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sábado, 15 de outubro de 2011

Poemas dos Tempos - Portugal 75

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     RETRATO DA DESGRAÇA

Sinfonias públicas acomodadas
atacam os indefesos cidadãos
comendo as jornas contratadas
    sem discussão e sem dó
dos que estendem as mãos
elevadas ao céu… fica só
a vontade de gemer de fome
deste povo que não come.

A vida é o retrato da desgraça
dos que sofrem com doença
e quem não tiver saúde forte
tem marcada a sentença:
um encontro com a morte
nos corredores onde passeia
por dentro dos hospitais…
mas os doutos da assembleia
não se vão incomodar mais!

Não há respeito nem lei
para os comilões da grei,
tanta miséria apregoada
atirada contra a dor alheia
enquanto na assembleia
aprovam a fortuna roubada.

Os governantes que lá estão
têm benesses e mordomias
até na qualidade do caixão
e na galhardia de ser novo
porque gozam todos os dias
com o voto do meu povo.

 Joaquim Coelho




           PERIGOSA APATIA

Nesta sociedade em degeneração
de valores, onde se escapa a razão
na condição obsessiva e cega
do estímulo ao consumismo
o homem é despersonalizado
até morder os companheiros…

É preciso encontrar a coragem
para combater a grave voragem
do homem com desprezo salafrário
com vida desprezível e vazia
longe do comportamento solidário.

Só peço que um estímulo cósmico
de grande sabedoria aparente
possa acelerar a dinâmica
do magnetismo regenerador
dos corpos invencíveis e inertes
estimulador do ser com verdade
capaz de abrir as janelas
à razão e ao culto da humildade.

Se não for avivada a vontade
e o corpo continuar na luxúria
a avareza faz aumentar a penúria
com a preguiça dos silêncios
e a apatia desprovida de desejos 
torna os homens incapazes
de defenderem a justiça…
depois, só ficam os sobejos
disputados com grave liça
perante a soberba dos poderosos
que nos vai espoliando em fases
na selvática seita de manhosos.        

     Joaquim Coelho
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     RETALHOS DE VIDA

Mais cedo ou mais tarde
todos percebem a razão de viver
dentro da ordem do mundo
que lhes deu ordem de nascer.

Há uma disfarçada maneira
de apagar pedaços de vida
que muitos não querem ter;
são retalhos de vida perdida
sem o proveito de a viver.

Cada um em seu postigo
tem o tempo que merece
e há um sonho que persigo:
deitar-me no leito das virgens
até ver o que acontece.

Com a vida dependurada
na silhueta duma donzela
que vive noutro horizonte…
foi começo de sorte terminada
na hora que me despedi dela
sem beber água da sua fonte.

   Joaquim Coelho
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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Poemas dos Tempos - Portugal 74

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          PERPLEXIDADES

Não me digam que somos anjos
só porque pintamos o silêncio de branco
e absorvemos a luz que nos deixam
manear com a alma adormecida
pelos gestos castos e brandos…

Há sempre um grito que se escapa
nos momentos de grande dor…
todos os dias são preciosos
quando vividos com amor.

Prevendo a degradação da alma
escrevo versos para me consolar
animado pelo sopro da natureza
essencial ao corpo limitado…
a perplexa verdade duma certeza
que é tudo acabar na mortalidade
do corpo corrompido, abandonado,
se a alma deixar de o consolar
nas horas de extrema aflição!

É tempo de reforçar os pilares
com ideias mais iluminadas…
discernir a vida com fundamento
bem longe das almas penadas
sem condições de sustento,
longe da matéria envenenada,
que nos corrompe a inteligência
e aniquila o pensamento profundo,
instrumento da transcendência
que move a alma do mundo.

  Joaquim Coelho




       COPOS DE VENENO

Eu não temo o mundo distante
que me seduz com ligeireza,
são as mentes adormecidas
em cada instante
que me causam incerteza.

O que perturba é a falta de verdade
os sofismas dos agentes da política
que nos servem copos de veneno
e cobrem os corpos dos mendigos
com a injustiça da partilha do feno
que desperdiçam nos seus umbigos
e nas palestras graves da mentira
que ameaçam os espoliados da vida.

