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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Poemas dos Tempos - Portugal 71

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       INCENDIÁRIOS

Nesta límpida manhã solarenga
procuro a frescura da folhagem
para me aconchegar do desassossego
e fugir da sensação do vazio
que sinto no meio do deserto
onde me resguardo das investidas
dos governantes sem escrúpulos
causadores de tanta tragédia
a consumir a esperança de gerações
condenadas ao futuro de miséria.

No horizonte, os incêndios engolem
o que resta das ecológicas florestas,
ardendo numa euforia angustiante
enquanto crepitam as labaredas,
os semeadores de fogos repetidos
escarnecem da justiça a jusante
escondidos nos meandros dos negócios
que a lentidão dos processos estimula.

São tantas as desgraças ardidas
e tão fracos os sinais dos juízes
que os tratantes libertam sem juízo
ficando as terras nuas e perdidas
até que os loucos paguem o prejuízo.

    Agosto de 2011

Joaquim Coelho




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          A EUROPA DELES…

Neste país de vaidosos deputados
que a Europa pariu ao anoitecer
sentimos o cabo das tormentas
que eles enfeudaram com palmas
e promessas que nos fazem padecer.

Temos os trabalhos mais esforçados
para melhorar a vida com mérito
e vemos penhoradas as nossas almas
com políticos caídos em descrédito.

Deixam-nos no caminho desalentados
envolvidos nas crises, desesperados…
comem o melhor da nossa riqueza
e são agora os reis do desperdício
fazendo da acomodação um vício
que nos atrofia e traz mais incerteza.

       Joaquim Coelho

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   MALDIÇÃO DOS TEMPOS

Maldita televisão do mundo
que me alerta para o caos
e para os famintos sem esperança
atirados para a sarjeta do progresso.

Malditas comunicações avançadas
sempre atentas às desgraças
que atingem os desprotegidos…

Malditas tecnologias diabólicas
que servem para adormecer os povos
e destruir os seus sonhos simples
ignorados na encruzilhada da convulsão
onde se movem poderosos interesses
que ameaçam a sobrevivência
nas competições da globalização.

Há gente abandonada na valeta
desta estrada para a miséria
causada pela ganância dos políticos
que nos tratam como indigentes
e como uns estupores críticos.

Maldita imposição de vida
com os preconceitos da estupidez
que nos decretam sem ouvirem
a razão porque somos infelizes
se até nos cortam os direitos
que marcam as nossas raízes.

  Março de 2001
Joaquim Coelho
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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 70

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          LONGA  ESPERA

Aqui sitiado no inferno de Miteda
rodeado de medonhas incertezas,
olho para o céu claro... infinito
desejo visionar o avião salvador
que sobrevoe pelas redondezas...
e nas ondas da sorte, o bendito
possa embarcar a minha dor!

Sob os olhares dos abandonados,
as mãos trémulas apontam o horizonte
para Mueda, azimute ao norte...
tarda a resposta nos rádios ligados,
agravam-se as feridas dos soldados
que agonizam com a dor forte!
  
Passa-me pela fronte o calafrio
na espera angustiante da morte…
as febres mais nos fazem definhar
e as forças já esmorecem o querer,
com a esperança na onda a captar
um avião a caminho do norte…
não tarda e volta para nos socorrer
e quebrar o enguiço da má sorte.

Serão as derradeiras horas de agonia?
Nasce a esperança e um novo dia…
às três da tarde, aterragem tremida,
a Dornier parou por alguns instantes:
embarcam três com a alma ferida...
nos dias seguintes vão os restantes.  

Miteda, 27 de Julho de 1966 
Joaquim Coelho    

NOTA:
Depois da emboscada no Vale de Miteda,
caminhamos pela mata até ao
Aquartelamento de Miteda.
Ali ficaram 6 Pára-quedistas,
entre feridos e doentes com paludismo,
sem saberem o dia de evacuação para Mueda…    





       SOLOS FUNÉREOS

Vinde, ó músicos das catedrais,
chicotear os nossos pesadelos
com solos de caveiras desfiguradas;
enquanto tremulam as sensações
das crenças apagadas
repudiamos os cobardes animais
desta selva de ladrões...

