ninfa, formosa companheira,
acautela-te das vozes inconstantes
que na sociedade rotineira
nos atingem em todos os instantes.

Enaltece os princípios nobres
movendo os desejos ardentes
e deixa vibrar o que encobres
nos gestos curvilíneos e ardentes.

     14.4.83
Joaquim Coelho
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..  

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Poemas dos Tempos - Portugal 84

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          PORTAGENS

O homem que vende gelados
aumentou o meu desgosto…
em vez de gelados de chocolate
traz só caramelos podres!
acho que é grave ingerência
nos meus gostos de guloseimas;
incomoda-me denunciar
essa cambada de políticos
candidatos a gastos ricos
que nos levam à miséria.

Os cobradores adormeceram
na desordem das finanças…
mijo na berma da estrada
e nos cruzamentos com rotundas
só para não pagar as portagens!

Incomoda-me viajar ao tostão
e pagar os chips obrigados
com controlo sobre as cabeças
dos cães-polícias algemados
às matrículas com registo
e as viaturas visionadas
com liberdades condicionadas.

Joaquim Coelho





       DESAPERTAR O LAÇO

É nos silêncios íntimos e sagrados
que ouvimos gritos desesperados
sem a força da coragem
para cantarem hinos á liberdade…
na atmosfera de garganta apertada
onde se humilham os enganados
incoerentes com a sociedade.

Mas há muitas portas abertas
sobre o espaço do medo
que nos tolhe o futuro…
se não nos manifestamos
nem mostramos descontentamento
sentiremos a fadiga e o cansaço
que nos sufoca o pensamento
e aperta o silencioso laço!

Antes do silêncio da madrugada
teremos a esperança em movimento
abrindo um sorriso ao mundo
dando alento ao futuro suspenso.

 Joaquim Coelho






              FEITIÇO

Não sei se é encanto
ver tanto encantamento
desprendido no teu pranto
que me prende o pensamento,

é um amor que se prende
em cada dia que passa
mas essa avareza me ofende
o coração que se enlaça,

sou um solitário convertido
à adoração do teu semblante
porque também tenho sofrido
por continuar no rumo errante,

se queres quebrar o enguiço
e aceitar os meus versos
deixa-me beber o feitiço
que tens nos olhos travessos.

   Joaquim Coelho
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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Poemas dos Tempos - Portugal 83

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.        DESEJO INFINDO

Se eu usufruísse do poder
decretava o fim do servilismo
e abolia o reino da estupidez
que sufoca os domesticados
e os deformadores de ideias;

mandava queimar a língua
dos seres maledicentes
   escroques caluniadores
mias reles do que delinquentes
causadores de graves dores.

Se eu tivesse o poder dos átomos
fundia os risos ridículos
atirados com escárnio
contra os pobres deficientes,
electrizava a atmosfera letal
para os indignos difamadores
corruptos da manjedoura fiscal
que dão tacho aos bajuladores.

Se eu gozasse de poder real
     sem glória e sem vaidades
semeava artistas da natureza
     o sumo das celebridades
artes com enlevo da pureza
talentos sem preconceitos
     capazes de grandes feitos
no aperfeiçoamento da ciência
premiava os mais honestos
impulsos da inteligência.

Se eu tivesse mais poder,
     sem desprezar a inovação
difundia a ética formal
     elaborada no coração
limpava os caminhos da cultura
que a obscuridade destrói,
elevava os padrões do mérito
e da criatividade genial…

Não invento metamorfoses
      na sociedade bestial,
mas tenho a forte convicção
de levar melhor a vida
com respeito pela evolução,
por ver a causa perdida
corro atrás dessa ilusão! 

Joaquim Coelho




      AOS INDECISOS

Tu que foste chicoteado com ódio
e arrastado no chão das prisões,
não fiques espetado na rua.
Salta as barricadas do pódio
e apaga as labaredas e vulcões
porque a revolução é tua…
e estão à solta os aldrabões.

Vós que fostes humilhados
e severamente torturados
nas noites que se não dorme
por causa de fortes convicções,
lutai ao lado das bocas de fome
até que a liberdade esteja nua
e o ranger de dentes dos opressores
se ouça bem em cada rua.

Vós que semeais as searas
e comeis o pão da escassez,
não pareis para ser derrotados,
nem descanseis na sensatez…
estão a regressar os desertores
para comerem os bocados
que o povo cultiva com dores.

        Seixal, Março de 1977
Joaquim Coelho




     PERDIDO NO CAIS

Ainda apático e friorento
sinto-me embarcar na mansidão
do teu olhar cintilante...
é um novo encantamento
que me abraça neste instante.

