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quinta-feira, 31 de março de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 49

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   SAUDADES DO LONGE

Ouço o eco longínquo
Perdido do outro lado do mar…
A minha carta perdida
dentro da carlinga do avião
vai espalhar esperança no céu
que me enfeitiça de manhã.

Nesta lonjura africana
que embriaga as distâncias
sem um gesto de ternura
fico extasiado na frescura
das florestas com fragrâncias;

assim estendo o pensamento
nas águas do mar peregrino
acreditando que o tormento
dissolva as lágrimas do menino.

Sentindo a vontade do mar
que o navio deixou longe
sigo ao sabor do vento
que balanceia o pensamento
que me não deixa naufragar.

Encontro conforto na esteira
desta amarga solidão…
pode ser a loucura derradeira
que me engana o coração!

Beira, Abril de 1966
Joaquim Coelho






         DOLOROSO ENGANO

O casco da lancha bate contra as ondas
que se agitam no marulhar lento
dos ventos tropicais em fuga...
à nossa frente vislumbra-se o paraíso!

Longas faixas de areia branca
onde o silêncio mergulha na enseada
e os coqueiros altivos se abrem
num imenso abraço fraterno, intenso
acolhimento das exóticas plantas.

Saltámos à água despojados de ódio,
    o pensamento vestido de paz,
sentimos o caloroso enlace deste pódio
como um sonho mágico que nos faz
mergulhar a guerra neste oceano...
pescar nele todo este gozo ufano!

Entrámos na selva do nosso destino
mergulhados no mundo da brutalidade,
vencer esta guerra é um engano...
enquanto se perde a imagem do trato fino
e a vida flutuante traz infelicidade,
a minha pátria definha em prejuízo
e nós perdemos a alma e o juízo!

                        Mucojo, Maio de 1966 
Joaquim Coelho

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        NEGRAS DORES

Não posso prender-te dentro de mim,
em nome da liberdade
tenho que libertar o pensamento
e mitigar o absurdo da guerra.

Terei que lutar até ao fim
para que a nossa felicidade
se liberte deste tormento
que me faz rastejar na terra.

Tenho que libertar esta força
que trago dentro do peito
combater os escabrosos inimigos
ladinos como uma corça
na guerra do preconceito.

Sei que corremos perigos
neste mundo de farsantes;
no justo caminho sem peias
vamos alertar os ignorantes
para que não percam as ideias,
dentro das maquiavélicas ciladas
dos criminosos trapaceiros
vestidos com peles de cordeiros,

no tenebroso consumo da fantasia
manipulam as vidas e os valores
até provocarem a total paralisia
onde só ficam negras dores.

Não posso guardar dentro de mim
a vontade de iluminar os descrentes,
esta força não vem por acidente
porque sinto o mundo ruim
e a injustiça tem várias frentes
atingindo cada vez mais gente.

Pois, em qualquer lugar do mundo
há espaço para o protesto…
mas sinto um sentimento profundo
contra a apatia que detesto.

    Mucojo, Maio de 1966
Joaquim Coelho

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quinta-feira, 24 de março de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 48

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      DESTINO SEM LIMITES

Nas picadas poentas que passamos
há sempre uma razão para dizer:
     - porquê tanta amargura?

Nas florestas fechadas que penetramos
há sempre uma incerteza do regresso:
       - porquê tanta angústia?

Em cada emboscada que sofremos
há sempre corpos esfacelados:
        - porquê, meu deus?

Nas noites tenebrosas que vigilamos
há sempre um grito de terror:    
        - porquê os fantasmas ocultos?

Porquê tantas brechas na terra
engolindo os corpos sem querer;
   tantos heróis na guerra
   perdidos na vida sem viver!

             Mueda, Julho de 1966
Joaquim Coelho






   ROTEIROS DA GUERRA

Lá longe… onde dorme o sonho
sabemos que a família sofre
vive inquieta e com tormentos;
as promessas para o fim da guerra
são razão para acreditar
que os soldados hão-de voltar
com a liberdade nos braços.

Quando chega a bondade latente
para encher os corações
vemos em cada criança inocente
um rol de acusações…
nossos feitos são apagados
e a grandeza do espanto
está no acusação dos soldados
que sentem a chama mais forte
para desbravar nova vida
e lutar contra o desnorte,
porque a verdade é destemida!

