Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Poemas dos Tempos Pt35

DIA DE PROCISSÃO

Numa tarde quente do verão
subi à colina mais alta
para avistar a procissão
e escolher a moça mais bela
que leve rosas na mão.

Antes da volta ao pelourinho
vi a aninhas de cor trigueira…
quis oferecer-lhe um docinho
e encravei nos olhos dela
envergonhado como um anjinho.

Esfumada a soberana ocasião,
sem tempo para meditar,
contornei os devotos da procissão
e vislumbrei uns seios altivos
bem à medida da minha mão!

Enchi o peito de ternura
para lhe cativar os beijos,
pois era tal a minha loucura
que tinha a boca em combustão!
agarrei-a bem pela cintura
e… com um gesto singular,
encustei-a às grades do portão.

O sol também foi nosso amigo…
Escondeu-se além do pinheiral!
A Aninhas mostrou-me o umbigo,
num gesto de ingénua sedução;
mas a hora era de perigo
e refreou mais uma usurpação
daqueles seios ainda virgens
que deslizavam na minha mão.

Foi ao toque das santas trindades
que acordaram os cordeirinhos,
na singularidade das idades
e com a ternura dos anjinhos.

Dia de Santo António, 13 de Junho de 1956
Joaquim Coelho


..
. NA ALDEIA

O riacho corre, mesmo ao lado
do casebre onde eu habito…
no inverno é ribeiro bravo
com as águas mais apressadas;
no verão, com o estio,
tem a força de um pavio
que o deixa ressequido!

Só poças de água e as enguias
nos dão sinais do pobre riacho
que em dias de grande cheia
dá mostras de grande fúria…

O sardinheiro vem de manhã
a buzinar na carripana:
ah que poucos fregueses,
como está má a vida…
nem a galinheira apregoando
consegue fazer o negócio.

Quem tem ovos ou coelhos…
compro e vendo galinhas!
Pago bem, séria com os olhos
brilhantes como estrelinhas.

O regedor chama a mulher
que está no tanque a lavar:
compra lá um coelhito
e embebeda-o no vinho…
com o tempero do guisado
fica melhor que o toucinho!

Termas de S. Vicente, Março de 1959
Joaquim Coelho
###############
.
... MEMÓRIAS PRECIOSAS

Ninguém consegue esquecer o passado
mesmo que pense que o esqueceu…
esquecer é matar o saber acumulado
que o tempo vivido nos ensinou…
aqui e ali há memórias preciosas
para perceber o tempo que passou.

Não vamos inventar novo rumo
quando a vida percorre o caminho
construído sem fio de prumo;
nas suas curvas e sobressaltos
também tem encontros suaves
nas margens doutras vidas
que bebem a mesma esperança
da generosa grandeza do amor.

Ninguém pode inventar o futuro…
o percurso é de cada um, precioso,
recatado, nostálgico, de gozo
com sabor a saudade, prematuro
no amor desencontrado, perdido…
garboso e repleto de aventuras
com mulheres indecisas que amam
a vida apressadas, sem sentido.

Joaquim Coelho

...

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Poemas dos Tempos PT 34


.. ASNOS LETRADOS

Maior semelhança entre as palavras
melhor acolhimento na esteira
maior solidariedade! Besteira.

Nada de renunciar às ideias
apesar do desespero
descodificador de ilusões…
nada de renunciar à esperança
mesmo longínqua.

Os seres medianos, amorfos,
também povoam o mundo
e não devem ser renegados,
mesmo os que estão mais perto
das bestas desamparadas
do que dos asnos letrados!
Mas as bestas que arrenego
continuam servidores
sem pensamentos inovadores.

Com tanta estreiteza de ideias
ainda há burros com valor!
Mas será difícil a compreensão
entre a verdade que está ausente
e o paleio barato da confusão
no concerto do inegável presente.

