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quinta-feira, 30 de junho de 2011

Poemas do Tempo da Guerra - Angola 59

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   TEMPOS DE MUDANÇA

Aterrei nas pistas de Luanda
numa manhã de sol prometedor.
Cheguei com a vontade firme
de dar um contributo reparador
aos massacres desta banda...

Ninguém pode ficar indiferente
Perante a brutal mortandade
que atingiu tanto inocente.

Ao sexto mês de escaramuças,
nas matas densas de Angola,
os saldados sentem a morte
em todos os caminhos do norte...
avanam em alerta, fortes,
sem temer a fatal desdita...
no sossego do arame farpado
ouve-se o falar das trincheiras:
o Fernando Farinha no seu fado
que nos vai dando algum alento.

Oito meses... alastra a guerra!
Perigos graves e nova metralha...
em cada combate há mais despique;
as armas da UPA respondem em terra,
mais finas, com certeira precisão,
escapam às bombas lançadas a pique;
e os soldados do Exército, à toa
não recebem novas de Lisboa,
inocentes, vão caindo no caixão!

Restos de tropas impreparadas...
à sorte, vão ficando abandonadas
para além do rio Dange, perdidas
dos Dembos até ao Congo, sem meças
nas lavras do Lifune, cortam cabeças
e deixam abertas outras feridas.

         Toto, Março de 1962
                    Joaquim Cacuaco
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A MÍSTICA DO BATUQUE


Em noites de refulgente luar
os corpos todos se agitam
ao som do tam-tam-tam
onde mais emoções palpitam.

- Por quinze tostões e um doce
podes ter o meu corpo quente
não pagas imposto, e se fosse
uma noite bem diferente?

Assim falou a mulatinha
de voz piamenta e terna,
ao roçar na minha perna!

É a miséria madura e crua
da menina que se oferece nua
na esteira em noite escura
ao som das marimbas pretas
dos batuques desta rua
onde gemem as silhuetas
que rasgam negros desejos.

A vida nos bairros fantasmas
onde resvalam os beijos
e os lamentos de solidão...
são arestas, são escamas
a torturarem a tesão!

             Luanda, Janeiro de 1962
                            Joaquim Coelho

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domingo, 26 de junho de 2011

Poemas do Tempo da Guerra - Angola 58

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               O ASSALTO 

 Atirados contra o adobe da sanzala
que rompemos à força de catanas,
nem ouvimos o clamor dos ausentes
das palhotas onde o fogo estala
e chamusca alguns sacanas…

Dois corpos ficaram devolutos
e outros três com mais sorte
nos ardis e bem astutos
encrisparam-se contra as balas
que lhes rasgavam a pele forte…

O estômago a remoer, encolhido
secou-me os olhos molhados
e a moldura do retrato
ficou na minha memória
rastejando entre o mato
para poder contar a estória.

                 Quitexe, Abril de 1962

Joaquim Coelho
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      ENCHARCADOS

Cai tanta chuva na picada
por onde cortamos a norte
a natureza monta a cilada
para nos proteger da morte.

Subindo ao cimo da serra
com Lucunga muito longe,
já vemos Mucaba… a terra
dos valentes defensores
que lá deixaram suas dores.

Os camuflados encharcados
e gotas teimosas nos olhos
os pensamentos trocados
e as botas a espichar o lodo
pelos furos do desgaste…

Apressamos a respiração
com o operacional silêncio
só porque vemos a nação
cobiçada além fronteiras;
o que nos dá certa razão
para atirar balas certeiras.

São penosos os caminhos
com os corpos bem molhados
até parecemos uns anjinhos
com os colhões atrofiados,
caminhando aos trambolhões
neste rasto de tormentos
onde as mochilas encharcadas
desfazem os alimentos
no enredo das enxurradas.

      Mucaba, Fevereiro de 1962

Joaquim Coelho   





         FUTURO LONGE

No espaço onde a guerra campeia
e a ternura escasseia
a candura está esmorecida
nas noites cálidas do verão
a saudade agrava as dores da vida
e enobrece a recordação.