Há um temor que me estremece
em cada instante dos negros dias;
roubam aos humildes desprotegidos,
que vivem o degredo das almas penadas
sem espaço para respirar as alegrias,
e aconchegam as fortunas acumuladas
longe dos refúgios poluídos.

Antes que nos envenenem a liberdade,
vou convocar os pacientes em agonia
vou mexer no resto dos meus sonhos
e revitalizar as suas almas tristes
para que se cumpram os desígnios
dum Abril com pétalas de esperança…
vou convocar um magote de multidão
para dar luz aos olhos de cada criança
e dar pão aos humildes da nação. 

      Março de 2008
Joaquim Coelho
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     DIA DA ESPERANÇA

O tempo tudo desvenda
nada ficará oculto
na serenidade dos sentidos.

Dois corpos que se rendem
à evidência deste encontro
porque o amor não se inventa
e o destino não engana…
quando dois braços se cruzam
e apertam com carinho
nesta linguagem de gestos
que outrora não entendemos.

É longo o dia da esperança...
desfaz-se o sonho
quando o medo arremete
- deslumbrado de alegria
prendo-te nos meus braços
e o amor promete
um amanhecer mais sereno
onde a esperança renovada
faz brotar o amor interrompido
- e a vida tem outro sentido.

    Maia, 25 de Outubro de 1990
Joaquim Coelho
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sábado, 1 de outubro de 2011

Poemas dos Tempos - Portugal 73

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   SARGETA DO PROGRESSO

Maldita televisão do mundo
que todos os dias me alerta
para o caos… sem retrocesso
e para os famintos sem esperança
atirados para a sarjeta do progresso!

Malditas comunicações avançadas
sempre atentas às desgraças
que deixam os desprotegidos
a mendigar pelas praças.

Malditas tecnologias diabólicas
que servem para adormecer o povo
e destruir o seu sonho simples
de acreditar no mundo novo…

Assim triturados na globalização
onde se movem interesses poderosos
somos atrofiados na competição
e enganados pelos asquerosos
que roubam os bens da nação...

Há muitos abandonados na valeta
desta estrada para a miséria
onde a justiça social é uma treta
enfeudada ao jeito dos políticos
que nos tratam como indigentes
e como uns estupores críticos
escravizados pelos incompetentes.

Decretam os nossos defeitos
para sermos mais infelizes
e até nos cortam os direitos
que marcam as nossas raízes.

Maldita imposição de vida
despida de alicerces e solidez
onde a esperança está perdida
nos preconceitos da estupidez.

Joaquim Coelho




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     A SEGADA DE SÃO BENTO

Os quadros de símbolos ilustres
atestam os homens de virtudes
    sem paixões alucinantes
nos ornamentos do parlamento;
mas estão sendo desvirtuados
no contra-senso fedorento
dos deputados mais bizarros
    artistas da maldição
que atira os valores da democracia
para o fundo do caixão!

Parlamento em crescente agonia
conspurcado pelos cúmplices do mal
que alastra neste país adiado
na dolorosa comédia de cada dia.

Debates hipócritas, vazios,
horrível falta de aprumo, delírio
a atormentar o povo eleitor
que na dignidade sente calafrios
e perde a razão do seu valor.

Parlamentares melancólicos
     distraídos e dorminhocos
comediantes do espaço luxuriante
malditos fomentadores de crises
cantantes de discursos bacocos
disparates contra os pagantes
que vivem cada vez mais infelizes.

Pseudo-democratas herméticos
em subtis shows de hipocrisia
escabrosos coveiros de esperanças
com musas políticas em ascensão
      no império liberal inquietante
suicidas das nobres virtudes
traindo o futuro de cada votante.

Detesto a tenebrosa comédia
do cinismo agudo em São Bento…
     cómicos inquilinos falhados
     pretensos eruditos das leis
     urdidas para legitimar o favor
leis selvagens, contra-direito
encobrindo as acções selvagens.

Acabou-se.
Prefiro um parlamento elitista
      malabarista
para acalentar os espíritos
mais pessimistas, medíocre
com lacraus, hienas e vampiros
mais bestas que os demónios…
que nos causem menos mal
no paradoxo dos talentos
de má memória em Portugal.

