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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Poemas dos Tempos - Angola 78

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   DESVENDAR OS ENREDOS

Ando com o corpo marcado
pela incontida ingratidão
da gente perdida na ilusão
de que guerra é coisa de soldado…

Há por aí muito mascarado
a vender os seus segredos
mas hei-de desvendar os enredos
que nos têm enganado.

Talvez o cheiro acre da guerra
os deixe sonhar em paz…
esquecem que tudo quanto se faz
pode deixar os sonhos na terra.

As prolongadas vozes em viagem
das silhuetas rastejantes
deixam-me emergir na miragem
da justa punição dos tratantes;

e se a amargura não encerra
as querelas que nos causam mal
deixaremos alastrar a guerra
e regressamos ao nosso Portugal.

           Negage, Janeiro de 1963

Joaquim Coelho



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      DIA TRIUNFANTE

Aqui… distante
sem ter ninguém a comentar
o meu sonho irreverente
para a tristeza disfarçar.
O sonho é sempre esperança
como uma fantasia ingrata!

Saudades do tempo de menino
quando caminhava seguro
pela mão de minha mãe
nada temia do futuro!

Agora… de corpo acabrunhado
e a alma triste e desalentada
ando ladeado de capim
galgando as matas agrestes
e arrastando a mochila.

Se eu pudesse contar as paisagens
e os seus verdores engalanados
sentado como de costume
no regaço de minha mãe
e conter as lágrimas amargas
nos olhos ainda toldados
pelas últimas visões da guerra
estaria feliz com mais soldados
a semear a paz nesta terra.

Mas eu hei-de voltar um dia
que não será muito tarde
para percorrer os caminhos
de odores nos campos semeados
e às crianças darei mais carinhos;
os olhos ainda semi-cerrados
abrir-se-ão com mais esperança
de encontrar dias de bonança.

Na transformação deslumbrante
gritarei aos cidadãos indecisos
a vitória da minha ventura...
Hoje é o meu dia triunfante
e vou distribuir violetas
para esquecer a desventura
sem o odor das pétalas pretas.

Luanda, Outubro de 1962

Joaquim Coelho
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     O PÁSSARO FELIZ

O avião voou tarde e bem roncou.
Regressei ontem... aqui estou!

- Amor, andas embrenhado na guerra
e não encontras tempo para o amor!

Querida, mas hoje é domingo...
acordei como um pássaro feliz,
alegre por sentir esses lábios
de fogo... como sempre quis.

- Hoje não sinto o mesmo ardor
dos teus beijos... não eram assim!
Os teus lábios sabem a pólvora
e têm a secura do capim...

Põe as mãos nos olhos, abertos...
pergunta ao vento quem é o inimigo.
Abre os olhos como duas janelas...
cuidado com os sorrisos que semeias,
para eu não perder a esperança
que trago dentro do peito...

- Amor, eu não tenho outro jeito 
para refrescar a tua boca...
e o meu sorriso é natural
como as flores que despontam
em qualquer jardim divinal...

Vou adornar-te com delícias
tomar-te pela cinta a ternura,
meu anjo de intensa formosura...
enquanto as tuas carícias
repousam na minha boca,
entro no segredo do silêncio
onde absorves a seiva louca
entrincheirada nos corpos
com leves aromas das flores...

assim acordámos abraçados
na efémera hora de amores,
aqui no jardim entrelaçados!

           Luanda, Maio de 1962

Joaquim Coelho
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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Poemas dos Tempos - Angola 77

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    REI DESTRONADO

Fui atirado para a guerra
em terras tão longínquas
que deixei de ver borboletas
dando voltinhas no ar…
fujo das mulheres pretas
para não me verem chorar!

Longe dos campos ancestrais
vejo o fim em cada esquina
e temo não voltar mais
à terra que tanto me estima.

Entro nas matas e as ramagens
deixam a alma despedaçada;
são perigosas as viagens
e põem o corpo moribundo
a caminho da campa sem fundo.

Há um fantasma devorador
a atormentar a minha alma
tento afastar esta dor
para viver com mais calma!

Ao fantasma eu mandava
até aos píncaros do inferno
para ver se o queimava…
mas sendo um rei destronado
vivo sempre amedrontado
sem força… um mal eterno!