No tempo de grande amargura
és o fermento do Amor que perdura
em toda esta  vastidão
onde os beijos sabem a mel
e animam  o coração
que se liberta do fel
na esperança dos carinhos trocados
com meiguice estonteante
dos corpos entrelaçados
na brejeirice dum amante.

Do futuro que almejamos
temos a promessa do presente
porque sabemos onde estamos:
sempre na linha da frente.

      Quicabo, Maio de 1962
Joaquim Coelho

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terça-feira, 21 de junho de 2011

Poemas do tempo da Guerra - Angola 57

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   DEIXEM CANTAR O HINO

Abrandem as secretas amarras
deixem voar o meu pensamento,
dançar no batuque da liberdade
gozar a mística dos corpos nus
na transparência da alma acrisolada.

Deixem-me  sair da clandestinidade
onde perdi a vontade que dispus
em desespero da razão mistificada,
mesmo uma miragem, é a verdade
que vibra dentro de mim...

Abrandem esta violência, ruim
para os povos em busca do oásis
de qualquer movimento divino;
    eu vou cantar um hino...
para comemorar esse momento
    eu quero ser um menino
para voar ao sabor do vento.

Deixem-me seguir nessa dança
    brincar com qualquer criança
    viver a desejada solicitação
antes de me atirarem p’ro caixão.
 
         Luanda, Outubro de 1962

 Joaquim Coelho
                                                                                                                                                           
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    DESEJO   OPRIMIDO

Eu queria ser um menino
caminhando pela cidade além,

com uma vela de peregrino
portador da nobre mensagem
para comunicar ao mundo...
razões do grave queixume
censor do pensamento fecundo
dos que alimentam o lume!

O meu sonho do coração
bem o quero concretizar,
mas o destino está numa mão
que teima em me acorrentar...

passarei a ser vagabundo
oprimido, no meu desgosto infindo
cativo do desejo profundo
que até do tormento estou fugindo.

Lanço as palavras no charco
com a mensagem bem directa
porque a mordaça que abarco
a alma pouco me afecta.

     S. Salvador do Congo, Natal de 1961

         Joaquim Coelho




DESESPERO DA AUSÊNCIA-CARTAS DE LONGE – 1
 Se as tardes estão serenas é porque os nossos corações batem certos, no ritmo que a vida nos proporciona. A hora triste da despedida causou grande emoção, e agora esta ansiedade de nos olharmos naturalmente, mostra que temos necessidade de estar perto de Deus para que sejam minimizadas as dificuldades que nos afectam os dons espirituais, enquanto o drama da guerra causa danos .
Sejamos fortes e naturais e a vontade de vencer jamais esmorecerá dentro de nós. Porque amamos com naturalidade, apenas a ausência e a saudade nos causam padecimentos - pois, a dor que sentimos não deixa de ser custosa, mas saberemos encontrar os melhores remédios dentro dos condicionalismos que temos presentes. Muitas vezes, o querer estar junto de quem se ama é um desejo tão intenso que precisamos de arte e saber para o transformar-mos em momentos de reflexão.

Amo-te cada vez com mais certezas
com a coragem que tu compreendes
toca-me o desespero da ausência
nestes dias das incertezas
sinto-me bem quando respondes
e fico mais calmo para esperar.

Tanto para dizer ao ouvido
que não se encontra no silêncio
das palavras que escrevo com sentido
o presente amarga e causa dor
mas o futuro terá muito mais amor
e a merecida recompensa
das coisas boas que a gente pensa.

A natureza que nos desperta
nas noites cálidas do porvir
também mostra o sol pela fresta
porque temos força para resistir.

          Luanda, Julho de 1962

       Joaquim Coelho
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segunda-feira, 13 de junho de 2011

Poemas em Tempo de Guerra - Angola 56

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       CONVERGÊNCIA

Procurar nos gestos suaves
a função métrica das palavras
e acentuar os tons mais graves
dum espírito descontente
é alerta-te para que não abras
tua boca a toda a gente...
sem uma longa reflexão!

Porque a lira me dá razão
para escrever versos sem flores,
neste gesto de escrever
não vou desafiar os trovadores
... apenas estou a viver!

Sem tempo e sem fronteiras
o silêncio detesta o vento
que apaga as fogueiras
dos desejos mais iguais
contidos no pensamento.
Nos percursos quase banais
pelas savanas além
vai a mágoa de alguém
sem os sorrisos distantes
desta vida que passa...