Na miragem da democracia
    inventário contra a cultura
do povo que sofre reveses!
Estamos próximos da ruptura
   não basta o dom Sebastião…
tudo está bem lá por são Bento
até rebentar o balão…

Já percebemos que os ouvintes
não enxergam a democracia nua,
a miséria espalha-se pela rua
poluída de pedintes!

         Lisboa, Julho de 1983

Joaquim Coelho
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       FULGOR DE DESEJOS

Quando anoitece dentro do coração
qualquer sombra anula o sol…
que importa pararem os relógios
se o tempo de espera se prolonga
até ao som do bater dos sapatos
como o despoletar da granada
a despedaçar o que resta da noite.

Nada consegue extinguir o amor
que esteja entranhado nas células
desmaiadas na doçura das lágrimas
onde os poros expurgam o sangue
que persiste em circular
nos lábios que esperam calmamente
sorver a língua que desprendes
em quentes lufadas de amor.

Com o fulgor dos desejos ao rubro
impacientam-se os amantes…
despidos do preconceito da devassa
os membros curvam-se vagarosos
cedendo aos contornos que gravitam
e dançam à volta das silhuetas
que sufocam no horizonte do amor
germinado na ceifa das sementes
implantadas no ventre da escuridão.

No silêncio do derradeiro impulso
a suprema unificação dos fluidos
incendeia um turbilhão de emoções
dentro do átrio de duas vidas
germinadas na corola dos corações.

  Joaquim Coelho
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domingo, 25 de setembro de 2011

Poemas dos Tempos - Portugal 72

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      CAMINHOS POLUÍDOS

Não tentes acelerar o movimento
quando a força dinâmica da energia
está na eminência grata do vento,
transitando na noite de nostalgia
que te faz conservar a mocidade
e atirar bem longe o pensamento
sem a manipulação crua da verdade.

A natureza clama com sua voz de bruma
e mostra a dramática paisagem poluída,
as ondas do mar desfazem-se em espuma
incerteza afinal, assaz prometida,
quando se devassa a natural reconversão
das fontes genético-biológicas da vida
e esquecemos que estamos em transição.

Se deixarmos de escutar a natureza
e nos embrenhamos no escuro labirinto
dos gestos lascivos e sem beleza
que fazem de nós loucos… bem o sinto,
já acedemos ao chamamento do mal
na transgressão irónica que vos afinco
estar eminente uma tragédia infernal
da qual não escapam mais de cinco.

             Maia, Março de 1990

Joaquim Coelho
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    DESEMPREGADOS

Amigo que estás desempregado
e nem caldo tens na malga
para mitigar a fome áspera,
lança fora todos os lamentos
que incendeiam os descrentes
não cruzes a praça forte
onde se crucificam os dementes
que acreditam na pouca sorte;

Bem pior do que vida de cão
é estar teso e desocupado
sem sinais de melhor futuro;
não fiques de olhar magoado
salta o muro da indecisão
rasga os sinais da vergonha
e foge da ingrata solidão.

Contra a afronta reclama e grita
enquanto o mundo se agita
com murmúrios decadentes…
entorna o caldo que não fumega
lança mão às novas sementes
em cada dia uma nova refrega
nem que tenhas de usar os dentes.

 Joaquim Coelho






    POEMA PERFUMADO

Tens a formosura da criação
e és moça aprimorada
já sinto o rosto ao rubro...  
por ti menina prendada,
de rosto lindo, onde descubro
nos olhos a tua beleza
e sinto já marcada afeição
como se fosses a princesa
cheia de mantos dourados
envolvida nas coloridas flores
a quem peço beijos perfumados
para atenuar minhas dores...

e nos caminhos cruzados
que o tempo sempre dispõe
o sol da nossa harmonia
há-de entrelaçar as afeições
no recolhimento de cada dia
em que possas beber poesia.
              
Joaquim Coelho
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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Poemas dos Tempos - Portugal 71

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       INCENDIÁRIOS

Nesta límpida manhã solarenga
procuro a frescura da folhagem
para me aconchegar do desassossego
e fugir da sensação do vazio
que sinto no meio do deserto
onde me resguardo das investidas
dos governantes sem escrúpulos
causadores de tanta tragédia
a consumir a esperança de gerações
condenadas ao futuro de miséria.