      Beira, Março de 1968
Joaquim Coelho
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            INQUIETAÇÃO

Hoje sinto uma inesperada calma
    até os arbustos estranham
    este vento sem alma...

O futuro desperta os anos
que esperamos inquietos,
já são tantos os desenganos
contra os pensamentos certos!

E as limitações de amor
que rasgam a nossa dor?

Estou na primavera da vida...
no horizonte vejo a miragem
- uma donzela de tons jasmim,
coberta de pétalas, também...
no meio do verdejante jardim
    acordo no colo de alguém!

     Nacala, Agosto de 1966 
Joaquim Coelho    

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sexta-feira, 18 de março de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 47


              PRECONCEITOS?

Deste silêncio do Império desconfio...
um agente questiona-me os pensamentos
como português fragmentado no espaço
sinto a vida presa por um fio
mas hei-de cantar hinos à liberdade
as sombras ofuscantes dos sentidos
não me trocam os conhecimentos.

Estou no outono da caminhada
que me há-de levar à primavera,
tenacidade transporto na bagagem
e há muitos à espera da nova era…

viverei até que os deuses generosos
me dêem o contentamento esperado:
dias de paz para confraternizar
pelos feitos dignos e orgulhosos
sem as armas a apontar...
depressa antes de ser despedaçado.

          Sagal, Março de 1966
Joaquim Coelho




          BRISA NORTE

Aninhado na rotina da guerra,
arrisco perder a razão
porque estou aqui, outra terra,
sonhando afastar a ingratidão
voltar ao cais de embarque
pedir aos deuses um vento forte
e esperar que a brisa norte
ajude a empurrar a canoa
por esse mar de esperança.

Esperar uma coisa boa
para consolar cada criança
seguir a estrela refulgente
que me guia nesta vida
crente na vontade da gente
sem a liberdade merecida.

Nos momentos da desdita
a verdade que me empurra
vai além da força bendita
daquele que não é “turra”.

Mucojo, Março de 1966
Joaquim Coelho
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  LOUCURA DA DONZELA

Um amor fogoso
incendeia qualquer coração;
mas um corpo dos desejos
incendeia a cama
e apela aos beijos…

Com teu gozo ardente
abres as alas do monte
e os gonzos pousam na púbis
que se ri do embaraço…
endureces o laço
no membro censurado
perdido e encantado
com as delícias aliadas
ao faustoso banquete
do traseiro cirandando
em curvas combinadas
no entesar do falo
enfiado na bichana
com um gozo de estalo
para toda a semana.

Lourenço Marques, Fevereiro de 1966
Joaquim Coelho
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segunda-feira, 14 de março de 2011

Poemas dos Tempos - Moçambique 46


      BRISA DA LIBERDADE

Se eu pudesse fugir para o infinito
vaguear sozinho no universo
conhecer outros mundos para viver;

se eu pudesse escolher o caminho
não ficava aqui preso à confusão
com um sotaque algo esquisito
no espaço dominado pelas balas
onde a vida está longe do infinito
da razão destes versos na minha mão
que apetece recitar um… apenas
um com tanta força como o trovão!

Se eu pudesse fugir para outro tempo
e sentir a brisa da Liberdade…
meu grito ouvir-se-ia em toda a terra!
E porque não posso escolher?
Está escrito nesta fatalidade…
Sem vontade, estou no meio da guerra.

Com tanto gladiadores para vencer,
estou confiante na probabilidade
de chegar a minha hora de viver…

              Nangololo, Setembro de 1967
Joaquim Coelho



         PARTILHAR A VIDA

Pego na caneta para escrevinhar
as estranhas formas do compasso,
e logo me ocorre a branda ideia
do contraditório, querer adivinhar
qual poderá ser o próximo passo;

a reflexão no tempo que medeia
o acto de bem querer e amar,
momento onde se podem partilhar
as emoções do encontro fulcral.

Uma paixão em transito acelerado
percorre a memória adormecida
e aquece as veias dos corpos;
em cada estampido do sussurro
no desaguar da seiva prometida.