Festejai a derradeira missão
que os soldados querem cumprir!
Porque é tudo a bem da nação
dum poder que vos põe a fugir.   

Aquecei a manta que nos serve
para cobrir estes cadáveres...
deixai a música confundir
os gritos desesperados
desta caneta que se atreve
a descrever choros subterrâneos
dos combatentes desfigurados...

             Mueda, Setembro de 1967  
Joaquim Coelho       

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       DEVANEIOS NO ÍNDICO

Hoje olhei o Índico transparente
        apeteceu-me
procurar as coordenadas do teu coração
apontar no mapa, indiferente,
        pareceu-me
vislumbrar o caminho na tua direcção.

Já Mocímboa fica no horizonte
        distante
e a tua formosa imagem se reflecte
no céu  que fica de fronte
        equidistante
do caminho de Mueda, que se repete.

Divagando,  vou pintando a alma
        multicolor
para que o tempo me seja breve
com suaves tons de calma
        amor
a condizer com o que se escreve.

       Diaca, Outubro  de 1966
Joaquim Coelho

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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 69

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   ÀS PORTAS DO INFERNO


O cacimbo ácido das noites de Nacala
já me rói os alvéolos pulmonares
e os silêncios que povoam as sombras
misturam os assassinos dos pobres
com as madrugadas das bebedeiras
onde se dependuram os sorrisos
    que corrompem a pátria lusa.

A minha esperança mais difusa
    neste mundo sem remédio
ainda acredita nas coisas simples
dos que trabalham as machambas
    para colherem os frutos...
as armas acordam a madrugada
e as sombras corrompem a dignidade
misturando as mulheres nuas
com  os polícias que nos sorriem...

Misturo-me no bar com as cervejas
    para reanimar os últimos sonhos
enquanto os pulmões respiram
e o sangue se não espalha nas matas
    onde se perdem muitas vidas
sem se despedirem do mundo...
eu só quero ir por onde não vou
porque o senhor antónio me silenciou.

Enquanto o mundo escorrega
    para os confins do Inferno
e os meus despojos com ossos
    que os donos da pátria desprezam
se não esmagam na solidão,
quero sonhar com mulheres doces
    que me acolhem nos braços
e deixar que os acordes da noite
me adormeçam com uma certeza:
os ventos hão-de enfunar as velas
e o barco encontrará águas mansas
para navegar no Índico azul
    como um barco de crianças
até contornar a África pelo sul.
     
               Nacala, Janeiro de 1967
Joaquim Coelho
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        PÁTRIA MURIBUNDA

A morte marcou encontro na emboscada
e logo a metralha no vale entoa,
vejo uma cabeça caída, desmaiada,
confio em deus que é boa pessoa...
só o cajueiro serve de parapeito
para amparar aquele corpo já desfeito.

Sinto o salpicar fresco do sangue
saindo das tuas veias perfuradas;
e o meu corpo meio exangue
defende-se com as armas enlutadas,
enquanto outros mais destemidos
apressam o socorro aos feridos.

Assim, nesta terra dilacerados,
com a vida presa nos rudes fios,
caminham estes bravos soldados
e os seus silenciosos calafrios;
nas savanas caem os mortos
e os feridos cambaleando, tortos!  

Mães, sofridas e enlutadas, chorai
à sombra da sagrada bandeira;
meu povo, homens de génio despertai
antes que a pátria arda nesta fogueira.  


Vale de Miteda, Julho de 1966
Joaquim Coelho





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       FRUTO SENSUAL

O teu corpo fechado à chave
masturba o pensamento deslizante
que faz de mim faminta ave
voando até ao ninho reconfortante.