No horizonte, os incêndios engolem
o que resta das ecológicas florestas,
ardendo numa euforia angustiante
enquanto crepitam as labaredas,
os semeadores de fogos repetidos
escarnecem da justiça a jusante
escondidos nos meandros dos negócios
que a lentidão dos processos estimula.

São tantas as desgraças ardidas
e tão fracos os sinais dos juízes
que os tratantes libertam sem juízo
ficando as terras nuas e perdidas
até que os loucos paguem o prejuízo.

    Agosto de 2011

Joaquim Coelho




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          A EUROPA DELES…

Neste país de vaidosos deputados
que a Europa pariu ao anoitecer
sentimos o cabo das tormentas
que eles enfeudaram com palmas
e promessas que nos fazem padecer.

Temos os trabalhos mais esforçados
para melhorar a vida com mérito
e vemos penhoradas as nossas almas
com políticos caídos em descrédito.

Deixam-nos no caminho desalentados
envolvidos nas crises, desesperados…
comem o melhor da nossa riqueza
e são agora os reis do desperdício
fazendo da acomodação um vício
que nos atrofia e traz mais incerteza.

       Joaquim Coelho

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   MALDIÇÃO DOS TEMPOS

Maldita televisão do mundo
que me alerta para o caos
e para os famintos sem esperança
atirados para a sarjeta do progresso.

Malditas comunicações avançadas
sempre atentas às desgraças
que atingem os desprotegidos…

Malditas tecnologias diabólicas
que servem para adormecer os povos
e destruir os seus sonhos simples
ignorados na encruzilhada da convulsão
onde se movem poderosos interesses
que ameaçam a sobrevivência
nas competições da globalização.

Há gente abandonada na valeta
desta estrada para a miséria
causada pela ganância dos políticos
que nos tratam como indigentes
e como uns estupores críticos.

Maldita imposição de vida
com os preconceitos da estupidez
que nos decretam sem ouvirem
a razão porque somos infelizes
se até nos cortam os direitos
que marcam as nossas raízes.

  Março de 2001
Joaquim Coelho
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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 70

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          LONGA  ESPERA

Aqui sitiado no inferno de Miteda
rodeado de medonhas incertezas,
olho para o céu claro... infinito
desejo visionar o avião salvador
que sobrevoe pelas redondezas...
e nas ondas da sorte, o bendito
possa embarcar a minha dor!

Sob os olhares dos abandonados,
as mãos trémulas apontam o horizonte
para Mueda, azimute ao norte...
tarda a resposta nos rádios ligados,
agravam-se as feridas dos soldados
que agonizam com a dor forte!
  
Passa-me pela fronte o calafrio
na espera angustiante da morte…
as febres mais nos fazem definhar
e as forças já esmorecem o querer,
com a esperança na onda a captar
um avião a caminho do norte…
não tarda e volta para nos socorrer
e quebrar o enguiço da má sorte.

Serão as derradeiras horas de agonia?
Nasce a esperança e um novo dia…
às três da tarde, aterragem tremida,
a Dornier parou por alguns instantes:
embarcam três com a alma ferida...
nos dias seguintes vão os restantes.  

Miteda, 27 de Julho de 1966 
Joaquim Coelho    

NOTA:
Depois da emboscada no Vale de Miteda,
caminhamos pela mata até ao
Aquartelamento de Miteda.
Ali ficaram 6 Pára-quedistas,
entre feridos e doentes com paludismo,
sem saberem o dia de evacuação para Mueda…    





       SOLOS FUNÉREOS

Vinde, ó músicos das catedrais,
chicotear os nossos pesadelos
com solos de caveiras desfiguradas;
enquanto tremulam as sensações
das crenças apagadas
repudiamos os cobardes animais
desta selva de ladrões...

Festejai a derradeira missão
que os soldados querem cumprir!
Porque é tudo a bem da nação
dum poder que vos põe a fugir.   

