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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 26

... SINAIS DOS VENTOS
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A máquina da governação está viciada
e o povo naufragado na ignorância,
ingénuo e bondoso, vai sendo enganado,
na contemplação da vida asfixiada
e sem esperança no futuro desejado.

Sejamos audazes neste projecto duro
onde há gente a viver sem dignidade,
aceitemos os sonhos de independência
determinante para o sentimento puro
com o fim dos impérios na sociedade.

Não há razões nos mitos da burguesia
para ensombrar os séculos de história,
a guerra fomenta o ódio e a miséria
quando a juventude vive na fantasia
gerada em tempo de trágica memória.

É tempo das missões mais frutuosas
nesta África de lendas bem burguesas,
muitos gentios e audazes guerreiros
a matar as crenças mais tenebrosas
dos feitos pelas mãos portuguesas.

Nacala, Dezembro de 1966
Joaquim Coelho
»»»»»»»»
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... SINAIS DO ÍNDICO
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Os sinais são de assombração,
gestos de contornos invisíveis
acalentados pela mística exaltação
indiciadora de tempos gastos
nos ideais libertários insatisfeitos.

Haverá algum contentamento
com tanto desperdício de ocasiões
no gesto geográfico e entendimento
das descobertas simbólicas dos povos
com estigmas da colonização presente?

Visão certa do contemporâneo projecto
De feição fraternal ao brio luso-africano
Baseado nos intrínsecos conhecimentos
tendo a arte e a cultura como objecto
do espólio valioso dos descobrimentos.

Iluminem-se as mentes dos arquitectos
para nos libertarem dos dramatismos
que a história teima em inventar…
o planeamento não nos deixa quietos
amarrados às teias dos dogmatismos.

Nacala, Dezembro de 1966
Joaquim Coelho


.. TARIMBEIRO
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Sem batuque e sem mulher
o preto chora e lamenta…
vai ao deus-curandeiro
saber o que o atormenta,
mas gosta do fazendeiro
que dá fuba e alimenta.

Com lamento e sem batuque
o preto volta à sanzala
lá no Xipamanine
e o batuque sempre fala…
tem saudade da mulher
gente boa de coração
bota batuque na palhota
p’ra mais sentir e viver
o ritmo de cada canção
em toda a ilha e ilhota.

Lourenço Marques, Fevereiro de 1966
Joaquim Coelho
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.. SINTONIA DO AMOR
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Neste sonho de vertigem
sinto o teu corpo carente
selvagem como a fuligem
sedento como uma esponja
na lubricidade do que sente
bebida a tonificar a secura
e doce como amora madura;

Os lábios vibrantemente febris
colados como duas armaduras
na minha boca de intenso ardor,
afinam os gestos mais subtis
sintonia dos corpos em amor!

Afago os teus seios palpitantes
que se empertigam mimosos
quando neles debico o suco ardente
e delicio os meus dedos sedosos
até à fronteira húmida e quente.

percorro o teu corpo pelos quadris
como uma corrente electrizante
e logo acendes a luz no esplendor
do teu enlevo reconfortante;

fundem-se pensamentos e sentidos
num orgasmo longo e relaxante...
os corpos no leito estendidos,
saboreiam a dádiva aos molhos
que brota dos lábios rosados;
silencia-se o brilho dos teus olhos
enquanto levemente fechados;

mas vejo que a lenta escuridão,
que se abate sobre a cidade,
alimenta em nós uma ilusão
perturbadora desta felicidade!

O confronto com a realidade
ainda apoquenta as noites de luar,
porque falta solidez e verdade,
quando a dúvida nos pode afastar!

Alto Maé, Fevereiro de 1966
Joaquim Coelho
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