         Quitexe, Março de 1962

   Joaquim Coelho




           MADIMBA
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Quando entro na mata em silêncio
a memória atenta logo me desperta
a proximidade da morte que desliza
na ribeira ondulante e fico alerta;
o inimigo espia cada movimento
esquivando-se ao golpe de mão
mas ataca sempre à traição.
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O medo que nos envolve no vento
parece persistir no espaço da vigília
e até no ar que respirámos...
cada caminhada é uma perícia
dentro da madrugada silenciosa
este penetrar na mata adormecida
numa busca atenta, dolorosa
natureza que esventrámos
para combater os inimigos da paz,
com profunda certeza, sonhámos,
nesta Angola que muito nos apraz.
   Maquela do Zombo, Junho de 1962
   Joaquim Coelho
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         AMOR MORTIFERO

Impudica donzela envergonhada
que me seduzes irremediavelmente
é inútil que me afagues mansamente
na miragem dos corpos famintos,
afasta de mim o teu olhar suplicante
que fulmina os meus desejos…

Abandona a presunçosa gratidão
que brota das tuas palavras ocas
deixa que seja a voz do coração
a convergir as nossas bocas.

Aos deuses do amor suplico
que me afaste dos teus beijos
e me arrefeça os desejos...
bem amarfanhado eu fico
ao possuir teu corpo sensual
num lúbrico contacto casual.

É na força dos corpos quentes,
que campeia toda a graça
dos sussurros semi-inocentes
que despertam toda a praça;
és a envergonhada donzela
debruçada sobre a janela.

Gosto das impúdicas seduções
a despertar os desejos sensuais
sem as corporais limitações
dos amantes em sonhos reais;
a distância é uma natural reflexão
enquanto vítimas do coração.

  Luanda, Novembro de 1962
   Joaquim Coelho
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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Poemas dos Tempos - Angola76


      PRELÚDIO

No idílio das nossas aldeias
os jovens todos se afoitam,
noitadas à luz das candeias
e as moçoilas bem se acoitam.

Ódios atiçados em Angola:
logo os jovens são recrutados...
com fardas pintalgadas à gola,
seguem nos barcos atulhados!

Deixam na aldeia os seus amores...
olham à volta... mar e água!
Aí se dão conta das suas dores
e do futuro... com muita mágoa.

Temerosos, assomam à proa,
olhando bem no horizonte;
longe, longe ficou Lisboa...
há sempre quem se amedronte.

Desfilam em Luanda, perfilados,
e o povo dá reconhecimento...
lembrando seus antepassados,
com a terra-mãe no pensamento.

Partem p'ro norte martirizado,
onde se forjam soldados de aço!
Sentem saudades, por um bocado
vivem o tempo no seu espaço

           Luanda, Setembro de 1961

Joaquim Coelho



        DESPEDIDAS

O sol inclina-se para além…
no mar transparente da Corimba
os soldados olham o horizonte
que se despede também;
eu continuo aqui… ansioso
à espera do embarque…
mas não estou nervoso!
Não sei se andas no parque
nem sequer olhei para trás…
dentro de momentos
o avião levanta e tu verás!

Embarco sem saber a rota…
o avião aguarda que eu entre
sem dizer adeus… à terra morta
se nela não tenho mais nada!

Notícias… ficam no caminho
com palavras de amor…
da doçura do teu carinho
sentirei a falta
para abafar esta dor
balançando na onda do mar
em maré alta.

Poderás chorar
a ausência de ternura…
a saudade e a dúvida…
eu chorarei a dor amarga
a tristeza e a nostalgia
de quem vai dormir no capim
onde não chega mais nada
senão um ruído de metralha
um rugir de folhas morta
ou as garras de um abutre
e um grito de terror!

Mais tarde… se eu voltar
com mais desejos de te amar
terás então, com mais fervor,
os meus carinhos doces
e eu terei os afagos de consolação
para a renovação do amor.

           Luanda, Setembro de 1961

Joaquim Coelho
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    LONGA DISTÂNCIA 

 Aqui sentado, olhando o luar,
imaginei um longo poema...
os teus cabelos sedosos
   leves como arminho
e o teu olhar cintilante
   com o feitiço dum carinho!

Um rosto de níveas feições
com as cores duma romã
e belo como uma flor…
palavras, as palavras musicadas,
na boca sussurrando baixinho
com trinados de tons suaves
como a ternura das aves!

Apesar da longa distância
ser o nosso dilema presente,
quando se ama com emoção
cada um mede o que sente
em bocados de amor no coração.

Ouço as palavras vindas no vento
sem fronteiras para o meu querer
é o modo de contornar o sofrimento
e continuar animado para viver.

    Luanda, Abril de 1962
Joaquim Coelho
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