Não me queiras enfeitiçar
sobre as águas do mar...
os pés firmes nas pedras
do cais onde se embarca
têm o enlevo fascinante
e os odores da tua marca.

Esta noite, longe das trevas
com um novo encantamento...
o feitiço sensual e envolvente
prende-me no enlevo fascinante
da gruta onde chego primeiro
dentro da noite de nevoeiro!

Joaquim Coelho
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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Poemas dos Tempos - Portugal 82

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     SALVAR A NAÇÃO

Ao vermos reunir a hierarquia
não podemos continuar na ilusão
deste modelo de democracia…
agrava-se a fissura dolorosa
nesta desordem da traição
ordenada pela máfia tenebrosa
que falseia a paz e corrói a calma
inventa e disfarça a imagem
deste país sem alma
dominado por servis lacaios
que aprofundam a desigualdade
e reprimem a liberdade.

Dizem querer salvar a nação
com os poderes desconexos
e leis de extrema humilhação
dos cidadãos que produzem;
com os discursos convexos
tentam enganar os incautos
mas as palavras só seduzem
os seus mandarins arautos…
nem os parasitas ferozes
calarão as nossas vozes.

A injustiça que nos afronta
os ânimos e a acalmia
terá sempre resposta pronta
nas jornadas de cada dia.
Os discursos são indigestos
e os salários são de penúria
porque só ficam os restos
para aumentar a nossa fúria.

Quem mendiga os seus direitos
e sente o ultraje da repressão
não dará tréguas a esses sujeitos
que sugam o sangue e o suor
até nos atirarem p’ro caixão.

Joaquim Coelho
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     AS FACES DO OCULTO

Acreditar nos fantasmas do além
é aceitar o enredo da ocultação
que uns senhores da ladroagem
usam nas manhas da extorsão.

Aos ladrões faço um manguito!
uso raros truques de magia
para entender o país roubado,
mas vou perdendo a habilidade
de decifrar o fim do teorema
da trama dos finos arguidos
que tratam de chorudos negócios
e a justiça perdida no esquema.

Hei-de arranjar um sistema
para deitar mão aos ladrões…
vou construir um teorema
e desmontar a comandita
que se apodera do país
onde a secreta maldita
oculta essa corja de gestores
montados no orçamento
que nos faz mais devedores.

Peço aos cidadãos enganados
para mudarem de planeta…
cada vez mais espoliados
com a roubalheira pegada,
sendo a justiça uma treta
vamos tratá-los à bastonada.

        Valongo, Novembro de 2009
Joaquim Coelho






     NOITES ATRIBULADAS

Um gemido deleitoso ecoa
    na fronteira dos guettos
    - recanto esburacado da cidade –
e os corpos das donzelas impúberes
se agitam com gestos sedutores
no silencioso gesticular das ancas
ondulantes fontes dos amores…

Corpos aparentemente aconchegados
no recôndito dos sentidos hirtos
sem medo da devassada intimidade
saciam a carência da verdade
    onde os encantos mágicos
    premeiam a génese do Amor.

Segredos de alcovas luxuriantes
    de apetitosas madames emplumadas
emergem das noites perfumadas
cheias de harpejos deslumbrantes
e armadura de cambraia reflectora
    nos olhares dos meliantes
em cama alheia acolhedora.
 
Os ventres ansiosos e sedentos
     da frescura sumarenta
absorvem o líquido fecundante
empinado na calçada lamacenta
     com tanta sofreguidão
que o harpejo ejaculante
se contorce de gostosa emoção.

O contra-senso virtuoso dos amantes
encontra-se no amor flutuante…
      muitas vezes sem retorno
que devassa o instinto de quem ama
e deforma a razão de tanta entrega…
     um acasalamento morno
     quando se apaga a chama!

A orgia dos maldizentes alcoviteiros
    ostentada nos aparatos das janelas
deleita-se nos contornos das alcovas
de carnes recolhidas nas vielas…
    ambição das frutas novas
    em dias de fluxo menstrual
a convergir no gesto erótico-sensual.

A profundeza da consolação onírica
acasa-la no desejo de amar
além do sentido da devoção
     no enlevo do cio acrisolado
que transforma os gestos e impulsos
em gozo de profunda emoção
    dentro do corpo aliviado.

Os sucessivos orgasmos mornos
    expressos nas longas fantasias
movimentam as nervuras sedosas
    adornos das saborosas orgias
saciando os órgãos entesados
servidos nos cais conspurcados
    aos noctívagos forasteiros.