Joaquim Coelho



...COMANDITA DE LADRÕES

Ao ouvir as teses dos governantes
decretando o aumento de impostos
imagino os parceiros diabólicos
e vejo uma cambada de tratantes;
uns dizem que são simbólicos,
outros que são simples correcções
e vemos os impostos comidos
por essa comandita de ladrões.

Há muita gente que não come
e vive acorrentada à maldição
dos fluidos da crise global
que nos dá a estranha sensação
de sentirmos o cheiro a esterco
neste enredo do veneno mortal.

Se não pusermos um ponto final
e não desfizermos a engrenagem
que tomou conta de Portugal,
será tormentoso o nosso fim…
devorados pela sagaz vilanagem
da política sem ética e sem moral
que prolifera neste mundo ruim,
somos enganados pela justiça
que alimenta o alicerce social
onde alastra a perniciosa preguiça.

As sementes já não dão frutos!
se não derrubarmos o muro
onde gravitam políticos astutos,
como vamos acreditar no futuro?

Joaquim Coelho
.
.»»»»»»»»»»»»»
.
.. CONSELHEIRO

Cada homem tem uma vida
para respirar e fazer história
caminha ao lado do destino
que a sua força moldar
e a sabedoria determinar.

Não te iludas com as luzes
nem com os sucessos alheios
que podem ofuscar a mente;
rasga os caminhos por ti
e não desprezes o amor
para viveres serenamente
com ternura e mais vigor.

Os olhos são o teu guia
e as estrelas as conselheiras,
faz as coisas certas, verdade
sempre atenta e à porfia
na senda da felicidade
longe do rumo errante…
olha a idade do semelhante.

Joaquim Coelho
.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Poemas dos Tempos PT 33

.
.

...... SOBREVIVENTES

Tenho medo de cada amanhecer
só porque há tantas vidas apagadas
tantos meninos a sofrer
com as mães desempregadas.

Tanta criança sem brincar
mexendo no lixo para comer
tantos corações sem amar
na ânsia de sobreviver.

Tantos lares frios, infelizes,
com gente pálida, triste,
à espera do decreto dos juízes
pela igualdade que não existe.

Sempre que o dia amanhece
vejo as sombras da miséria
que o meu povo não esquece
tanta falta da política séria.

Tantas orações sem esperança
por causas que são patranhas…
vejo um anjo em cada criança
quando a fé sai das entranhas!

Joaquim Coelho
»»»»»»»»»»»»»»»»»»
.
.. AVISO Á NAVEGAÇÃO

Aos saudosistas faço o aviso sincero:
quando sabotais o rumo da história
agrava-se o clima austero
neste mundo que se transforma,
porque o tempo de “triste memória”
há muito que perdeu a forma.

Se não vos chegou a ganância
no tempo dos espoliados,
abandonai os ares de arrogância
se quereis sobrevir à mudança
sem que os povos escravizados
vos venham encher a pança.

Quanto mais usais de injustiça
mais funda cavais a própria cova
porque a liderança desta liça
pertence aos povos libertados
que constroem a sociedade nova
sem a miséria dos explorados.

Se a história fundamenta a razão
temos connosco a liberdade,
abandonai o nosso bastião
antes que esbarreis contra o muro
da sociedade da fraternidade
onde já não tendes mais futuro.

Odivelas, Dezembro de 1976
Joaquim Coelho


.. NOVA PROFECIA

Porque temos a nova profecia
deste país atolado na corrupção
onde se atropela a democracia
e os nobres valores da Nação.
Vamos derrotar as armas da mordaça
e combater os políticos da gamela
até por fim ao governo de chalaça
que nos atrofia nesta viela
onde a pobreza é um fatalismo
e a miséria fruto do servilismo.

Parece um caos civilizado
onde só o povo é martirizado…
mas o tempo da mudança
vai acabar com as barreiras
e restaurar a universal confiança
neste mundo sem fronteiras.