Não há poetas radiantes
a descrever esta desgraça.

                          Bembe, Março de 1962      

Joaquim Coelho 

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         CHUVA NA PICADA

Com tanta chuva na picada
a natureza veda o caminho à morte
e nós cortamos a direito para o norte
com a farda suja e molhada…

Camuflados enlameados
gotas teimosas nos olhos
botas a espichar o lodo
pelos furos do desgaste
que apressa a respiração
quebrando o operacional silêncio
que causa desolação.

A tempestade não dá tréguas
e maltrata todo o esqueleto:
a penúria dos colhões
atrofiados nas virilhas
dos corpos aos trambolhões
neste rasto de tormentos
onde as mochilas encharcadas
desfazem os alimentos
no enredo das enxurradas.

    Maquela do Zombo, Maio de 1962

Joaquim Coelho





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         CHUVA NA PICADA

Com tanta chuva na picada
a natureza veda o caminho à morte
e nós cortamos a direito para o norte
com a farda suja e molhada…

Camuflados enlameados
gotas teimosas nos olhos
botas a espichar o lodo
pelos furos do desgaste
que apressa a respiração
quebrando o operacional silêncio
que causa desolação.

A tempestade não dá tréguas
e maltrata todo o esqueleto:
a penúria dos colhões
atrofiados nas virilhas
dos corpos aos trambolhões
neste rasto de tormentos
onde as mochilas encharcadas
desfazem os alimentos
no enredo das enxurradas.

    Maquela do Zombo, Maio de 1962

Joaquim Coelho

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domingo, 1 de maio de 2011

Poemas dos Tempos - Port 55


      PAÍS DESGASTADO

Os intelectuais são janotas
Entrincheirados nos currais
Fechados dentro de portas
Vão voando como os pardais.

O povo triste e enganado
Com a desgraça da miséria,
Os socialistas xotam o gado
Na agricultura da léria.

A delinquência progride
Dentro das nossas escolas,
Louva-se o aluno que agride
E premeia-se com esmolas.

A libertinagem é um regalo
Enquadrada no facilitismo
Temos os imbecis de estalo
Que queimam o socialismo.

Temos um país desgastado
Onde abunda a podridão,
O futuro está penhorado
E à mercê de cada ladrão.

  Joaquim Coelho




           DESPERTAR ABRIL

Interrogo os migrantes da política
e não encontro respostas no tempo
que o húmos despertou nos cravos
em abril da esperança e nova vida.

A peregrinação exaspera os corpos
que caminham nos eixos da incerteza
e os espelhos multicores reflectem
imagens nítidas de grave corrupção
que ensombra os valores conquistados
e insulta a nobre missão patriótica.

São os cobardes e os desertores
que vão atirando para a sarjeta
toda a razão da nossa vitória
e deixam morrer os corpos exangues
daqueles bravos que bateram
pela libertação do país em glória;

muito gente passa mal, vive infeliz
e perde as ideias gratas do progresso;
eu também não esqueço o que fiz
para evitar a ameaça do retrocesso
à desgraça da miséria em cada dia:
o povo aos tombos, desesperado,
perdido pelos caminhos da vida!

Sente-se ainda a chispa ardente
iluminando o que resta da revolução;
mas o cerco da engrenagem latente
tenta aniquilar as últimas miragens
animando os desejosos da tirania
numa insaciável conjura de poder;

é o fervilhar da corja de aldrabões
lambe botas dos arrogantes patrões
que enriquecem da noite p’ro dia
como fantasmas da mágica cobardia!

           Lisboa, Maio de 1982

   Joaquim Coelho
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  ENCRUZILHADA DE PAIXÕES

Nem chegamos a colher flores
     porque se as colhêssemos
     sentiríamos a suavidade
     dos seus perfumes
lembrança de afectos inocentes
      mesmo por instantes
não deixa de ser amor.

Se ao menos nos abraçássemos
até percebermos o que sentíamos
talvez o entrelaçar das mãos
     no sossego das vidas cruzadas
ao sabor do afecto crescente
amansasse as horas passadas.