É como um comprometimento
esta ideia de escrever a vida,
nas demandas, em cada momento
compartilho com outra gente  
o renovar da piedade envelhecida;

ando sempre em busca do ninho,
e voando em contra corrente
encontro o destino no teu caminho!   


       Nacala, Julho de 1966
Joaquim Coelho
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        À NAVEGAÇÃO

Olho o longe do firmamento
e vejo o cruzeiro do sul,
minha estrela do sossego,
quando as gotas de luar
iluminam o pensamento,

mas esta paixão não é culpada
por tão severo sofrimento
nem desta vida amargurada
e dos loucos rodopios…
que nos transformam em escombros
e corpos baleados e moribundos
que transportamos aos ombros.

Com a guerra em final de percurso,
todos almejam chegar ao seu fim;
mesmo esforçado como um urso,
tento fazer ver ao Jorge Jardim
que as memórias duram anos
e os gestos sem destemor
não acabam com os desenganos
mas acirram os ódios e a dor.

 Beira, Setembro de 1967
Joaquim Coelho
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segunda-feira, 7 de março de 2011

Poemas dos Tempos Port 45


Casamento na Hungria - 1978

  TRILOGIA DO SER COMPLETO

A vida está…
                      em todas as latitudes
cumprindo o círculo harmonioso
que prepara as nobres atitudes
      na intensidade do amor pleno
e supera os vícios nocivos
com objectividade inteligente.

A Felicidade…
                          está no bom senso
que orienta a imaginação criativa
da lúcida mentalidade
      metamorfoses de virtudes
em busca da suprema verdade.

O absoluto…
                      está na normalidade
da perfeição activa das emoções
na clareza das ideias largas
sem limites e sem restrições
      primazia sem especulação
na justiça aplicada pela razão.

A vida…
                 é fonte de inspiração
magnetiza a autenticidade
dos palpites do coração
em busca da autêntica felicidade.

Joaquim Coelho


Mulhes-polícia em Fontainebleau - 1981


             NOVOS TEMPOS

É tempo de acabarem os ódios e rancores
é tempo de se repararem as injustiças
é tempo de restaurarmos os valores
dos intervenientes nas dolorosas liças.

Cada um com a decência no gesto
generoso em humildade e coragem
contribua serenamente para o manifesto
atestando que ninguém ficará à margem.

Porque já vivemos com outra aragem
lanço o meu ruidoso protesto
contra as tropelias da ignóbil voragem
que se afoita na arrogância que detesto.

Não é de homens altivos e garbosos
pretender o poder aos trambolhões,
a revolução terá frutos mais gostosos
que se chegar fundo aos corações.

Joaquim Coelho
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      INIGMA DO AMOR

Porque deserta o amor?
o mundo tem só um eixo…
não roda sem rigor
e no jardim
brilham as flores
que enchem os caminhos
de perfumes e de cores.

Então porque falta o amor?
os homens indagam da terra
as ilusões dolentes
o que têm dentro
… em forma de sementes!

O amor deserta dos corações!
que não sentem as paixões
a vibrar… palpitantes
pobres seres errantes…
numa perturbante comédia
de espelhos baços
onde a vida pouco séria
desperdiça no silêncio
a doçura dos abraços.

Ninguém entende as fantasias
nem as canções dos dias
em que deserta o amor
numa dança de cores
sem deslumbramento
e cães pisando a flores!

Joaquim Coelho
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sexta-feira, 4 de março de 2011

Poemas dos Tempos Port 44



    PASSEIO EM LISBOA

Passeando na airosa Lisboa
encontrei emigrantes embriagados
percorrendo as ruas à toa,
deitados à sombra da verde tília…
não há empregos disponíveis
para os bons chefes de família.

Vi um polícia que se escondeu
na esperança de passar a multa
o cigano atirou-se e mordeu,
chamou-o de filho-da-puta,
e que era um grande cabrão…
dispararam tiros em renhida luta
até caírem os dois ao chão.

Nesta Lisboa da nova era
a autoridade desmorona-se
e o cidadão fica à espera
que o ladrão seja modesto…
a multidão não se dispersa
enquanto segue o protesto…

há muito sacana a desaguar
nos gabinetes da administração
e as finanças a confiscar
tudo quanto lhes vai à mão.