Vamos ter o conforto merecido
onde cada um tenha o lugar
neste país belo e querido
sem necessidade de mendigar;
toda a miséria vai ser enlatada
numa sociedade transformada.

Maia, Setembro de 1986
Joaquim Coelho
.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Poemas dos Tempos Pt 32


A NAÇÃO

A gente não suporta mais golpes
Com argumentos sem matriz,
Os políticos vendem a Pátria
E deixam-me mais infeliz.

Tanta afronta que contesto
A dureza do descontentamento
Ditam sentenças que detesto
Se a servidão cega o pensamento.

A redenção pulsa no meu peito
Enquanto anunciam a nossa luta
Aos cidadãos perderam o respeito
E surripiam os bens da labuta.

Misturam o sentimento masturbado
Na herança do sangue lusitano,
O povo vai sendo escravizado
E explorado até ao tutano.

Sigo por caminhos escondidos
Inconformado com tanta heresia,
Afoito e rebelde com os bandidos
Que hei-de morder sem fantasia.

JoaquimCoelho
«««««««««
.
A MENSAGEM

O passageiro do luar envolvente
peregrino das quentes alcovas
vai disfarçando as ingratas rugas
no aconchego do corpo quente
e acolhe as deserdadas do amor
nos contornos do corpo esfomeado.

Nas nebulosas noites inacabadas
da solidão devassada
escuta os longos gemidos
sincronizados nos gestos lascivos
da fêmea desamparada, impúbere
e acaricia o corpo esguio
da donzela conspurcada.

Recusa as mãos estendidas
dos miseráveis desolados
vagabundos das vielas
nas noites da louca orgia.

Segue a estrada da escabrosa insídia
dos homens com vestes afeminadas
vergonhosa afronta dos ousados
na busca da vida sonhada
já descrentes da virtude
no amor acrisolado.

Onde está a razão da solicitude,
que nesta vida voraz
perde o rumo da atitude
e inferniza a alma e o coração
na saborosa aventura
de viver na perfeição.

A mensagem é breve, não perdura
no meio das meretrizes
de corpos lindos, escravizados,
numa vida louca e sem cura
onde perdem as raízes
e os sentimentos desprezados.

Lisboa, Maio de 1983



REBELIÃO

Nesta nação amordaçada
onde falta a justiça e o pão
a democracia é uma chalaça
para enganar a Nação…
os mendigos vivem na praça
sem tecto nem beiral
e os rufias bem instalados
na manjedoura nacional.

Até consideram banal
haver fome na populaça
que se manifesta nas ruas
e o governo não acha graça.

Acertarão contas comigo
esses vilões do pavor
que me deixam acordado
nesta humilde rebelião
contra o medo dos gestos
que traço por minha mão.

Façam-se ouvir outras vozes
contra os trituradores do amor
que tanta falta nos faz…

Contra o tédio, as nossas lides
vão espalhar a esperança
nos corações mais humildes
e no sorriso de cada criança.

Joaquim Coelho
.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

BOAS FESTAS

Aos amigos que cultivam a amizade
e saben estimar esse grande valor,
desejo Boas Festas e felicidade
junto dos ente queridos, com amor.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Poemas dos Tempos PT31

.. O MEU CAMINHO

Aqui nasci por mero acidente
no aconchego de boa gente
cresci tenro entre os prados
que me alimentaram o fervor
dos sonhos mais envolventes
e dos fardos que carreguei…
verde como os milheirais
cresci lesto até à espiga
que alimentou os sinais
do trabalho de formiga!

Muitos caminhos pedregosos
por estes socalcos sobrevivi
aos tombos pelos campos aprendi
a construir alicerces de vida
semeada pelo mundo além
nas estradas que percorri.

Desci à cidade para crescer
com promessas e novidades
movimentado até ao anoitecer
- o trabalho não olha a idades.

Aprendi a decifrar as vivências
experimentei o mundo invisível
sementeira de gratas aparências
nos caminhos do oculto, incrível!