A contra-verdade deste império
está nos montes de carne pétrea
    trémula e desnaturada
que provoca agonia no reparo
    fantasia quente e masturbada
em lufadas de gozo às debutantes
que lambem o néctar mais caro.

O sentido destas vidas perdidas
    sem compromissos formais
oscila entre a sarjeta funcional
e a carícia fria e mecanizada
afinada no encontro ocasional
    momento de gozo gotejante
na caverna tenra da debutante.

O drama adensa a marginalidade
dos contactos inseguros e frios…
enchem-se os ventres contorcidos
das donzelas impúberes desprevenidas
     presas às ciladas da vida
amarguradas com o destino infeliz
rendidas à solidão das avenidas
     onde esperam que nasça o petiz.

(viagem nas noites lisboetas)
Joaquim Coelho
 ..
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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Poemas dos Tempos - Portugal 81

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      ÀS ARMAS!

A embriagues do chinfrim
ao toque do clarim…
os soldados correm, correm
    na dureza da parada
evitando a severa “ecada”
para cumprir a convenção
todos rastejam no chão…

Uns são especialistas
outros pára-quedistas
alguns mais comodistas
e os que não estão nas listas
habilidosos no desenrasca
matreiros a dar à casca.     

Filhos de muitas mães
mal ou bem amamentados
são os alegres soldados
prontros para os enredos
das mais inóspitas regiões
onde desvendam os segredos
na eficácia das missões.

        Tancos, Junho de 1961



     AS FACES DO OCULTO

Acreditar nos fantasmas do além
é aceitar o enredo da ocultação
que uns senhores da ladroagem
usam nas manhas da extorsão.

Aos ladrões faço um manguito!
uso raros truques de magia
para entender o país roubado,
mas vou perdendo a habilidade
de decifrar o fim do teorema
da trama dos finos arguidos
que tratam de chorudos negócios
e a justiça perdida no esquema.

Hei-de arranjar um sistema
para deitar mão aos ladrões…
vou construir um teorema
e desmontar a comandita
que se apodera do país
onde a secreta maldita
oculta essa corja de gestores
montados no orçamento
que nos faz mais devedores.

Peço aos cidadãos enganados
para mudarem de planeta…
cada vez mais espoliados
com a roubalheira pegada,
sendo a justiça uma treta
vamos tratá-los à bastonada.

        Valongo, Novembro de 2009
Joaquim Coelho
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     GARRAS DO PODER

Garras dos governantes soberanos
ditam leis que causam danos
na vida dos servos machos,
de tão arrogantes e sem vergonha
são uma praga de peçonha
agarrados aos melhores tachos.

Ao suprimirem reais direitos
do futuro que é o nosso
ficar quieto não posso
nem ignorar a voz da razão
dos portugueses patriotas
que deram luz à libertação.

Essa gentalha da política podre
engorda que nem um odre
e já arreganha os dentes
aos ingénuos combatentes
de espingardas feitas de cravos
trata-os como indigentes
e fazem dos cidadãos escravos.

Contra a injustiça medonha
que nos causa sofrimento
e sobressaltos na velhice
não aceito a ladainha enfadonha
da conjuntura da nação…
porque será grande tolice
dar tréguas a essa escumalha
sem pensarmos na insurreição.

Abril de 2007
Joaquim Coelho

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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Poemas dos Tempos - Angola 80

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              PRECES

Nesta noite que não termina mais
sinto a alma esfacelada...
com o corpo aos trambolhões
gritando bem alto os seus ais!

O ribombar das detonações
em diedros devastadores
incendeia o ódio e o terror
e destroça os corações...

Asas nos céus em tons de prata
por cima dos morros de Quicabo
deixam um campo de cadáveres
pintados no quadro que não acabo
antes do alvorecer tempestuoso!

E as mães de coração ferido
deixam espalhar na floresta
o clamor do seu grito dolorido
ao perderem o sangue que resta.

Vejo a criancinha estonteada
no meio do fogo da sanzala...
com o fumo a encobrir o dia,
reneguei a farda enlameada,
perante o temor duma bala
perdi todo o fulgor de valentia!

          Quicabo, Março 1962

    Joaquim Coelho





              PRECES

Nesta noite que não termina mais
sinto a alma esfacelada...
com o corpo aos trambolhões
gritando bem alto os seus ais!

O ribombar das detonações
em diedros devastadores
incendeia o ódio e o terror
e destroça os corações...

Asas nos céus em tons de prata
por cima dos morros de Quicabo
deixam um campo de cadáveres
pintados no quadro que não acabo
antes do alvorecer tempestuoso!