Mas tem cuidado redobrado
quando te vestes de amor
porque um homem enganado
pode ofender o teu pudor
atirando a tua boca
de encontro ao seu ventre
e logo o realejo toca
para aumentar o desejo ardente…

avançando na sensual viagem
que o gostoso movimento recomenda
com os olhos nesta miragem
a língua passeia-se até à fenda
e repousa com terna brandura
na estrada silenciosa que desfruto
num repasto de louca candura
saboreio o delicioso fruto.

Poisado no silêncio dos teus braços
e embrulhado no frio da madrugada,
o corpo preso nos espasmódicos laços
desta noite lasciva e endiabrada.

                  Beira, Março de 1967
Joaquim Coelho
 .
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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 68

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       TERMINUS

Foi numa noite infernal
quando procurávamos o norte
após o sol de raios ardentes,
um ataque certeiro e fatal
marcou encontro com a morte.

Reagimos e cerramos os dentes
contra a desdita da metralha
vinda dos males do mundo,
lutamos firmes e persistentes
até à derradeira mortalha.

Com o desastre veio a peste…
os corpos já decompostos
e um cheiro nauseabundo
atirou-nos às picadas de leste
com um desgosto profundo.

Em movimentos apressados
tento arrancá-los à desventura,
mas a carne apodrece na terra
dentro duma austera sepultura
cavada no meio da guerra.
    
  Mutamba dos Macondes, Março  de 1966
Joaquim Coelho





         CLANDESTINO

Nenhum sonho apaga a memória
na lucidez dos dias tristes
as minhas dores atravessam a noite
à procura da pátria-mãe...
esquecida dos corpos despedaçados
que queremos resgatados.

Mas hei-de vencer a distância
embalado nas ondas do progresso
neste mundo cheio de traços
onde me empenho no regresso
com um navio cheio de abraços.

Mesmo que as rotas se percam
hei-de encontrar outros caminhos
para levar os que ficam sozinhos;
      nem que o percurso
         incerto, longínquo,
seja clandestino, nesta terra
não deixarei esquecidos
os que morreram na guerra.

Sem os sonhos do desatino
até vou mostrar ao mundo
as razões da má sorte…
muita terra ensanguentada
e os encontros com a morte!

Jamais se apagarão
as causas da nobre missão
de lembrar o que se esquece
neste cruzamento do destino…
eu só quero acreditar no sonho
e recuperar o corpo que apodrece
na solidão do sertão medonho
onde chorei como um menino.


           Nangololo, Setembro de 1967
    Joaquim Coelho
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    SONHOS FLUTUANTES

Hoje acordei perdido no sonho
em que respiravas ofegante,
com uma sensação deliciosa
a excitar-me para flutuar
por cima da púbis airosa.

Inundavas o enlevado sonho
com um arrebatamento tal
que me sentia perdido
e nas entranhas naufragado,
sufocavas-me quando perdi
o fio desse delicioso frémito
que me deixa desconcertado...

À minha frente a lua renasce
nos olhos tenho o labirinto
onde mergulho a emoção
do entusiasmo que sinto
ao perceber que tens no olhar  
o fascínio mais forte que o luar!

     Beira, Moçambique, Abril de 1967
              Joaquim Coelho
 .
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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 67

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     VENTOS NOVOS

Não pedi guerras nem matanças
nas florestas onde as andanças
são o desconforto incessante
destes climas tropicais
a tolher o valor dos ideais.

As curvas dos trilhos e das picadas
mostram  sinais que amedrontam
quando as mortíferas emboscadas
deixam rastos de desgraça
nos combatentes que as defrontam
em cada momento que embaraça.

As nossas forças são a razão
do sofrimento que atormenta
a realidade da convicção
que os ideais dos novos ventos
sopram na direcção sacrossanta
dando vida aos pensamentos
que nos saltam da garganta.

        Diaca, Setembro de 1967

Joaquim Coelho
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       LÁGRIMAS FURTIVAS

Na vibração doce e harmoniosa
as saudades revivem o esplendor
sem tormentos tristes de dor
em cada noite silenciosa.