Aquecei a manta que nos serve
para cobrir estes cadáveres...
deixai a música confundir
os gritos desesperados
desta caneta que se atreve
a descrever choros subterrâneos
dos combatentes desfigurados...

             Mueda, Setembro de 1967  
Joaquim Coelho       

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       DEVANEIOS NO ÍNDICO

Hoje olhei o Índico transparente
        apeteceu-me
procurar as coordenadas do teu coração
apontar no mapa, indiferente,
        pareceu-me
vislumbrar o caminho na tua direcção.

Já Mocímboa fica no horizonte
        distante
e a tua formosa imagem se reflecte
no céu  que fica de fronte
        equidistante
do caminho de Mueda, que se repete.

Divagando,  vou pintando a alma
        multicolor
para que o tempo me seja breve
com suaves tons de calma
        amor
a condizer com o que se escreve.

       Diaca, Outubro  de 1966
Joaquim Coelho

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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 69

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   ÀS PORTAS DO INFERNO


O cacimbo ácido das noites de Nacala
já me rói os alvéolos pulmonares
e os silêncios que povoam as sombras
misturam os assassinos dos pobres
com as madrugadas das bebedeiras
onde se dependuram os sorrisos
    que corrompem a pátria lusa.

A minha esperança mais difusa
    neste mundo sem remédio
ainda acredita nas coisas simples
dos que trabalham as machambas
    para colherem os frutos...
as armas acordam a madrugada
e as sombras corrompem a dignidade
misturando as mulheres nuas
com  os polícias que nos sorriem...

Misturo-me no bar com as cervejas
    para reanimar os últimos sonhos
enquanto os pulmões respiram
e o sangue se não espalha nas matas
    onde se perdem muitas vidas
sem se despedirem do mundo...
eu só quero ir por onde não vou
porque o senhor antónio me silenciou.

Enquanto o mundo escorrega
    para os confins do Inferno
e os meus despojos com ossos
    que os donos da pátria desprezam
se não esmagam na solidão,
quero sonhar com mulheres doces
    que me acolhem nos braços
e deixar que os acordes da noite
me adormeçam com uma certeza:
os ventos hão-de enfunar as velas
e o barco encontrará águas mansas
para navegar no Índico azul
    como um barco de crianças
até contornar a África pelo sul.
     
               Nacala, Janeiro de 1967
Joaquim Coelho
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        PÁTRIA MURIBUNDA

A morte marcou encontro na emboscada
e logo a metralha no vale entoa,
vejo uma cabeça caída, desmaiada,
confio em deus que é boa pessoa...
só o cajueiro serve de parapeito
para amparar aquele corpo já desfeito.

Sinto o salpicar fresco do sangue
saindo das tuas veias perfuradas;
e o meu corpo meio exangue
defende-se com as armas enlutadas,
enquanto outros mais destemidos
apressam o socorro aos feridos.

Assim, nesta terra dilacerados,
com a vida presa nos rudes fios,
caminham estes bravos soldados
e os seus silenciosos calafrios;
nas savanas caem os mortos
e os feridos cambaleando, tortos!  

Mães, sofridas e enlutadas, chorai
à sombra da sagrada bandeira;
meu povo, homens de génio despertai
antes que a pátria arda nesta fogueira.  


Vale de Miteda, Julho de 1966
Joaquim Coelho





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       FRUTO SENSUAL

O teu corpo fechado à chave
masturba o pensamento deslizante
que faz de mim faminta ave
voando até ao ninho reconfortante.

Mas tem cuidado redobrado
quando te vestes de amor
porque um homem enganado
pode ofender o teu pudor
atirando a tua boca
de encontro ao seu ventre
e logo o realejo toca
para aumentar o desejo ardente…

avançando na sensual viagem
que o gostoso movimento recomenda
com os olhos nesta miragem
a língua passeia-se até à fenda
e repousa com terna brandura
na estrada silenciosa que desfruto
num repasto de louca candura
saboreio o delicioso fruto.

Poisado no silêncio dos teus braços
e embrulhado no frio da madrugada,
o corpo preso nos espasmódicos laços
desta noite lasciva e endiabrada.

                  Beira, Março de 1967
Joaquim Coelho
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