E as mães de coração ferido
deixam espalhar na floresta
o clamor do seu grito dolorido
ao perderem o sangue que resta.

Vejo a criancinha estonteada
no meio do fogo da sanzala...
com o fumo a encobrir o dia,
reneguei a farda enlameada,
perante o temor duma bala
perdi todo o fulgor de valentia!

          Quicabo, Março 1962

    Joaquim Coelho

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             MALDITA ESPERA          

Terás sentido a chama flamejante
que atiçou o fogo desta paixão?
não chegaste a descobrir as delícias
do coração encantado na tua beleza;

os encontros não podem ser secretos
mesmo longe das convenções
quando os corpos sentem o fervor
entrelaçados no gozo da luxúria
que redime o delicioso desassossego
das loucuras da paixão com amor.

Longe da maldita inquietação
num espaço de rara tranquilidade
gostava de ter o faro de um cão
para não perder tempo com os desejos
que me deixam desgraçadamente
à espera dos teus deliciosos beijos!

Não me poderás imolar sem dor...
só porque gosto da verdade no amor
e da ternura sentida com esmero
podes sacrificar-me o corpo sofrido
sem o lançares no cais do desespero.

   Luanda, Dezembro de 1961
Joaquim Coelho

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sábado, 10 de dezembro de 2011

Poemas dos Tempos - Angola 79

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 O REGRESSO DO GUERREIRO

                       1
Na noite fresca das memórias
impressas no fervor do combate,
atrevo-me a percorrer a picada
   fugir ao abandono da vida...
enterrar a violência em movimento
   até sarar a dolorosa ferida!

Abrir novos caminhos ao vento,
resgatar os corpos abandonados
reabilitar a alegria dos soldados; 
construir caminhos longos, serenos,
    límpidos dos ódios e da morte;
absorver o sol nos dias amenos
desvendar as atrocidades do norte
construir um barco transparente
e embarcar em paz com toda a gente.
          
                           2
O regresso é motivo de alegria,
mesmo ao toque da metralha,
quando é passado mais um dia
sem cair na sepulcral mortalha.

  Na chegada o abraço da malta
  e a alegria do silêncio sobressai,
  do companheiro noto a falta...
  até o bater do coração descai.

É bom adormecer na nossa cama...
acordar com o cantar primaveril,
é a manhã soalheira que me chama
... logo, estarei longe do Grafanil.

                    Quicabo, Janeiro de 1963

Joaquim Coelho




      UM DESAFIO    

Daqui lanço o desafio espiritual
contra os oportunistas das emoções
desavindas nos atalhos da cultura;
revelo ao mundo inteiro, afinal
o propósito da campanha absurda
engajando colonos em noite escura
que vagueiam por aí desatinados...

Acabe-se com a ignorância lusa
que campeia nos novos desalojados
arrabanhados nas humildes aldeias;
atraídos pela promessa difusa
das colheitas despidas de ideias
em terras onde o lucro é uma trama
com gente ignóbil que os  engana.

Este é o meu sério desafio à vileza:
difundir a razão dessa incerteza
que paira nas terras de Angola
e combater os que vivem à gola!

A verdade tem a grande nobreza
de evitar que as dolorosas lágrimas
vos deixem abatidos na pobreza,
enquanto os mortos inocentes,
se acomodam à luz dos crentes.

         Luanda, Junho de 1962
Joaquim Ceolho

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      NOITES FRESCAS

Eu sonhara nas noites frescas
que eras tu ali tão longe...
entre nós existe um deserto
e afinal estás aqui tão perto
que nem sei se me perdi...

A distância não tem razão
para desfazer esse enlace
que te atrai sem presunção,
leve como os sonhos quentes
de qualquer ave que voasse
em busca dos beijos ausentes
que se evaporam na vertigem.

Tentemos voltar à origem
na lonjura do pensamento
animador da nossa vontade,
é um desejo que vai no vento
como o arfar de felicidade.
 
Procuro entender o critério
até à fronteira da incerteza
que atormenta o amor-mistério
onde se perde a casta beleza
dos frios beijos sem retorno;
no teu corpo pudico e morno.

Acaricio a melancólica solidão
e sinto as agruras da descrença,
onde a indiferença sem razão
atormenta a tua presença;
é uma esperança do desejo
para acalentar o frio beijo.

Nas noites frescas sonhara
que estavas ali, tão longe
embriagada na longa distância
reprimida no fascínio da verdade;
quando a solidão nos atraiçoa
o amor deixa-nos sonhar à toa!

         Negage, Maio de 1962
Joaquim Coelho
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