Entrei na aventura do amor…
saboreei o fermento da emoção,
gestos enternecidos do sabor
que temperam o coração.

Muitos amigos, sem medida,
a dizer o rumo sem enganos…
esperança de vida construída
bem ao jeito dos verdes anos.

Penafiel-Termas de S. Vicente
Joaquim Coelho
«««««««


... OS PECADORES

Há algo que me atormenta
e me deixa horas a pensar…
com este profundo sentimento
de perder a força de lutar
no lado obscuro do tempo.

Sempre fui compreensivo
para com os pecadores
cada um sabe dos seus pecados
e também das suas dores.

Todos devem ser tolerados
mesmo aqueles que nos ferem
não fiquemos preocupados:
vão ter o inferno que querem!

Joaquim Coelho



... FERIDAS DA GUERRA

A força das armas venceu o sofrimento
que a guerra infligiu aos mancebos,
e as bandeiras desfraldadas na liberdade
hão-de vencer a onda de miséria
espalhada nas aldeias e bairros de lata,
razão porque derrubámos a ditadura
que para os mais pobres foi ingrata
e nos causou lágrimas de amargura.

Aos combatentes restam as feridas
das quais perduram muitas cicatrizes;
a dor maior da pátria humilhada
é saber dos túmulos esquecidos
onde ficaram os corpos abandinados
sob o clarão da lua iluminada
nas noites longínquas africanas.

Sente-se esta consciência absurda
condensando o perfil dos sentimentos
que nos prendem às mães coroadas
de mágoas duras e dilacerantes
que tolhem os melhores pensamentos
e a ternura de sairmos triunfantes;
quando saímos da guerra sem glória
e repudiados pelos escorraçados
sentimos a penumbra da vitória
sem vencedores nem derrotados.

Nos rostos sofridos dos coitados
vejo sinais de profunda humilhação;
aos seus punhais cheios de ódio,
lanço um olhar triste e piedoso
e amorteço o crepúsculo da manhã
com um cântico patriótico, surdo,
suavisando os risos do absurdo.

Ninguém se ufana com a desgraça
dos residentes nas terras de África,
muito menos servirá de chalaça
a acusação do cobarde abandono
quando outro poder tomou o trono.

Lisboa, Fevereiro de 1976
Joaquim Coelho
zx

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 27

.. ESPELHOS BAÇOS
.
Eu preciso reabrir as cortinas...
Preciso contar sonhos alucinados,
escancarar o inferno nas memórias
imersas nas picadas e nas esquinas;
perder o medo das loucuras
de todas as minhas amarguras
gravadas num fio de esperança!

Eu preciso entender as feridas
e os olhares ternos das crianças
que mostram a simplicidade...
preciso entender o delírio
dos soldados assustados...
mostrar ao mundo esmorecido
como ultrapassamos o abismo,
com o corpo rasgado...
irremediavelmente esfacelado!

Eu preciso mostrar ao mundo
os resultados deste poder imundo!
Testemunhos empilhados na vida
e o sangue perdido nas savanas
sem aproveitar à guerra perdida
por causas doutros sacanas...

Eu denuncio todos os horrores...
mas já me sinto perseguido
por defender os eternos valores
com firmeza... serei destituído?

Querem envolver-me no embuste
das verdades sem fundamento...
mas mantenho o meu juramento
para que o povo não se assuste
com a verdade empobrecida
que põe em perigo a nossa vida!

Pela verdade não temo o embate,
mesmo que agrave o meu infortúnio!
pois está latente outro combate
com as armas que temos na razão...
Serão tempos de medo, sangrentos
em cenários terríveis, de aflição
- já sinto os graves tormentos:
cravaram espinhos no meu coração!

Beira, Maio de 1967
Joaquim Coelho
««««««««««
.
... LAIVOS DE VALENTIA
.
Clamo à terra que absorve os líquidos
que se desprendem pestilentos,
dos vossos corpos já putrefactos
que nos atormentam a saudade
da vida jovial que já não tendes.

