Número total de visualizações de páginas

terça-feira, 22 de junho de 2010

Poemas do Tempo da Guerra 13

Vamos intercalar Poemas de Angola e de Moçambique
.
Entre os Poemas escritos em Angola e os de Moçambique vai o tempo de 5 a 7 anos. A diferença no modo de abordar a guerra, estará nos seguintes dilemas do combatente:
1 - Ao embarcar para Angola fui com a convicção de que a população branca e negra precisavam da nossa ajuda porque estavam a ser massacrados e esquartejados no Norte de Angola (foram barbaramente assassinados cerca de dois mil brancos e seis mil negros, em 1961).
2 - Mas, quando fui obrigado a deixar o curso de Engenharia Electrotécnica, que frequentava na Academia, e seguir para a guerra em Moçambique, por ter recusado mudar para um curso de âmbito militar, já não havia convicção mas a certeza de que o problema da guerra era político e não militar; conhecia bem a pressão internacional e a ganância dos países mais poderosos em se apoderarem das riquezas dos territórios administrados por Portugal.
O descontentamento e o mal-estar marcaram os meus 29 meses em Moçambique. Daí ter passado para o papel os estados de alma nos momentos de maior lucidez e azedume.

... DISSABORES AMARGOS
.
Má sorte ter embarcado em Lisboa
e ter caído nesta selva onde a leoa
me embarga a voz temente ao perigo.
Não sou eu que o digo...
os companheiros desanimados
que se manifestam ameaçados!

O Figueira avança na palhota
ao encontro da solidão;
o Armindo patrulha a mata
em busca do grande leão;
o Mota, bom jagador, faz batota
com o batuque a preceito;
o Coelho... triste, sem jeito
tangendo a viola dolente
para desanuviar a dor que sente.

Sente-se a tristeza do comandante
que se esforça em filosofar a vida,
mas a vida é cada instante
em que o sonho nos dá guarida.
Tento lançar os prantos ao mar
enquanto a esperança me afoita
nas quentes noites de luar,
é um desafio dormir em Nacala.

Contra as ameaças indigestas
a razão da minha voz não se cala...
frente a este movimento feminino,
porta-voz dos ditadores malditos
que dilaceram os corpos benquistos
e afundam a pátria já naufragada
na imensa pobreza acorrentada.

Porque hei-de sofrer os dissabores
e o feito dos males de tanta gente?
Vou afugentar as minhas dores
sem medo de ser diferente...
despertar os corações amuados
do Portugal longínquo, adiado...
bramir o grito dos amordaçados
e despertar o calor do mundo aliado!

Nacala, Agosto de 1966
Joaquim Coelho


... TORMENTOS
.
A noite de sono atormentado
em que dormimos acorrentados
à desgraça da pátria incapaz
de saber se ainda existimos…

abandonados nas terras recuadas
dos milheirais das machambas
onde mergulhámos o desalento
no lodo das incompetências
dos poderes soterrados em S. Bento.

A sorte que nos cabe no momento
já se esboçava no desenlace
que a tragédia adiava aos ousados
entre os combatentes cansados.

O pesadelo é uma eternidade
que a manhã acordou
quando a morte amarfanhou
mais um soldado valente;

o socorro é a ínfima esperança
para nos livrar do tormento
que nos devora os sentidos
para reinventar-mos a vida
que nos foge com o tempo
no prelúdio da sepultura…

O silêncio dos olhares
deu alento à decisão
levar os feridos aos ombros
e caminhar pelo sertão
fugir do ambiente hostil
que nos mordia a vida
alancar até Napota
nossa terra prometida
acertar contas com os sacanas
que nos atiram p’ro inferno
por abandonarem nas savanas
os mortos no sono eterno.

Mutamba dos Macondes, Março de 1966
Joaquim Coelho
###########################
.
... CORJA DE LADRÕES
.
A força que nos anima na certeza
vibrante dum peito sem emoção
também vence a insídia dos escolhos
que combatemos com firmeza
mesmo que a angustiante comoção
nos deixe as lágrimas nos olhos.

Os lamentos dos feridos silenciosos
são o rancor contra o inimigo astuto
que nos fustiga as doridas faces…
na rectaguarda, colonos asquerosos
transferem os seus bens para o puto,
debandada de ladrões sem disfarces.

Amigo descarnado que padeceste
trespassado pelas balas sem apreço…
corpo jovial, vibrante e moço,
sem vida no rosto, emudeceste…
aos deuses que cortaram a voz eu peço
que te recebam em paz, sem alvoroço!

Mueda, 16 de Março de 1966
Joaquim Coelho
<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<

Sem comentários:

Enviar um comentário