 Joaquim Coelho




     VIDA EM LISBOA

A guarda toca os tambores
lá p’ros lados de Belém,
hoje é dia dos louvores
para o presidente, também!

Duas prostitutas que casaram
antes de nascer a lua,
engoliram muitos homens
enquanto fizeram vida na rua.

O governo decretou a aliança
dos casais de um só sentido
mesmo adoptando uma criança,
o casamento não é merecido.

Um pombo cagou na cabeça
dum turista ocidental,
mesmo que o não mereça
vai lembra-se desta capital.

Um cão vomitou no jardim
e a dona p’ra merda se cagou,
nem todos fazem assim:
veio o Sócrates e limpou.

Joaquim Coelho
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    DROGA DE MERDA

 O termo da vida é lastimoso
quando abordo as realidades
os sonhos vividos e os frustrados
mundo austero e odioso
onde se caldeiam as maldades
que fazem o mundo mais tortuoso.

A guerra que se espalha
em forma de gás venenoso
espelha a sociedade escumalha
em torno do mundo escabroso.

Tenebroso mundo soturno
dos correios espalhando a dor
em forma de pó alucinante
que tortura sem temor
os devotos da vida degradante.

Não vejo a luz esperada
neste ambiente lastimoso
onde a esperança é atraiçoada
nos olhos de cada pedinte
que da vida perdeu o gozo:
sem rumo nos olhos tristes,
se vives drogado, não existes!

Joaquim Coelho
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quarta-feira, 2 de março de 2011

Poemas dos Tempos Port 43



      CORTAR AS ALGEMAS

Ó corpo, fruto de todos os vícios,
capaz de todas as virtudes…
não te iludas com os cânticos
nas noites vazias e monótonas
que causticam as nobres atitudes,
nem inventes liberdades infinitas.

Há muitos traidores foragidos
ou escondidos nas catacumbas
à espera da hora dos sacrifícios…
se não lutas ficamos perdidos
e acorrentados aos suplícios
do fragor da queda das algemas;
o sangue generosamente derramado
é razão forte para que não temas
nem te deixes entrelaçar
nas tenras raízes da liberdade
que tens de endurecer a labutar.

Os charcos abundam nas cavernas
e os parasitas doutras latitudes
tentam apalpar os pulsos fortes
dispondo as artimanhas modernas
em forma de droga alucinante
a sugar a seiva logo ao amanhecer…
mas a nossa luta será triunfante.

Joaquim Coelho




  
        INCÓMODOS

Não vou ficar calado e quedo
enquanto outros se acomodam
dentro das conchas zarpadas…
será porque estão com medo?

afrontei os poderes ocultos
que nos matam a esperança,
descobri que os negros vultos
tomam feições de criança
vestem-se de muitos matizes
e dão fome aos infelizes.

Não posso ficar calado
só porque alguém escarnece
o alcance das minhas acções
contra a bajulação dos otários,
cada palavra certa aborrece
os que roubam aos operários.

Não vou parar a reclamação
enquanto as crianças inocentes
passarem dias sem refeição…
vejo-o nos olhares comoventes.

Sempre acreditei no futuro
e na felicidade permitida…
mas vejo o caminho duro
para as gentes sem guarida.

Não vou parar por aqui
quando vejo tanta injustiça
a maltratar os cidadãos
que são devorados na liça
da hipócrita bajulação.

Ensinaram-me a acreditar
que a vida deve ser vivida
e ter tempo para amar
com a temperança permitida.

Não vou ficar calado e quedo…
os cobardes não metem medo.

Joaquim Coelho
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      DESLUMBRAMENTO

A vida é uma sequência
de vivências com fulgor…
eu que respiro a vida
e sinto o aroma dos anos
procuro no silêncio dos dias
a cadência do amor.

Como as luzes cintilantes
com iluminações poéticas
no deslumbramento dos amantes
onde se inspiram os sentidos
dispo a exposta candura
num corpo de mulher.

Ficam dois corpos a vibrar
ao som que a música sustenta
na palavra que se inventa
quando a dança começar…

Joaquim Coelho

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