Ficamos silenciosos e cegos
ao chamamento dos sentidos
e ao pulsar dos corações…
não vimos a suavidade  da vida
a determinar cada movimento
na encruzilhada das paixões.

Com os olhos semi-cerrados
segui outros caminhos…
    cada dia mais amargurados
tentanto trazer à memória
porque fomos tímidos apaixonados!

A vida não cessa com os desenganos
     há um chamamento actuante
nas estradas percorridas
     porque a simplicidade
     com que nos amamos
     ficou-se pelo sonho
     que não realizámos.

Deslizei nas longínquas noites
na distância geométrica traiçoeira!
Envolvido na penumbra pardacenta
jamais senti suavidade
como no primeiro lampejo de amor.
Vivo uma dolorosa realidade
      no silêncio do meu íntimo
e tudo me desconforta…
para encher esta vida vazia
e sorver a felicidade prometida
apetece-me bater à tua porta
      o que senti algum dia
      que poderá ser paixão
foste tu que abriste meu coração.

    Joaquim Coelho
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quinta-feira, 28 de abril de 2011

Poemas dos Tempos - Port 54


    PASSEIO COM FLORES

É um deleite inebriante
ouvir das aves o som cantante
desaguar no jardim de flores
e colher as pétalas vistosas…
sentir das rosas os odores
e comer as frutas gostosas.

Ando pelo Porto a ver os jardins
canteiros de rosas e jasmins
nos Clérigos antes do arrebol,
vejo flores belas de todas as cores,
pássaros espreguiçados ao sol
e a relva a rugir nos sapatos sujos…
há gansos a nadar nos lagos
imitando braçadas dos marujos
saídos dos barcos em Leixões,
como as pombas esvoaçantes
para curtir as breves paixões.

É bela a geometria dos canteiros
onde os patos têm fecundidade,
parecem paraísos ajardinados
que os coitados dos cantoneiros
tratam com zelo e prontidão
recolhem os ovos inseminados
e deixam um gesto de gratidão.

Porto, Jardim da Cordoaria

Joaquim Coelho




           CRISE DE CONFIANÇA

Quando tropecei na sombria cascata
e me confundi com transeuntes da cidade
nem senti o aperto da gravata
amarrada à loucura da humanidade
que põe as vidas em clivagem
e deixa os homens no sono clandestino
com o futuro penhorado lentamente
há sombra da felicidade insolvente.

Quando deixamos fugir as memórias
que nos acalentaram sonhos de vida
sucumbimos ao vento que canta uivante
a serenata da guerra com negras estórias
e um amargo sentimento frustrante
engalfinhado nas lamúrias
dos famintos nas ruas recrutados
para os confrontos ampliados.

Quando damos conta da indiferença
perante o direito e a justiça atropelada
pelos políticos regalados na contra-dança
ainda sentimos uma inveja apiedada
só porque os gananciosos se saciaram
os corruptos viajaram para as ilhas
e os gestores também se reformaram;

então, descobrimos porque fomos dóceis
ao votarmos sem firmeza nas convicções
e nos quedamos nas margens do mundo
enquanto se esfumam muitos milhões
- se foi puro engano ou cobardia
saberemos quando sairmos do fundo
cheios de coragem e mais valentia!

Joaquim Coelho
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   SEMEAR ESPERANÇA

Na minha nação amordaçada
a democracia é uma chalaça
com as fortunas em debandada
e os ladrões roubando a taça;
tantos rufias bem instalados
na manjedoura nacional
ficam os pobres espezinhados
à míngua dos restos de Portugal.

Gente de bem a passar mal
por faltar a justiça e o pão…
esta pobreza não é banal
dentro das fronteiras da nação;
muitas ideias da populaça
contra a política que detesta
só o governo não acha graça
quando o povo se manifesta.

Acertaremos contas sem favor
com esses vilões do pavor
que me deixam acordado
pronto para a humilde rebelião
contra o medo recusado
que traço por minha mão.

Façam-se ouvir outras vozes
contra os trituradores do amor
que tanta falta nos faz…
juntando a força e o fervor.

Contra o tédio e sem armas
temos que espalhar a esperança
nos corações mais humildes
e no sorriso de cada criança.

   Joaquim Coelho
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