Esta ténue esperança na alvorada
vai animando as nossas vontades
para que levemos a mensagem da paz
até aos confins dos tempos,
enquanto sofremos nos corpos
os efeitos da distorção dos valores
e os povos de crenças ancestrais
almejam viver a sua libertação,
sem as grilhetas da escravidão.

Entrincheirado na selva de incertezas,
ouso afrontar as regras da hierarquia
e perguntar, com laivos de valentia:
onde estás liberdade luminosa
que busco em todos os quadrantes,
para sair desta estranha escuridão
gesta que a pátria renega ao poder.

Jamais poderemos ter contemplações
com os usurpadores das liberdades,
escabrosa corja de ladrões,
manipuladores das nossas vontades,
pseudo governantes doutros destinos,
nos cânticos de rançosos hinos.

Brilha a luz no firmamento do povo
que chora a desdita duma guerra;
as vontades lutam contra o estorvo,
sobem até ao cimo da serra,
e desfraldam a bandeira da liberdade
pondo fim à repugnante chacina.
As vozes clamam o fim da atrocidade
castigando essas aves rapina.

A claridade alastra nas fileiras
desta geração severamente sacrificada,
enquanto os povos dormem nas esteiras
e a raça vai sendo dizimada;
escapei das grades, por um triz,
contornei a selva de aldrabões,
em busca de cada dia mais feliz
com o nascimento de novas nações.

Então, meus companheiros de jornada,
os nossos mortos serão reconfortados,
os vivos recompensados na parada
e os oprimidos libertados.

Tenho vontade de gritar este protesto
que vai fervilhando dentro de mim
custa-me viver a guerra que detesto
enquanto os heróis chegam ao fim.

Nangade, Setembro de 1966
Joaquim Coelho



.. INCONFORMADO
.
Aqui, onde por descuido vivo
uma vida triste e ignota,
sou fiel ao meu sentir
e vejo a ambição idiota,
inconformada com os ideais
que fazem o mundo ruim
onde quero viver mais
com esperança dentro de mim.

Nas terras quentes e tropicais
rodeia-me a adversidade…
para não me sacrificar mais
quero ver com claridade
a razão das loucas paixões
nos seres mesquinhos e cegos
que atrofiam os egos.

Oh deus que comandas a vida
afasta-os do meu caminho
como os cães na despedida
longe do mundo mesquinho;
não defendo causas vencidas
nem vitórias ensanguentadas…
vamos tratar as nossas feridas
e construir novas estradas.

Com as melhores intenções
tento contornar a desgraça
nesta guerra sem rodeios
combato contra a chalaça
dos que morrem sem meios;
terei que escrever com sangue
para ficar na memória
a imagem do soldado exangue
que se finou para a história.

Beira, Janeiro de 1968
Joaquim Coelho
#######
.
.. FELICIDADE ESPERADA
.
Aqui, bem perto de mim,
vejo as sementes regadas...
mas o sonho não acaba assim
nestas lutas de sangue!

A luz das noites estreladas
há-de faze-las florescer,
nos pensamentos libertos
da mordaça e dias incertos
- causa do nosso sofrer!

E quando a guerra acabar
e sentirmos solta a mão
todos se poderão abraçar
dentro da mesma nação.

Lá longe, muito longe..
onde a humanidade mora
calam-se os tambores da desgraça
deste povo que chora
a mágoa da turbulência
que a metralha espalhou!

E os homens sem medo
cheios de esperança, sangrando,
quebram o silêncio do sonho
da África descolonizada;
estendem as mãos ao mundo
num desejo profundo
da felicidade esperada.

Mais crentes nos seus desejos
e nos sagrados valores
querem mais do que sobejos
para a vida sem detractores...
a paz é a força abstracta
que lhes pode dar razão.
E na pátria assim sonhada
saudamos os que lá estão!