Um sono longínquo, profundo,
no mundo angelical do pranto
     que és tu nesta saudade
dos versos suaves que te canto
com a simplicidade dum menino
que enfrenta as torrentes esquivas
neste mar picado com o destino
de vida ausente e lágrimas furtivas!

São poucos os dias… e os sonhos
cruzam-se na mesma palma
coberta de tormentos e nostalgias
ferindo a nossa própria alma…
não sei se vou sentir as alegrias
do pensamento sacrossanto
que leve as lágrimas furtivas
para longe deste meu pranto!

         Macomia, Abril de 1966
Joaquim Coelho



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         BLUSA SOLTA

Acordei alegre p'ra vida
e o coração todo se ufana
a pensar em ti Mariana...

estejas tu onde estiveres
hei-de encontrar os diamantes
que trazes junto ao peito
onde misturas as químicas
dos perfumados prazeres...

e os corpos riscando o fogo
numa imagem concertada
que me oferece o abrigo
dentro da blusa desapertada 
       escondido nessa sombra
ponho as mãos cheias de amor
no coração de sentinela
que se abre com fervor
como se fosse uma janela.

        Beira, Março de 1968

Joaquim Coelho
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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 66

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        CERRAR OS DENTES

Caminhar com as pernas a tremer
neste calvário de mochila às costas:
onde todos os sonhos se desmoronam
por entre as veredas percorridas…

a vontade não resiste ao impulso
do protesto contra as diatribes
que nos atiram para as estevas
onde os corpos perdem a seiva
e o sangue derramado nas matas
salpica de vermelho o capim.

O coração a pulsar atordoado
e o fato sujo e ensanguentado
anunciam o calor que esmorece
a vontade de cerrar os dentes
para lutar com o corpo cansado
e mostrar a força dos valentes
que baixam à terra sem a dignidade
dos heróis do tempo recusado
para descansar até à eternidade!

        Nangade, Setembro de 1967
Joaquim Coelho


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         A PÁTRIA

A Pátria são as aldeias de gente pura,
onde vivem nossos avós,  vida dura...
E tu, mancebo que trabalhas e suas,
és o cerne desta Pátria gloriosa;
as minhas razões são iguais às tuas
para acabar com a escumalha tenebrosa.

A Pátria somos nós, os combatentes
embrenhados nas matas, descontentes,
portadores das cores da bandeira...
com picaretas ou armas na mão,
vamos fazer a emboscada derradeira
antes que nos arranquem o coração!

A minha Pátria é todo esse Povo
protagonista dum mundo novo!
É também um ideal com a dignidade
que defendemos no meio da floresta;
contra os usurpadores da liberdade
saberemos defender o que nos resta.

Somos nós, os portadores da semente,
os escolhidos para alcançar a vitória!
Cada emboscada é sempre diferente
se a razão fecunda a nossa memória.

Porque a vida é tudo quanto temos
nesta África onde padecemos,
vamos dignificar a nossa juventude
sem dar tréguas à cobardia.
O esforço e a vontade têm a virtude
de enaltecer a Pátria em cada dia.

          Chai, Maio de 1966   

Joaquim Coelho  

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      DESENCANTO

Hoje esperava uma carta
que não chegou.
A noite escureceu o meu tédio
e a espera resultou!

Consegui ver nos teus olhos
o brilho que tens na alma;
assim nasce dentro de mim
a energia que me dá o equilíbrio:
a força da vida, embora fraca,
liberta e causa dor
mas regenera a alma
para sentires o grito da revolta
que tenho dentro,
e a força forte, capaz de lutar
até à libertação e terminar
toda a condição da guerra
que aniquila os corpos
e desfaz os valores,
oprime e veda os olhos
nublando as mentes
que se querem transparentes.

O desencanto dos amantes
provoca uma atitude possessiva
quando o cansaço é um deserto
sem conteúdo espiritual…
enquanto espero, tudo acerto
para começar de novo o ritual.

        Marrupa, Janeiro de 1967

Joaquim Coelho
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