Beira, Janeiro de 1968
Joaquim Coelho
.

Poemas do Tempo da Guerra 1


.. COMPLEMENTOS
.
Nenhum soldado está completo,
se não sente o corpo e o esqueleto!

Sabe bem porque existe...
respeita a morte alegre e triste;
faz a guerra e ama a paz,
na solidão dos ausentes!

Sacrifica a juventude fugaz
com altruísmo de tons diferentes;
fuzila os inimigos decadentes
e dá de comer aos pássaros
considerados seus iguais.

Empenha-se na luta contra o mal
defendendo a vida que tem,
eleva a nobreza dum ideal
e enobrece os amigos também.

Olha o firmamento com respeito
e vê nas estrelas o destino,
escuta o coração que tem no peito
como um mandamento divino...
ama a vida no reino da morte
e recomenda a deus a sua sorte!

Quibaxe, Dezembro de 1961
Joaquim Coelho


<<<<<<<<
.
... CAMINHOS do NORTE
.
Quando avançamos para o norte
com toda a força da nossa raça
não tememos mais a morte...
no regresso marchamos na praça!

Frente aos perigos das emboscadas
cavalgamos nos unimogues cinzentos,
e para cumprir as nossas jornadas
enfrentamos graves tormentos.

Avançamos até aos confins de Angola
com toda a vontade para vencer
os inimigos deste povo que se amola
e amassa o pão que não vai comer.

Nas rudes picadas do norte
onde entramos ao amanhecer
joga-se uma migalha de sorte,
porque a vida não se pode perder.

Uma missão nos braços da pátria
que me vai incitando a avançar,
na convicção de que é mátria
esta estranha forma de consolar.

Negage, Julho de 1962
Joaquim Coelho




... O REGRESSO
.
Depois da luta
há sombras escuras
numa estrada incerta
longa, triste
chamada vida.
E estas cabeças
sentem o delírio
duma vitória
que nos traz glória
com o martírio...

Fatos de tons viris
cobertos de terra cinzenta
em corpos joviais
com os rostos amarelados
cobertos de poeira.
As bocas cheias de sede
maldizem das matas
amaldiçoam o tempo
e fazem o chinfrim
contra a aspereza do capim!

Depois... voltam
de espírito puro e enfunado,
prazenteiros de alma
de corpo maltratado
e ternos de coração
numa camaradagem infinda!

É o regresso...
Para trás ficam negras dores
mas nas suas veias... ainda
corre o sangue generoso
da mocidade sem flores.

Pára-quedistas - “bichos do capim”
Combatentes - fantasmas.
“Páras” arrojados
todos iguais, com a mesma sede
com a mesma alma, determinados!
“Páras” cinzentos, sujos e feios...
“Páras” da morte e da glória,
Homens das alturas
da guerra e da paz.
Homens de todos os destinos
no rumo dos seus hinos
largados no espaço etéreo
desafiando a morte
combatendo e sonhando...
sempre sonhando...
com melhor sorte!

Angola-Quicabo, Fevereiro de 1962
Joaquim Coelho
##########
.
.... ACESSOS
.
Ao enrolar os ramos da bungavília
na escuridão dos teus cabelos
senti o respirar ofegante...
sinal da entrega em movimento
dos corpos à espera do instante
do sussurro que quebra o silêncio,

as mãos já urdiam com mestria
o lençol lindo onde te estendes
e os dedos farejavam a penugem
ao poisar a glande entesada
nas carnes aveludadas do teu ventre,

o tempo rompeu os meus sentidos
mergulhados em estranhos ruídos
e depois de vasculhar os acessos
sinti os teus braços travessos
contornar o meu corpo desmaiado…

ia alta a noite e o tempo gozado
deixou-me ficar descompassado.

Mussulo, Setembro de 1962
Joaquim Coelho
.